As
paquitas viraram senhoras bonitas, mas os lolitianos continuam a
preferi-las como antigamente. As próprias também despejam um pouco
de nostalgia teen em sua página no Facebook. O certo e inelutável é
que as ninfetas da Xuxa, 50, não são mais ninfetas. Funcionam, no
caso presente, como uma unidade de medição do tempo para a turma
dos anos 80 e 90 do século passado. Muita gente envelheceu junto com
elas - alguns envelheceram mal. Sei que é um preâmbulo meio
enviesado, mas seus significados talvez surjam no decorrer do debate
envolvendo dois mestres da Teoria da Vida, ambos desconhecidos do
grande público, embora respeitadíssimos entre seus pares. Aliás, a
tese de um dos contendores chama-se “O paradoxo das Paquitas”.
Mas vamos ao que antigamente chamávamos de matéria e hoje é
conhecido como “meu texto”. O conteúdo é basicamente um debate
entre os dois professores.
Ao
referir-se ao seu paradoxo das paquitas, Afrísio Assumpção tratou
o processo de envelhecimento como um defeito da natureza, e se
cremos em Deus, devemos pelo menos considerar que Ele poderia ter
pensado numa solução melhor. Segundo o mestre, a concepção de
“natureza perfeita” é apenas o caos que organizamos em nossas
cabeças para fins de sobrevivência. A grande pergunta do professor:
por que o material se desgasta, a vida humana se vai tão rápido,
quando poderia ser feita de substância mais resistência ao tempo e
às intempéries? Pois sendo diferente, na opinião de Asumpção, as
paquitas manteriam seus shortinhos por alguns milhões de anos, e
seus fãs, hoje barrigudos e carecas, continuariam a exibir corpos
enxutos e saudáveis até o fim dos tempos.
Viveriam
assim por toda a vida, por muitos mais anos, e morreriam de repente,
jovens na aparência e milenares na idade. Sem doenças e, portanto,
sem necessidade de plano de saúde. Passariam por todas as
reviravoltas da história, mudariam muitas vezes de opinião,
trocariam de costumes e valores e, acima de tudo, experimentariam as
sensações que não cabem no modelo atual de vida. Nesse ambiente
ideal - sempre na opinião do professor, deixo claro -, uma pessoa
poderia iniciar seu ciclo como analfabeto e fracassado e chegar ao
meio da existência como reitor da USP, presidente da República ou
papa. Depois poderia abandonar o papado, meter-se em aventuras mundo
afora, e séculos depois reiniciar a lida burguesa, com doutorado em
Havard e negócios na Bolsa.
Então,
surge outro emérito professor, Abdias Outeiro, da mesma área, para
discordar. Meio niilista, levanta a questão do tédio. Seria uma
pasmaceira aturar as mesmas pessoas durante séculos, ouvindo as
mesmas conversas, porque o povo não muda assim com tanta facilidade
de um milênio para outro. Se o cara não mudou até os trinta anos
não vai mudar nunca. Abdias chamou essa discussão de
“ultrapassada”, quase uma não problema, como diria Kant, e
continuou citando, desta vez Ivan Karamázov, que já teve esse tipo
de conversa com o diabo.
O
professor Assumpção se contrapôs fortemente. Afirmou, com fúria
acadêmica, serem a sua tese e temas assemelhados as grandes questões
da humanidade. “É o ser ou não ser, o tudo e o nada, a vida e
morte”, discursou, de forma bastante convincente para a pequena e
atenta plateia. Para ele, o Paradoxo das Paquitas pode ser
apresentado até mesmo em forma de equações matemáticas. Antes
que Outeiro levantasse um grande problema, a superpopulação – um
casal poderia ter alguns bilhões de filhos -, Assumpção esboçou
seu projeto de mobilidade interplanetária e salientou que, em alguns
milênios, teríamos o universo inteiro para morar, com mais opções
e preços em conta. “Hoje é muito caro viver nas Terra”,
observou. “No futuro teremos planetas sem aluguéis e imposto de
renda”.
Mas
a grande questão de Outeiro era outra. Morre-se de qualquer jeito,
daqui a pouco ou daqui a mil trilhões de anos elevado à nona
potência. Morreu, a não acreditarmos em Deus, é o fim, acabou, o
tempo perde o sentido. Tudo perde o sentido. Sem contar que O
falecido deixaria saudades ainda desconhecidas entre velhos amigos de
quatro, cinco, seis milhões de anos. “Loucura!”, exclamou
Outeiro. Seria melhor deixar como está. Mesmo porque não temos
tecnologia para pôr em prática as ideias do douto colega. Foi uma
piada, uma gracinha para desanuviar o ambiente, mas o professor
Assumpção não gostou, acho que do “douto colega”, meio
irônico, sei lá, e quase gritou que suas ponderações se davam no
campo do pensamento e, se cremos em Deus, Ele nos ouvirá e mudará
de ideia. Para dar o nó em sua intervenção, também recorreu a
Dostoiévski, observando que a Terra está sujeita a mudanças,
“renasceu, rachou, fez-se em pedaços, desintegrou-se em seus
componentes iniciais, volta a água...outra vez a Terra se formou do
Sol”. Outeiro foi à mesma página 833 de “Os Irmãos Karamazóv”
e repetiu: “isso é o mais indecente dos tédios”.
Um
debate sobre temas tão amplos – eterna juventude, vida e morte,
resumidos no Paradoxo das Paquitas, como nome fantasia e leve dose
de embromação – sempre está sujeito a enormes paixões
filosóficas, científicas e religiosas, mas é surpreendente que não
atraia a atenção do grande público e da mídia, mais afeitos a
assuntos menos abrangentes, como a cura da acne e dicas para a
economia doméstica. Por isso, os dois professores, mesmo
antagônicos, são grandes amigos e integrantes da mesma entidade
encarregada de levar tais precupações futuras aos seus póstergos.
Não querem que grandes questionamentos sobre o universo fiquem
restritos a maconheiros e filósofos franceses.