quinta-feira, 30 de maio de 2013

Debate: O paradoxo das paquitas



As paquitas viraram senhoras bonitas, mas os lolitianos continuam a preferi-las como antigamente. As próprias também despejam um pouco de nostalgia teen em sua página no Facebook. O certo e inelutável é que as ninfetas da Xuxa, 50, não são mais ninfetas. Funcionam, no caso presente, como uma unidade de medição do tempo para a turma dos anos 80 e 90 do século passado. Muita gente envelheceu junto com elas - alguns envelheceram mal. Sei que é um preâmbulo meio enviesado, mas seus significados talvez surjam no decorrer do debate envolvendo dois mestres da Teoria da Vida, ambos desconhecidos do grande público, embora respeitadíssimos entre seus pares. Aliás, a tese de um dos contendores chama-se “O paradoxo das Paquitas”. Mas vamos ao que antigamente chamávamos de matéria e hoje é conhecido como “meu texto”. O conteúdo é basicamente um debate entre os dois professores.

Ao referir-se ao seu paradoxo das paquitas, Afrísio Assumpção tratou o processo de envelhecimento como um defeito da natureza, e se cremos em Deus, devemos pelo menos considerar que Ele poderia ter pensado numa solução melhor. Segundo o mestre, a concepção de “natureza perfeita” é apenas o caos que organizamos em nossas cabeças para fins de sobrevivência. A grande pergunta do professor: por que o material se desgasta, a vida humana se vai tão rápido, quando poderia ser feita de substância mais resistência ao tempo e às intempéries? Pois sendo diferente, na opinião de Asumpção, as paquitas manteriam seus shortinhos por alguns milhões de anos, e seus fãs, hoje barrigudos e carecas, continuariam a exibir corpos enxutos e saudáveis até o fim dos tempos.

Viveriam assim por toda a vida, por muitos mais anos, e morreriam de repente, jovens na aparência e milenares na idade. Sem doenças e, portanto, sem necessidade de plano de saúde. Passariam por todas as reviravoltas da história, mudariam muitas vezes de opinião, trocariam de costumes e valores e, acima de tudo, experimentariam as sensações que não cabem no modelo atual de vida. Nesse ambiente ideal - sempre na opinião do professor, deixo claro -, uma pessoa poderia iniciar seu ciclo como analfabeto e fracassado e chegar ao meio da existência como reitor da USP, presidente da República ou papa. Depois poderia abandonar o papado, meter-se em aventuras mundo afora, e séculos depois reiniciar a lida burguesa, com doutorado em Havard e negócios na Bolsa.

Então, surge outro emérito professor, Abdias Outeiro, da mesma área, para discordar. Meio niilista, levanta a questão do tédio. Seria uma pasmaceira aturar as mesmas pessoas durante séculos, ouvindo as mesmas conversas, porque o povo não muda assim com tanta facilidade de um milênio para outro. Se o cara não mudou até os trinta anos não vai mudar nunca. Abdias chamou essa discussão de “ultrapassada”, quase uma não problema, como diria Kant, e continuou citando, desta vez Ivan Karamázov, que já teve esse tipo de conversa com o diabo.

O professor Assumpção se contrapôs fortemente. Afirmou, com fúria acadêmica, serem a sua tese e temas assemelhados as grandes questões da humanidade. “É o ser ou não ser, o tudo e o nada, a vida e morte”, discursou, de forma bastante convincente para a pequena e atenta plateia. Para ele, o Paradoxo das Paquitas pode ser apresentado até mesmo em forma de equações matemáticas. Antes que Outeiro levantasse um grande problema, a superpopulação – um casal poderia ter alguns bilhões de filhos -, Assumpção esboçou seu projeto de mobilidade interplanetária e salientou que, em alguns milênios, teríamos o universo inteiro para morar, com mais opções e preços em conta. “Hoje é muito caro viver nas Terra”, observou. “No futuro teremos planetas sem aluguéis e imposto de renda”.

Mas a grande questão de Outeiro era outra. Morre-se de qualquer jeito, daqui a pouco ou daqui a mil trilhões de anos elevado à nona potência. Morreu, a não acreditarmos em Deus, é o fim, acabou, o tempo perde o sentido. Tudo perde o sentido. Sem contar que O falecido deixaria saudades ainda desconhecidas entre velhos amigos de quatro, cinco, seis milhões de anos. “Loucura!”, exclamou Outeiro. Seria melhor deixar como está. Mesmo porque não temos tecnologia para pôr em prática as ideias do douto colega. Foi uma piada, uma gracinha para desanuviar o ambiente, mas o professor Assumpção não gostou, acho que do “douto colega”, meio irônico, sei lá, e quase gritou que suas ponderações se davam no campo do pensamento e, se cremos em Deus, Ele nos ouvirá e mudará de ideia. Para dar o nó em sua intervenção, também recorreu a Dostoiévski, observando que a Terra está sujeita a mudanças, “renasceu, rachou, fez-se em pedaços, desintegrou-se em seus componentes iniciais, volta a água...outra vez a Terra se formou do Sol”. Outeiro foi à mesma página 833 de “Os Irmãos Karamazóv” e repetiu: “isso é o mais indecente dos tédios”.

Um debate sobre temas tão amplos – eterna juventude, vida e morte, resumidos no Paradoxo das Paquitas, como nome fantasia e leve dose de embromação – sempre está sujeito a enormes paixões filosóficas, científicas e religiosas, mas é surpreendente que não atraia a atenção do grande público e da mídia, mais afeitos a assuntos menos abrangentes, como a cura da acne e dicas para a economia doméstica. Por isso, os dois professores, mesmo antagônicos, são grandes amigos e integrantes da mesma entidade encarregada de levar tais precupações futuras aos seus póstergos. Não querem que grandes questionamentos sobre o universo fiquem restritos a maconheiros e filósofos franceses.


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