segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Corporativês

Ao ingressar no fabuloso mundo corporativo, o primeiro passo é aprender mais uma língua. Não é propriamente o inglês. É o corporativês - idioma composto por palavras estrangeiras, siglas, verbos que não existem nos dicionários e clichês como “agregar valor”, “impactar nos negócios” ou “otimizar” qualquer coisa. Nesse ambiente, você precisa ser proativo, saber fazer um “approach” (abordagem) e um “Business Plan” (plano de negócios) , além de entender o “Core business” (negócio principal da empresa). Em caso de dúvida, procure uma Coaching (sessão de aconselhamento) “as soon as possible” (o quanto antes). Só assim, você terá um “Consumer understanding” (conhecimento profundo do cliente) e ganhará um elogio do “CKO - chief knowledge officer” (o gestor do capital intelectual da companhia).

Se você entender o “briefing” (informações necessárias para uma ação) e estiver em “sinergia” com seus “parteners”, talvez consiga um “Breakthrough” (avanço em determinada área) e, no futuro, crie um “case” (caso de estudo da empresa) ou, pensando mais alto, chegue ao cargo de “CEO” que, no dialeto das empresas, significa “chief executive officer”.

Agora, se o “clima organizacional” não estiver legal, o “budget” (orçamento) for ruim, o “Break even point” (a explicação é longa; vá ao Google) não rolar e o “Business Unit” (unidade de negócios) der para trás, você será chamado pelo “CHRO - chief human resources officer”, que se encarregará da “descontinuidade” de seu contrato de trabalho, ou seja, da sua demissão. Nesse caso, você pode fazer um “Counseling” (aconselhamento de carreira) e decidir que seu negócio é mesmo um concurso público para fiscal do IBAMA.

_lulafalcão


PS: texto publicado em 16 de abril. Em 2011, o blog volta à sua programação normal.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Jornal de ontem 1

Na preparação da Copa de 1978, na Granja Comary, o jornalista Eduardo Bueno (Peninha), hoje conhecido por seus livros sobre a história do Brasil, organizou um jogo de futebol entre jornalistas e a comissão técnica da Seleção Brasileira. Resultado: 4 x 0 para o pessoal da antiga CBD, presidida na época pelo brigadeiro Heleno Nunes. Peninha, no entanto, reuniu os colegas para deliberar um resultado menos vergonhoso a ser divulgado. Goleada não. Escolhemos 1 x 1 e assim saiu na imprensa. O assistente técnico Admildo Chirol ficou uma fera, especialmente quando viu, pregado no quadro de aviso do Hotel Higino, a análise das atuações. Os jornalistas apareciam como craques e os craques como pernas de pau. Peninha, goleiro, destacou sobre si próprio: “Mais inspiração do que Rimbaud no auge da adolescência”.

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Varadero, Cuba, 1994. Um grupo de jornalistas estrangeiros – brasileiros inclusive - foi convidado para uma coletiva com Hosmany Cienfuegos, ministro do Turismo, no Hotel Meliá. Eu estava no Estadão e faria uma série de matérias sobre política e comportamento na ilha. Feita a entrevista com Hosmani, recebemos, no dia seguinte, mais um convite para nova entrevista com o ministro. Quase ninguém quis ir. Os poucos que foram deram sorte. De repente, no parlatório, vestido com seu tradicional uniforme militar, aparece Fidel Castro. Quase três horas de entrevista e delírio de alguns jornalistas, que batiam palmas a cada fala do comandante. Mais emocionada, uma repórter espanhola, reagiu de forma desconcertante diante da presença do ídolo: fez xixi nas calças.

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Queda do o Boeing 737-200 da Varig no dia 3 de setembro de 1989. O local era de difícil acesso. Da imprensa, eu e o fotógrafo Antônio Ribeiro, então colega da Veja, fomos os primeiros a chegar à clareira aberta numa área de floresta perto de São José do Xingu, na Serra do Cachimbo. O comandante do avião errou a rota, no voo Marabá-Belém, e teve que fazer um pouso forçado às 21h0h, no meio das árvores. O impacto contra as árvores causou a morte de 12 ocupantes e ferimentos em outros 42. Na chegada, o susto. Passageiros encostados em árvores, gemendo de dor, cheiro de morte vindo de dentro do avião e alguns pedaços da fuselagem espalhados no matagal. O comandante Garcez, autor da mancada e da façanha, já tinha ido embora. Ficou uma parte da tripulação. No meio da tragédia, uma imagem difícil de definir: uma jovem e bela aeromoça, de biquíni, tomava banho no rio das proximidades.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Thomaz Perina

Reservado, mas sempre disposto a uma boa conversa, o artista plástico Thomaz Perina viveu e trabalhou em Campinas, onde nasceu em 23 de maio de 1921 e morreu em novembro de 2009, aos 88 anos. Embora tenha obtido reconhecimento local e certa projeção no cenário nacional, para os críticos, ele sempre mereceu ocupar um lugar de maior destaque nas artes plásticas do País. No dia 27, foi dado um importante passo para o reconhecimento mais amplo do artista com a inauguração da sede própria do Instituto Thomaz Perina (TTP). Para celebrar a abertura da sede foram organizadas duas exposições: “Retratos de Perina – Olhares sob forma de arte” - uma seleção de vários retratos de Perina, realizados por seus amigos, e de livros de artistas inspirados em sua obra. Entre os autores estão Bernardo Caro, Helio Lete, E. Beckers, Maria Helena Mota Paes, Silvia Matos, Gildo, Tadeu, Paulo Branco, Cecília Perina Mazon, João Antonio Buttrer, Sebastião Guimarães, Mauricio Squarisi, Dayz Peixoto, Roger, Geraldo Porto, Victor Fiegert, Rafaela Azevedo, Vera Ferro e Joel Luiz Bueno.

O acervo acumulado pelo artista durante seis décadas de trabalho e pesquisas é composto de mais de duas mil peças e esta organizado em três coleções: produção, documentação e Aquisição. Os trabalhos de inventário e organização do acervo foram realizados pelo ITP, sob a coordenação da historiadora Sônia Fardin, contou com a intensa participação de Thomaz Perina e foi parcialmente registrado em vídeo, material com o qual foi produzido o documentário “Eu Quero o Mínimo Pra Falar (Timbro Filmes - 2009), com direção de Camilo Cassoli. Exposição homônima foi realizada pelo instituto, na CPFL Cultura no mesmo ano. Com o falecimento de Perina, em novembro de 2009, iniciou-se o transferência das mesmas para a sede própria do instituto. O ITP, vem cuidando de preservar das obras e das lições de vida que a trajetória de Perina legou.

No ITP, o público também terá acesso a outra exposição, “O Restauro do Livrão”, que apresenta ao público detalhes do trabalho de restauro realizado uma das mais importantes peças do acervo, o Livrão, livro de artista de Thomaz Perina. A peça é composta por documentos datados entre 1925 e 1999. Seu conteúdo é constituído de recortes de imprensa, fotografias, convites, catálogos, cartazes, diplomas. O Livrão é uma obra trabalhada pelo artista no período de 1949 a 1999. Programas, folhetos, calendário, envelopes e revista, totalizando 614 itens distribuídos em 341 páginas. A elaboração do livro foi iniciada por Perina no final da década de 1940, quando suas obras começaram a receber premiações. “Ao ampliarmos o estudo da dimensão estética e aprofundarmos a análise de sua plasticidade, identificamos o Livrão de Thomaz Perina como uma obra da categoria Livro de Artista e, principalmente, como parte integrante de seu processo de criação artística”, observa a historiadora Sônia Fardin, coordenadora da restauração e curadora do ITP.

Trajetória

A trajetória de Perina tem momentos de grande significado. Nascido em 1921, ele morou toda a sua vida na Vila Industrial de Campinas. Aos 10 anos de idade, já desenhava, utilizava carvão de cozinha para desenhar figuras nas calçadas de sua rua. Também desenhava nas lousas da escola e em papéis, com lápis de cor. Ainda na adolescência, aprendeu a manusear com habilidade tintas, papéis, telas e pincéis e passou a dominar recursos e linguagens que marcaria sua arte ao longo de décadas.

Em 1944, aos 23 anos, Perina apresentou-se pela primeira vez num Salão de Artes. Foi no segundo Salão de Belas Artes de Campinas e recebeu elogios pela suavidade e o lirismo de sua pintura. Um ano depois, no III Salão, Perina recebia o 1º Prêmio, na categoria Pastel, com seu trabalho "Vestido Branco".

Mas Thomaz Perina não se prendeu ao estilo acadêmico e logo seu trabalho seria marcado pela economia de elementos. Surgia ali a matriz de sua obra vindoura: cores rebaixadas, quase neutras, que não mais induziam à presença humana. Como artista sempre a procura de novidades, Perina visitava livrarias e exposições e estava sempre experimentando novas composições. O grande salto de sua obra, no entanto, se deu quando ele visitou a I Bienal de Arte Moderna de São Paulo, em 1951. “Foi um impacto”, lembrou o artista. “A partir dali descobri que deveria ousar mais em minhas experiências”.

Segundo suas declarações, sua trajetória divide-se em duas fases: a de artista acadêmico, com a qual rompeu no final da década de 1950, e a posterior, com sua pesquisa marcada pela busca de uma autonomia técnica e estética na exploração dos limites entre figurativo e abstrato, pois “queria moldar um estilo próprio, todo meu”. Nesse percurso, deixou de dar aulas na escola de desenho e pintura acadêmica, pois “não podia mais ensinar aquilo que não mais acreditava”. Começou a produzir muitos esboços e a dedicar-se exclusivamente ao tema por ele denominado como “síntese da paisagem”. Também passou a dar o título PAISAGEM a todas as suas obras: “a paisagem sempre foi o meu tema”.

A partir da visita à primeira Bienal, impactado por trabalhos como os de Picasso e Paul Klee, Thomaz iniciou uma intensa pesquisa, que resultou no início da adoção de linhas abstratas, e extremamente particulares explorando as tensões entre figurativo e abstrato.

Em 1957, Perina e um grupo de artistas realizam em Campinas a I Exposição de Arte Contemporânea, um ano depois, resolveram criar o grupo Vanguarda. O poeta concretista Décio Pignatari, que acompanhou a fase inicial do grupo, observou que os artistas campineiros, com Thomaz Perina à frente, formaram um movimento de arte que obteve projeção para além das fronteiras do Estado de São Paulo.

Paralelamente a seu trabalho com arte abstrata, também se envolveu com o desenvolvimento da decoração de interiores e a ornamentação de salões para o carnaval (atividades que exerceu profissionalmente). Nessas também extravasava seu gosto pela invenção, e competência na articulação entre os variados elementos de composição.

Prêmios

Em 1944, aos 23 anos, Perina apresentou-se pela primeira vez num Salão de Artes. Foi no segundo Salão de Belas Artes de Campinas e recebeu elogios pela suavidade e o lirismo de sua pintura. Um ano depois, no III Salão, Perina recebia o 1º Prêmio, na categoria Pastel, com seu trabalho "Vestido Branco".

Essa premiação marca a primeira fase de sua trajetória, com participações em Salões de Belas Artes (Campinas e São Paulo) - com premiações, de 1945 a 1953 - e em Salões de Arte Contemporânea (diversas cidades brasileiras), onde recebeu prêmios e de 1959 a 1966. No início dos anos 50, em companhia do amigo e pintor, Mário Bueno, Perina iniciava o processo de radicalização de sua pintura, abandonando o pastel, efetuando experiências com outras técnicas e criando estilizações para suas sínteses da paisagem.

Em 1959, Perina, por ter exposto na Galeria das Folhas, participou da exposição para o prêmio de Leirner de Arte Contemporânea (SP); em 1960, recebeu Medalha de Prata no IX Salão de Arte Paulista de Arte Moderna. E no ano seguinte, recebe o Prêmio Governador do Estado, o máximo que poderia desejar um artista naquela época. Perina teve expressiva participação no abstracionismo brasileiro, foi aclamado pelos concretistas, recebeu elogios de críticos como Décio Pignatari e Waldemar Cordeiro, e conviveu com grandes expoentes da pintura. Conjuntamente com os artistas Manabu Mabe e Arcanjo Ianelli, por exemplo, foi selecionado para participar da International Art Exhibition, em Tóquio, no ano de 1961. Sua arte, no entanto, ainda é praticamente desconhecida além das fronteiras de Campinas. As experiências formais mais ousadas de Perina permaneceram afastadas do público.

Não há com se referir a Thomaz Perina sem mencionar sua relação com o teatro. Ele participou diretamente da vida teatral ao criar cenografias e figurinos, atendendo a convites de grupos teatrais de Campinas. Também se envolveu com decoração de interiores e a ornamentação de salões para o carnaval (atividades que exerceu profissionalmente), em que extravasava seu gosto pela invenção, e competência na articulação entre os variados elementos de composição. Chegou a experimentar o desenho de fantasias, para carnaval, publicadas nos jornais da cidade nos anos 70. Mas seu grande legado foram os trabalhos abstratos, produzidos no isolamento de seu atelier em Campinas . “A solidão está presente em todos os meus trabalhos e é expressa pela falta de policromia, pela redução da cor a estado quase neutro, pois na realidade sou uma pessoa sozinha”, definia-se Perina.

SERVIÇO

Exposição Retratos de Perina – Olhares sob a forma de arte
Local: Rua Santo Antonio Claret, 229 Castelo – Campinas – SP
Data: 27 de novembro
Horário: 10h

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Anotações do Alemão

- Em 1994, o Exército tomou o Rio de Janeiro e nos deslocamos de São Paulo para lá. Quase um mês na cidade, num roteiro cotidiano do hotel em Copacabana para o Complexo do Alemão. Na época, a população achou que seria o fim do tráfico. Não foi. Em poucos dias de ocupação, presenciamos a continuação do comércio de drogas quase na frente dos militares. Um dos soldados do tráfico, numa entrevista, afirmou que a vida tinha que continuar. “Quem vai sustentar minha família?”, perguntou.


- Numa dessas incursões no complexo terminamos ficando até mais tarde e, surpresa, o Exército e os fuzileiros navais tinham ido embora. Fim do expediente. Era noite. Não havia como voltar por falta de carro. Paramos num bar para tomar cerveja. O fotógrafo Vidal Cavalcanti, colega do Estadão, puxou conversa com um mal encarado, conhecido traficante. Ele olhou para Vidal e reclamou: “vocês de São Paulo estão querendo destruir a imagem do Rio”. Vidal encarou: “E vocês?”.


- Já era noite quando Vidal resolveu dar uma passada no Morro Chapéu Mangueira para ver e fotografar – se possível - a movimentação do tráfico. Havia uma fila, grande, e um cara organizando o negócio: “branco desse lado (cocaína) e preto nesse outro”.


- Conseguimos uma vez autorização para entrar no bunker de um dos líderes do tráfico. O repórter Marco Uchoa tinha chegado primeiro. Havia um churrasco. Pedaços enormes de carne. Carreiras enormes de cocaína. Eles cheiravam, mas não perdiam o apetite.


- De uma forma geral, os moradores do Alemão e Nova Brasília aplaudiam os militares, as meninas paqueravam os soldados, mas não havia reclamação pública contra o pessoal do tráfico. Bronca mesmo, só da imprensa.

@_lulafalcão