domingo, 23 de novembro de 2014

Mal-entendido




Todos exultaram com o ocorrido, embora desconhecessem detalhes e embora alguns nem soubessem do que se tratava. Basicamente, sabia-se que uma coisa muito boa iria mudar a vida das pessoas para sempre e entraria em vigor em dez dias, conforme determinação de um órgão governamental, cujo nome não conseguiram ouvir direito. Notícia boa também se espalha e em sua propagação cidade afora esta ganhou enredo, razões e até textura; histórias que soavam como a vinda do Messias ou da Era da Prosperidade, dependendo se o beneficiado era religioso ou não. O certo é que uns também acreditavam saber demais e espalhavam pormenores pelos meios de comunicação e até análises, gráficos e previsões sobre possibilidades; nunca sobre um fato em si.  A maioria, no entanto, nem chegou perto dos argumentos, muito menos checou sua veracidade, e saiu para comemorar.

Os mais ou menos informados se envolveram nessa  contaminação de otimismo nunca vista em tempos de guerra e paz, mas ao contrario dos menos informados queriam saber em que medida a nova ordem, ou seja lá o que fosse, traria ganhos financeiro e talvez mais felicidade. Mesmo assim, entraram de cheio na festa. Desconhecidos se abraçavam sem entender por que estavam tão felizes, mas o importante é que estavam, e ainda soltavam fogos, soavam buzinas nas ruas, gritavam dos apartamentos. Era natural a expectativa com o noticiário da noite, capaz de esclarecer alguns  pontos, senão todos, e era natural tentar descobrir que poderoso motivo levou à tanta exclamação e delírio. Só que não foi assim, pois a notícia perdeu a força no meio jornalístico e agora havia dúvida se o fato era verdadeiro ou um boato intrincado, desses que recebem inúmeras versões até se subdividir em outros, todos igualmente confusos, apesar de atribuídos a fontes seguras.

Não adiantou o desmentido das autoridades, tão vago quanto as versões em contrário, e o assunto, deixado de lado pela imprensa, passou às redes sociais com uma força insana, como se houvesse um sentimento coletivo de acreditar a todo custo. Enquanto na TV o assunto já era outro, a notícia provavelmente falsa continuava correndo cada vez mais veloz porque a própria inquietação do outro parecia sinal suficiente para seguir-lhe na mesma toada de entusiasmo.

Passou-se um bom tempo até o boato minguar, mas não de completo, e vez por outra aparecia uma nota, um comentário, uma conversa dando conta de que, enfim, um novo mundo estava a caminho, cheio de  recompensas e bonificações, e capaz de nos tirar de uma vida de sacrifícios e dor, faltando apenas sabermos o que era e por quê.