Chegou ao último degrau da autoestima
quando, seguro de si, perdeu totalmente a compostura na hora do autoelogio,
como faz sempre, mas dessa vez exaltava certo fragor da natureza que só ele era
capaz de ouvir. Coisa para uns poucos especiais, sensíveis como partículas
elementares, capazes de viver a vida de forma mais intensa, ao mesmo tempo
ardendo e durando. Alguns dos amigos olhavam com ar de ironia, quase prendendo
os lábios para não rir, enquanto o Ego seguia em frente, falando para o prazer
de si próprio.
- Minha gente, vamos mudar de assunto –
disse uma delas, sem saber que assunto estava sendo tratado, pois na verdade só
prestou atenção a algumas palavras, como “inextrincavelmente”, por se tratar de
uma palavra feita para ser escrita, não para ser dita numa conversa. De
qualquer forma, não sabia o que significava “inextricavelmente” e
desinteressou-se. Ele manteve o ritmo, quase discursivo. Entre os que se deram
ao trabalho de ouvir, algumas subdivisões: “ele está louco”, “cada dia mais chato”
e “o cara é foda”.
Poucos admiradores fidelíssimos. Todos
queriam entender como ele entende, ver com os olhos dele e finalmente sentir-se
ele, ou Ele, em muitos casos. Por sorte o Ego não acredita em Deus, senão
disputaria o trono do Todo Poderoso, numa briga de iguais. Seus adeptos ouvem,
sempre: “não sei como você aguenta”, às vezes durante a sessão oratória. O Ego
percebe o desprezo de maioria. Não se abala. Nesses momentos, dirige-se à sua
seleta e minúscula confraria e derrete-se com o olhar de aprovação da dona da
casa, a mais bonita da turma. Ela serve a cerveja para edulcorar a homilia do
amigo mais sabido; e serve-lhe de tradutora em situações em que o Ego é
obrigado a recorrer a palavras em latim e alemão. Ele gosta muito de "Vorfreude”,
que é, segundo o Google, a felicidade antecipada por algo que ainda está por
vir.