domingo, 24 de fevereiro de 2013

Way of life


  
Por que resolvi morar nessa cidadezinha do oeste norte-americano onde tudo ocorre de acordo com os filmes da sessão da tarde? Todo dia a mesma coisa ou coisas parecidas. O xerife aposentou-se e ganhou um relógio dos colegas, há ânsia geral sobre quem leva quem para o baile de formatura e vejo em noites seguidas rapazes deixarem meninas em casa. Na porta, beija, não beija ou entra. Os Watson levaram uma torta para os novos vizinhos, Peter recebe o jornal de seu cão, o pequeno Bill vende limonada, Mary faz uma garage sale e os policiais comem rosquinhas. John voltou do Iraque e comprou uma arma.


Almas em conflito


Antigamente, um povo primitivo abria o corpo de seus mortos para facilitar a saída da alma. Muitas delas desencarnavam antes do funeral, por causa de golpes de adagas e de outros objetos capazes de larguear o tórax. Por essa abertura, o espírito escapava e seguia sua jornada rumo ao desconhecido.

Com a chegada dos missionários cristãos, os silvícolas foram informados dos destinos da alma: Céu, Purgatório e Inferno. Os ímpios e criminosos, sob a visão da igreja, precisariam se esforçar no purgatório para serem aceitos no Reino dos Céus. Outros, sem chances de perdão, iriam direto para o inferno. Deixou de dar mais detalhes aos índios, mas eles perceberam que a Justiça Divina era morosa por sua própria natureza - especialmente porque a decisão cabe a um único ser superior. O fato de ter a eternidade pela frente, daria a Ele sensação de que tudo pode ser deixado para amanhã ou para daqui a mil anos.

Os primitivos não entendiam tamanha burocracia e o chefe tribal foi ao padre – aliás, muito parecido com o nosso Anchieta – com suas ponderações destinadas às autoridades eclesiásticas. Seus comentários tinham o sentido de melhorar o fluxo de informações entre as forças do universo. Quase um aconselhamento de gestão. Não seria mais fácil deixar os espíritos soltos na floresta, mais perto da aldeia? Não seria mais fácil dividir a responsabilidade do julgamento com outros seres iluminados?

Mas a tese não prosperou. Os padres acharam aquilo inteiramente fora de propósito. A verdade estava na Bíblia e pronto. A palavra do Senhor não seria mudada por simples opinião de um selvagem, mesmo que ele tenha aludido a aspectos sinergéticos de suma importância. A evangelização seguiria, segundo os dogmas, com catequese completa, incluindo a questão dos santos e a dos anjos. O missionário, apesar de sua religião já ter assado pessoas nesse período, achou brutal arrancar pedaços humanos. O homem primitivo ainda ponderou, num tom quase profético para o mundo do terceiro setor dos dias de hoje: “o desperdício é zero. Comemos tudo que é tirado”.

O modelo da tribo era mais dinâmico, menos oneroso e, ao final, continha soluções mais elegantes para o post-mortem. O segredo é a simplicidade, argumentou o chefe da tribo. 


E-mail da editora

“Vou ser direta: não gostei. Foi um suplício ler seus originais. Li obrigada por nossa longa amizade. Caso contrário teria deixado para lá, como faço com noventa por cento do que recebo. Lamento a sinceridade, mas parei de fumar e de mentir. Você pediu minhas observações. Só ontem me lembrei dessa parte, talvez mais dolorosa, porque não vi ali um livro, mas um cozido mal feito de besteiras ouvidas em bares. Sem contar que os personagens são conhecidos. Fiquei especialmente incomodada com a Gisele. Sou eu, né? Que canalhice. Essa história de escrever está acabando com seu caráter e nada acrescenta à nossa literatura. Desista”.

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