terça-feira, 30 de março de 2010

O Rei da Notícia

O “Rei da Notícia” era um jornal independente que circulou – ou pelo menos passou de mão em mão – nos anos de 1980 do século passado. Pobre, mas pouco modesto, chegou a ter correspondentes em Londres (Geneton Moraes Neto), Tel-aviv (César Sobreira) e o autor deste blog (San Francisco/Nova York). Na sede (Recife) sobravam bons jornalistas: Amin Stepple, Manoel Costa, Homero Fonseca, Clériston, Xico Sá. O “Rei” enfrentou uma primeira falência por causa de sucessivos interurbanos para a Santa Sé. A redação queria uma exclusiva com o Papa João Paulo II, acho, não tenho certeza. Parece que voltou a rodar e emplacou 1987. Já descobri um colecionador com três exemplares e publicarei algumas matérias aqui. Não só por falta de tempo para escrever sempre coisas novas, mas para resgatar um divertido “eventuário” da imprensa brasileira que, nem no Google, deixou muitos rastros.
Para começar vai uma que fiz em 1984, em San Francisco. Era imensa, segue com cortes. Datada, ingênua e deslumbrada, a matéria é típica de quem põe os pés fora do Brasil pela primeira vez e acha tudo, digamos, “jornalístico:

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San Francisco - 1994

Punks, sado-masoquistas, bêbados, mendigos internacionais e gatinhas classe média alta da cidade de San Francisco resolveram ressuscitar a Haigth-Ashbury em 1984. Verão californiano com tempero dos sons pesados, cabelos curtinhos e o rosto pálido do cantor David Bowie impresso em todas as camisas. A palavra de ordem é “atrocity” e as flores pintadas no metrô lembram vagamente a arte de Juan Miró.

Aos poucos a esquina começa a perder a calma que a decadência preservou nos últimos 20 anos:

- Um casal entra no ônibus fantasiado de John-Jackie Kennedy, arrastando um cachorrinho com o pelo raspado e o corpo crivado de brincos e alfinetes;

- A vedete pornô Carol Doda torna-se star do movimento (?) ao estuprar um pianista durante uma apresentação pública na Columbus Street;

- As meninas da Pacific Heights exibem, orgulhosas, buttons com a frase “I Have herpes”;

- E os sadôs, vestidos com justíssimas roupas de couro do SFPD, encaram punhos fechados em seus bumbuns.

Esses grupos não têm nada entre si a não ser o fato de freqüentarem a rua no mesmo horário. O clima é dado por dezenas de jornais alternativos, confusões sem motivo aparente e shows de música. Fui ao último deles: um cantor tetraplégico, acompanhado por baixo guitarra e bateria, tentava cantar alguma coisa com o nome de “Paralisys”. Depois, um sujeito com a cara de Raul Seixas deu uma mijada no palco, enquanto ficava rodado o fio do microfone, de uns cinco metros, sobre o público enfurecido.

O ônibus que carrega trupes desse tipo para a Haigth-Ashbury é o 22 (Filmore). O espetáculo começa a bordo. No último Hallowen a lotação de um dos veículos foi esgotada apenas por pessoas fantasiadas de conde Drácula, inclusive o motorista. Em outro ônibus, uma briga de giletes terminou levando dois para o hospital. Ninguém estava embriagado ou drogado, segundo a polícia.

Um amigo paraibano não esquece um nordestiníssimo “vôte” toda vez que passa na Haigth-Ashbury. E viveu longos anos ali, durante a explosão hippie, quando, segundo disse, a esquina era “um Baixo Leblon bem intencionado”. Hoje, ele e seus companheiros quarentões estão chocados com tanta depravação...

Os punks e Cia ficaram apenas com o cenário: victorian houses, bons bares e a velha Free Medical Clinic, que hoje recolhe e trata, grátis, pirados, sifilíticos e drogonautas da cidade. Os hippies foram parar um pouco mais longe, mas ainda no perímetro: um índio Sioux alcoólatra, veteranos do Vietnã e até gente mais jovem - como Helen, 21 anos – são alguns desses exemplares dessa área. Helen nasceu em plena esquina, numa das primeiras experiências ao ar livre com o parto de cócoras. Típica filha de hippies que seguiu a opção dos pais.

Ela contou que detesta a “falta de sentido” dos novos donos da esquina e há dois anos arruma as malas pensando na América do Sul. Ouviu falar muitos de algumas cidades brasileiras e estava disposta a zarpar no próximo mês. Outro dia nos vimos numa festa, uma das tantas organizadas pelo pessoal da Haigth-Ashbury: Joan Baez, um fuminho com todo o ritual e muita troca de endereços intercontinentais. Saí de lá quando alguém resolveu passar slides de uma viagem à Guatemala.

Resumo da história: voltei a encontrar a moça, anteontem, no lugar de sempre, a Haigth-Ashbury: fez um corte esquisito no cabelo, agora já come carne e, surpresa maior, usava uma camisa com a foto de David Bowie. O ato mais recente de rebeldia – voltou a morar com os pais.

domingo, 28 de março de 2010

Três notas

Quem é Salvadori Filho? É o blogueiro amador e jornalista profissional que escreveu o texto “O dia em que tomei Daime com Glauco”, um tremendo sucesso na rede. Pelo menos no Brasil. Mais precisamente, em alguns setores da opinião pública que não navegam só pelo óbvio. Vale dar uma olhada:
http://www.viceland.com/blogs/br/2010/03/19/o-dia-em-que-tomei-daime-com-glauco/



Pela primeira vez a Internet será de fato o território das campanhas eleitorais. Quem estiver nas redes sociais será bombardeado por todos os lados. Atrás dos candidatos estarão especialistas em multiplicar mensagens por milhões, como Ben Self, da campanha na internet de Barack Obama (Dilma) e a jornalista e publicitária Ana Maria Pacheco (Serra). "O PT quer oferecer para a Dilma a melhor estrutura possível. A prioridade é a internet. Não é mais só a juventude que está conectada", disse à Folha de S.Paulo o deputado federal André Vargas (PT-SP), secretário nacional de comunicação do partido. Já o PSDB espera inclusive receber doações vindas do ciberespaço.



Lamartine Babo fez os hinos dos principais times do Rio. Reservou para o seu América a melhor melodia. Só que se trata de um plágio escancarado da música "Row Row Row", do musical Ziegfeld Folies, sucesso na Broadway. A polêmica é velha e Lalá, para os íntimos, era conhecido por certa flexibilidade em relação aos direitos autorais. A música da marcha “Mulata” também foi copiada dos irmãos pernambucanos Raul e João Valença, que posteriormente ganharam na Justiça o direito de colocar seus nomes no disco da RCA. Antes a música era atribuída a “motivo do norte”. Lamartine também tomou emprestada uma parte de um dos maiores clássicos do País e assumiu o plágio: "Peri beijou Ceci/ E aí vem o pedacinho/ que eu roubei do Guarani" [Il Guarani, ópera de Carlos Gomes].

sexta-feira, 26 de março de 2010

Michel Houellebecq

Escritores entram em moda e saem de moda no Brasil com rara velocidade. Casos recentes do cubano Pedro Juan Gutiérrez e do francês Michel Houellebecq. Sumiram das páginas literárias. O primeiro ainda teve uma passagem pela Bienal do Livro de Pernambuco e deixou alguns leitores decepcionado ao fugir de perguntas sobre a situação política em Cuba. Também não se vê muita coisa sobre ele na mídia internacional. O segundo, não. Desapareceu por aqui, mas continua em alta em várias partes do mundo. Não só pelo escreve, mas por uma vida um tanto movimentada e politicamente incorreta. Houellebecq faz parte de uma estirpe que, sem a menor cerimônia, mistura vida e obra. De preferência com muito álcool. Não é por acaso que resolveu refugiar-se na Irlanda.

Faz tempo que não se via um escritor assim. Houellebeq desperta paixões e ódios com seus textos recheados de ataques ao islã, ao turismo, aos governos e especialmente às mulheres de 30 anos psicanalisadas. Para alguns, o novo Balzac da crítica francesa expõe as chagas da civilização ocidental contemporânea. O New York Times Magazine, por exemplo, adora: "é um dos melhores escritores franceses dos últimos 20 anos". Os que detestam são mais curtos: Houellebecq é um imbecil. No Brasil, mal comparando, ele estaria reduzido à categoria de um Diogo Mainard. O que, dependendo do gosto do freguês, pode ser um elogio ou uma crítica.

Só que Houellebecq, além de escritor, é um belo caso clínico. Filho de hippies nascido na ilha de La Réunion, na costa de Madagascar, foi deportado pela família para a casa da avó, em Paris, onde teve uma adolescência problemática, viciou-se em morfina e álcool, passou por hospitais psiquiátricos e pisou em todas as jacas que encontrou pelo caminho. Como adquiriu um belo texto em lugar de uma cirrose é um mistério. Como virou best-seller é outro. Hoje, Houellebeq escreve de porre, fuma um cigarro atrás do outro, mantém um casamento aberto e freqüenta casas de swing.

Em 1998, Houellebecq vendeu mais de 300 mil exemplares de Partículas Elementares. No livro, desanca a revolução sexual dos anos 60, numa escrita eivada de baixarias e agudas observações sobre a sociedade francesa. Em Plataforma, a obra mais recente, o protagonista é como sempre o próprio Michel (não tem esse papo de “um pouquinho de autobiografia”; tudo que está ali se passou ou teria se passado com o autor), funcionário público que resolve visitar a Tailândia nas férias. Ali procura sexo barato e algumas bizarrices. Na viagem, envolve-se com uma agente de turismo. O que rola? Sacanagem de altíssimo grau incrivelmente misturada com elegância. O curioso é que, nem de longe, Houllebeq lembra escritores assumidamente bebuns e safados, como Charles Bukowisk ou o cubano Pedro Juan Guterrez. O francês, como se dizia no Orkut, é muito mais “heavly”. Em todos os sentidos.

Com Extensão do Domínio da Luta Houellebecq exercita com mais gosto a ausência de autocensura e o niilismo ao contar a história de um analista de sistema (ele mesmo?) que viaja a trabalho até a cidade de Rouen, acompanhado de um amigo, Tisserand, que nunca se dá bem com as mulheres. O narrador procura ajudar à sua maneira. Sugere que Tisserand esfaqueie um casal de namorados para se vingar do descaso feminino por sua figura asquerosa. No livro, o personagem também vai a uns bares encher a cara, esculhamba a psicanálise - responsável, segundo ele, por perpetrar “uma escandalosa destruição do ser humano” - e, como sempre, defende sua admiração “por certas práticas de uso do corpo”.

Como não existe uma crítica literária associada à Farmacologia fica mais difícil enquadrar Houellebeq. Mas seu prontuário dá margem a observações do tipo tostines: ele escreve aquilo porque está bêbado ou bebe porque escreve aquilo?. Seja como for, o resultado - descontando as implicações políticas – é o melhor possível.

O certo é que é possível deliciar-se com a incrível dose de humor daquelas linhas e entrelinhas – concordando ou não com as ideias do autor. Talvez seja um caso contraditório de humor involuntário de alta qualidade.


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Clipping

Irã aprova casamento gay

Coréia do Norte libera a marijuana

Bush vai comandar operação “Mãos limpas” no Haiti

Al-Qaeda lança linha de lingerie

Ariano Suassuna na Ilha de Caras

Balas perdidas na rave

TV Globo desiste do BBB

Twitter prolix terá 20 mil caracteres

Ciro Gomes vai disputar Governo de São Paulo

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quinta-feira, 25 de março de 2010

Internet, o filme

Acho que até agora ninguém fez um filme sobre o fim da Internet. Está lançada a ideia. Poderia ser algo como “Mundo Off line” ou “2012 – O Último Download”, catástrofe, com som analógico. “Sem Acesso”, cairia bem com Harrison Ford, e “O dia em que não faremos contato”, seria dirigido por Joel Schumacher. A liberação dos conteúdos do Google na China poderia inspirar Polanski a rodar “Busca Frenética II” -o estopim da terceira guerra mundial, emblematicamente travada entre uma empresa privada e uma potência comunista. Talvez renda até uma versão pornô: “Deu Pau”.

terça-feira, 23 de março de 2010

Rio independente

Circula na Internet a idéia de tornar o Rio de Janeiro independente. Tudo por causa dos royalties do pré-sal. De vez quando essas bobagens ganham corpo em várias partes do País. Agora é a vez do Estado cuja capital é a cara do Brasil. Na coluna de Ancelmo Góis, um consultor chamado Paulo Pires chegou a afirmar que, vitoriosa a insurreição, o Estado se tornaria um produtor de petróleo maior do que o Qatar. Segundo Pires, o resto do país teria a pagar, em 2009, R$ 82,39 bilhões pela importação de óleo e gás fluminenses — 12 vezes mais do que o Rio recebeu de royalties. “Se o Estado do Rio fosse um país”, disse Sérgio Besserman à coluna, “a renda per capita do carioca seria um terço maior (33%) do que a do brasileiro”.

Tudo é brincadeira, galhofa, etc e tal, mas muita gente leva essas coisas a sério. E pensem por outro lado, ruim para cariocas e não-cariocas: o BNDES e a Petrobras iriam para Brasília, a Globo viraria TV a cabo (no Brasil) e o campeonato nacional - do Rio - ficaria uma chatice. E quando o petróleo acabar?

A única vantagem: seria mais do que chic pegar a ponte aérea para ir ao exterior.


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sábado, 20 de março de 2010

Gringo Funk



Em breve teremos a chance de ver no Brasil o curta “Gringo Funk”, rodado entre Los Angeles e Rio de Janeiro. O filme brinca com alguns dos estereótipos que os norte-americanos formaram sobre o Brasil e seus habitantes. Dirigido por Daniel Cabezas, “Gringo...” conta com a participação dos atores Gregg Rogen, Luisa Moraes e Japheth Gordon. A produção executiva é de Juliana Guedes e a música de Jam Silva. Na sexta-feira recebi, via Juliana, e-mail do diretor. Segue abaixo:

“O filme é contado a partir de uma perspectiva norte-americana sobre o Brasil (o personagem principal é um executivo de um banco de investimentos). Dessa forma, brinquei com alguns dos estereótipos que os americanos têm sobre os brasileiros, especialmente a respeito das mulheres brasileiras. Acho que a atriz Luisa Moraes faz um trabalho realmente incrível no papel de uma carioca esperta e diligente e ao mesmo tempo bonita e sexy. Embora o filme seja leve e divertido, há também um lado que leva em conta algumas das novas realidades econômicas globais no Brasil. Uma delas: como o pré-sal poderá mudar a maneira de se fazer negócios no Brasil?

O filme será apresentado nos festivais de Cannes, Amsterdam, Nova York, Melbourne e Palm Springs. Esperamos ter uma estréia mundial em um destes festivais ainda neste verão. Estou muito animado para mostrar o filme à plateia brasileira. Da próxima que eu for ao Brasil pretendo viajar pelo Nordeste, pois muitos dos meus amigos são do Recife.

Espero fazer outro filme que possa chamar a atenção dos públicos brasileiros e norte-americanos.”






Acima, Jam Silva e clipe dirigido por Juliana Guedes.
http://www.gringofunk.com/gringofunk.com/Home.html

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quarta-feira, 17 de março de 2010

É o fim do mundo?

No início da semana, escrevi sobre o fim dos jornais. Não é tão grave assim. Mesmo que os jornais impressos se acabem, teremos bons veículos na Internet e em outros formatos. Ruim, mesmo, é o fim do mundo. Ai sim, as pessoas ficariam completamente desinformadas. Mesmo porque não haveria mais jornais, Internet e muito menos leitores. Morrer não é o pior. Chato é todo mundo ir embora de uma vez, sem deixar rastro. Pluft. Já era.

Tudo isso a propósito da lista de matérias do portal G1 de quarta-feira, dia 17. Uma sucessão de manchetes bastante sombria a respeito da Terra, especialmente sobre o que se passa debaixo dela. Mesmo que não seja prenúncio do fim do mundo – não deve ser não, né? -, a lista é de arrepiar:


NASA flagra tempestade de areia do Saara invadindo Ilhas Canárias

Poeira do Saara provoca chuva na Amazônia, diz estudo

Imagem de satélite mostra choque de iceberg gigante na Antártida

Agência dos EUA aponta degelo de plataformas da Península Antártica

Groenlândia perdeu 1,5 mil gigatoneladas de gelo entre 2000 e 2008, calcula estudo.

Estação Espacial fotografa erupção de vulcão da Rússia

Erupção de vulcão em Galápagos ameaça animais selvagens

Vulcão entra em erupção no Alasca

Vulcão submerso lança nuvem de cinzas no Oceano Pacífico

Estação espacial fotografa erupção vulcânica em ilha caribenha

NASA divulga foto de erupção vulcânica no Chile

Satélite da NASA flagra erupção vulcânica em Papua-Nova Guiné

Rachadura gigante em deserto na África pode criar novo oceano

Neve do Monte Kilimanjaro, pico mais alto da África, pode sumir em 20 anos



PS 1: A promoção Teoria da Conspiração está de pé. Mande a sua. Vamos juntar todas num só texto.

PS 2: segundo o Google Analytics, o blog está bombando nos EUA e na Alemanha. Temos um leitor na Carolina do Norte e outro em Hanover.

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terça-feira, 16 de março de 2010

Teorias da conspiração

O homem não foi à Lua, o governo norte-americano tramou o ataque às torres gêmeas, o naufrágio do Titanic não ocorreu, o vírus da AIDS saiu de um laboratório, Leonardo da Vinci era um espião vindo futuro e a família real britânica faz parte da galera dos reptilianos - grandes lagartos alienígenas mutantes. Tem mais: os terremotos e tsunamis são causados por uma arma eletromagnética e Paul McCartney já morreu. Em seu lugar está um sósia descoberto por Brian Epstein em 1996, dias de o carro do cantor ser arrastado por um caminhão. Essa é muito boa.

O curioso é que tais teorias são cheias de detalhes. A da Lua, por exemplo. Não passou de filme com roteiro de Arthur C. Clarke, dirigido por Stanley Kubrick num estúdio de Londres. Em relação ao 11 de setembro, ocorreu um auto-atentado planejado por George Bush para ter a desculpa de iniciar uma guerra contra o terrorismo. Não foram aviões que bateram nos prédios. Foram mísseis dos EUA.

Dependendo de ângulo, as teorias da conspiração são engraçadas, absurdas ou levadas a sério. Os mais chatos tentam desmontá-las e, quando conseguem, estragam o prazer de muita gente. O objetivo aqui, portanto, não é desmentir tais teorias, mas engordar a lista de fatos nebulosos da vida nacional e torná-los capazes de competir com episódios mal explicados ocorridos em outras partes do Planeta.

No caso brasileiro, é a política que fornece mais material para o fabuloso mundo da Teoria da Conspiração. Talvez a maioria dos casos esteja relacionada com a morte: Getúlio, Tancredo, Juscelino, PC Farias e Ulysses Guimarães são os mais citados. Sempre existe uma versão nova que, senão verdadeira, sempre pode ser mais interessante do que a supostamente real.

Aguardem. Vou enumerar algumas TCs e aceito sugestões, que serão devidamente assinadas por seus autores. Vamos ver se pelo menos uma vez por mês teremos uma. E-mails para lulafalcao@gmail.com


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segunda-feira, 15 de março de 2010

Fim dos jornais

No ano passado, a New Republic publicou um epitáfio dos jornais, escrito por Paul Starr. De acordo com o comentarista, o processo de extinção do antigo suporte que conhecíamos como "jornal" começará pelas cidades norte-americanas. Logo, muitas delas – especialmente as de menor porte – perderão seu último diário. Por que isso ocorre? Entre outras razões porque alguns já foram substituídos - até com vantagens - por veículos de nicho, na Internet. Paul Starr, porém, não acredita que alguma organização, oriunda da www, vá assumir a cobertura política de outrora. Não com o mesmo "espírito cívico" - como se um repórter de política, ou de assuntos políticos, se sentisse um legítimo representante da sociedade, fiscalizando, cobrando (e até aperfeiçoando) governos, governantes e governados. Ele remete à invenção da TV a cabo e atribui-lhe a culpa pela programação de "entretenimento", que desviou a atenção das massas dos telejornais. Divorciados das hard news - por pura preguiça mental -, muitos cidadãos se alienariam politicamente, tornando-se lenientes para com a corrupção. A escassez de cobertura política diária, combinada com uma audiência refratária à realidade em volta, resultaria num retrocesso em termos de civilização. O fim dos jornais, para Paul Starr, não seria um fato isolado, mas desencadearia o fim da era dos jornais.

De certa forma a profecia se realiza nos Estados, que chega a 2010 sem diários tradicionais, como The Rocky Mountain News (Colorado), por exemplo, e com vários outros em crise financeira: (Chicago Tribune), San Francisco Chronicle e até o New York Times. Só que a Internet, aos poucos, começa a aprender a cumprir o papel dos impressos no noticiário político. Basta dar uma olhada no online Huffington Post para descobrir uma nova realidade a caminho. (http://www.huffingtonpost.com/)

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sexta-feira, 12 de março de 2010

Esquerdinha




Novembro de 1969. Pelé faz o seu milésimo gol e a Apollo 12 pousa na Lua. Em Natal, província ensolarada de 250 mil habitantes, o apocalipse resume-se à grande área de um estádio acanhado, superlotado com seis mil pessoas.


Gramado irregular com notáveis calvícies de terra batida, arquibancada de madeira dos anos 20, o Juvenal Lamartine consagra e amaldiçoa um homem de 26 anos, em lances capitais e imperdoáveis pela paixão que transfigurava a cidade naqueles dias de guerra entre ABC e América.


A Ditadura jogava pesado e baixo. O “treinador” de verdade atendia por Hildebrando Duque Estrada, General do Exército e comandante da Guarnição local. Duque Estrada, como os beques-de-roça da repressão, conspirou, abusou e forçou a cassação do prefeito Agnelo Alves. A delação e a adulação ao poder das baionetas tabelavam em indistintas classes sociais.


Camisa 10 do ABC, boa-pinta, cabeleira à James Dean, driblador insinuante, Esquerdinha poderia ter decidido um dos campeonatos mais sossegados da história do clube. Paulista da capital, filho de descendente de calabrês e mãe de sangue do Líbano, Sérgio Depércia revolucionara a cidade sem a truculência de Duque Estrada. Era habilidade e polêmica, malabarismo e rebeldia que o distinguiam dos boleiros semi-amadores.


Contam as (inúmeras) versões fantasiosas: Bastava um empate no terceiro jogo com o América e o ABC (que vencera o primeiro(3x0) e empatara sem gols o segundo ), seria campeão. O jogo estava 0x0 quando aí a sombra das lendas recai sobre a história. Esquerdinha teria passado por três beques do adversário em fintas progressivas, desconcertantes, canhota colada na bola, em sintonia com o cérebro cientista e a cabeça erguida e soberana.


Sozinho com o goleiro, teria preferido driblá-lo a chutar e fazer o gol. A facilidade com que o deixou no chão soltou o grito da “frasqueira”, como é conhecida a torcida do ABC, berro de gol explodindo. Pior:Feito piagas do literário terror sertanejo, remanescentes do JL sustentam que Esquerdinha achou pouco e resolveu voltar para desafiar novamente o goleiro Franz,que, então, tomou-lhe a bola.


Eis a sentença de quem não perdoa Esquerdinha.


A tragédia verdadeiramente jogada sobre o meia-esquerda consumou-se quando, no minuto final, a torcida do ABC festejava o título, acenando para a do América com lenços brancos. Alemão, esforçado atacante, chuta, a bola desvia na defesa e engana o goleiro Floro.


O América faz 1x0, provoca choros convulsivos na massa abecedista e adia a decisão. Ganharia a partida extra por 2x0. O tosco Alemão é homenageado, por verso igualmente limitado, tristeza de rima: “Recebeu de

Talvanes, na maior tranqüilidade, deixou Piaba na rua e Floro na saudade”.


Esquerdinha foi escorraçado. Vilão da derrota, fermentou a ira abecedista ao assinar contrato com o América , levantando suspeitas até hoje mantidas – sem provas – de que vendera-se ao grande rival do ABC.

Em todas as referências, a unanimidade: Genial com a bola no pé esquerdo, gingava mascando chicletes, incendiário galã fora de campo, criador das próprias roupas e sapatos, sedutor implacável. Vespa em corações femininos. Suspiro de solteiras e (muitas) casadas de Natal.


Janeiro de 2010. Ao telefone, uma voz pausada e grave. Consigo, depois de renitente procura, conversar com o Esquerdinha que eu nunca vi, mas, que de tanto ouvir, transformou-se no mito mais inacessível aos meus faros futebolísticos. Eu me antecipo, como os volantes que tentavam marcá-lo. Do outro lado da linha, o consultor imobiliário Sérgio Depércia, hoje com 66 anos, morando numa casa de condomínio fechado na Granja Viana em Cotia(SP). Ele mostra surpresa e receptividade.


Pergunta como foi localizado e por que ainda motivava uma notícia. Explico que saí pescando vestígios do sobrenome Depércia até encontrar reportagens sobre um certo Fabiano, o Caju,designer de motos potentes, “customizador”, assim definido por clientes como o famoso estilista Ricardo Almeida.


Consegui com um colega jornalista, o celular de Caju que me atendeu com impressionante presteza, também espantado com a curiosidade sobre o pai, de quem herdou o gosto pela moda algo transgressora. “Meu pai desenhava suas próprias roupas, herdei esse lado dele,” me conta Caju.


Na linha de novo com Sérgio Depércia, ele demonstra a antevisão, privilégio do exuberante meia que foi na década de 60. “Eu fiquei marcado por aqueles lances contra o América. Começaram a dizer que eu tinha me vendido”, domina o diálogo, antes da pergunta recorrente.


“O fato é que eu não me vendi. Fui displicente, inconseqüente, como eu sempre fui quando jogava bola. Não tinha a menor noção do que minha capacidade poderia significar pra mim, não agi com profissionalismo, aliás, profissionalismo não passava pela minha cabeça naquele tempo. Poderia ter me dado muito bem se tivesse consciência do meu potencial.”


Faz uma pausa antes de relembrar os lances cruciais do dia 23 de novembro de 1969. Nega com impaciência que tenha voltado para driblar de novo a defesa do América. “Isso daí (expressão tipicamente paulistana) é folclore, é lenda mesmo.”


O que aconteceu, segundo Esquerdinha, na grande área que dava para os fundos do estádio e para o morro de Mãe Luíza, foi o seguinte: “Eu realmente driblei a defesa inteira ou quase inteira, não me recordo. Mas diante do goleiro, chutei pra fora. Ele estava completamente batido no lance. Realmente perdi um gol feito. Mas essa de voltar e driblar novamente não existe. Ali mesmo eu teria sido massacrado”.


Esquerdinha aprendeu que voltar ao passado não é um bom hábito. Há cicatrizes como a morte da primeira mulher, Elizabeth, no parto da filha Marialice, hoje com 35 anos. “Sempre olhei adiante. O que passou, principalmente de ruim, eu tento esquecer”.


Mas não a ponto de passar a borracha na memória do segundo momento em que poderia ter marcado o gol e feito o ABC Campeão em 69. “Esse lance é que foi incrível, eu não consigo explicar. Eu simplesmente caí sozinho,ninguém encostou em mim nem eu tropecei em nada, eu caí no chão com a bola passando na minha frente, gol escancarado. Hoje eu digo que o segundo lance aconteceu porque eu ainda estava abalado com a primeira falha. Talvez até de forma inconsciente o primeiro gol perdido me fez perder o segundo”.


Ex-presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Norte(FIERN), Abelírio Rocha, o Bira Rocha, comandava o futebol do ABC em 69, com José Prudêncio Sobrinho(Pruda), o cartola-arquibaldo, falecido há oito anos, e Severo Câmara.


Bira Rocha usa da implacável e conhecida franqueza para descrever Esquerdinha. “Um craque tão brilhante quanto irresponsável”. Os 40 anos passados não tiram de Bira Rocha a autoridade de quem parece estar de novo nos treinos de Morro Branco e no calor do JL.


“Esquerdinha era diferenciado, um craque, abusava do drible a mais. Também era diferenciado fora de campo, um jogador elegante no trato pessoal e nas roupas que usava”. No primeiro treino, chegado do CRB de Maceió, enlouqueceu a torcida.Começava a rivalidade surda com Alberi, já a estrela intocável do clube.


Bira Rocha não dá relevância ao especulado suborno de Esquerdinha. Surpreso ao saber do paradeiro do craque, atribui os erros fatais em campo à irreverência do jogador: “O fato é que, pelo estilo de vida dele, ele não era benquisto pelos colegas. Havia um ódio guardado que explodiu com o lance dos dribles nos zagueiros e do gol perdido naquele jogo com o América. Foi uma jogada de craque, decidida pela sua conhecida irresponsabilidade. Então a situação dele no ABC ficou insustentável”.


No auge dos shows no Juvenal Lamartine, Esquerdinha controlou as ações fora dos portões do estádio. Apresentado pelo cronista social Jota Epifânio, da Tribuna do Norte, torcedor do ABC, passou a freqüentar o ateliê do alfaiate Xikinho,s no centro de Natal.


Desenhava suas roupas, justas e extravagantes, que usava com botas de salto alto. Variava para ternos bem cortados, jaquetas ,camisas coladas no tórax e calças boca-sino berrantes.Além dos sapatos Motinha, febre no Sudeste.


“Esquerdinha tinha estilo próprio. Vestia-se muito bem, era inteligente, agitou o mulherio de Natal. As dondocas colavam nele. Até ligavam pra cá (a alfaiataria) querendo saber se ele vinha e a que horas vinha”, diverte-se Francisco Medeiros, o Xikinho,s, 70 anos, tesoura que há décadas corta e deixa sob medida a vestimenta de políticos, juristas e empresários locais. “Digo com certeza: Esquerdinha foi o responsável pelo sucesso do meu trabalho.”


Enquanto os colegas preferiam bares comuns ou festejavam suas vitórias nos cabarés da Ribeira, Esquerdinha circulava com desenvoltura pela Bambelô, boate do Hotel Internacional dos Reis Magos, pelo Iate Clube e pela Palhoça, reduto de intelectuais e boêmios vizinho ao antigo Cinema Rio Grande, na Avenida Deodoro.

Esquerdinha responsabiliza a própria rebeldia por tamanha polêmica em torno dele. “Eu freqüentava, sempre convidado, os melhores lugares de Natal. Gostava de boa música: Havia a Jovem Guarda, Caetano e Gil surgiam com o Tropicalismo. Sempre soube me portar porque discutia todos os assuntos. Ficava à vontade em qualquer lugar, com pessoas simples ou numa festa chique no Iate Clube. E discutindo música e ouvindo discussões políticas e intelectuais na Palhoça até altas horas da noite”.


Sutil, ele critica a boleirada daquele tempo: “Alguns jogadores, não só da minha equipe, mas do América, que era o time da elite, elite que não abria as portas para eles, não gostavam de mim. Eu nunca me magoei com isso, só achei injusto que alguns tenham espalhado essa história de que eu estava vendido. Nisso, em parte, ABC e América ficaram unidos”.


Capitão e Hércules do ABC em 1969, Osvaldo Carneiro, o Piaba, dominava, a botinadas, a chamada zona-do-agrião, assim batizada a grande área pelo jornalista João Saldanha. Piaba, 72 anos, guarda a estampa de xerife e prefeito informal das Rocas, celeiro praiano dos antigos craques de Natal. É a antítese física e emocional de Esquerdinha.


A derrota para o América o fez largar o ABC onde começara nos infantis. Na varanda de sua casa,repleta de filhos e netos, mareja os olhos ao lembrar do lance que poderia ter dado o título. “Esquerdinha não podia ter feito aquilo. Não vou dizer se houve safadeza ou não porque não provo. Ele era um craque. Num drible, deixou no chão Franz(o goleiro), Cláudio e Lolô(zagueiros). Só ele e a trave. Chutou pra fora e nós perdemos. E ninguém lembra de quem perde. Nenhum derrotado merece nada”, reclama Piaba, pescador inveterado e servidor federal aposentado.


Esquerdinha jogou sua última partida em Natal na derrota por 2x0, que selou o título do América em partida extra. Discutiu o tempo inteiro com o árbitro Airton Vieira de Morais, O Sansão, da antiga CBD e da Fifa, trazido especialmente para “O jogo do ano”.


Sua postura custou caro. Esquerdinha não vestiu a camisa americana, vencido pelo massacre na imprensa e na torcida.Resolveu voltar a Recife. Treinou no Náutico e encerrou a carreira aos 27 anos, em 1970, trajetória de nômade.


Peladeiro do Bairro do Brás, foi aos juvenis do São Paulo(SP), contemporâneo do zagueiro Roberto Dias e desembarcou no Central de Caruarú(PE), onde manteve tórrido romance com Tâmara, musa da casa noturna Cacareco.Um caso rumoroso, descrito com picardia pelo escritor pernambucano Rodolfo Vasconcellos em seu blog.


Esquerdinha em errática seqüência: Santa Cruz(PE), Portuguesa Santista(SP), testes no Racing(Argentina) e Nacional(Uruguai), Tuna Luso(PA), América(PE), CRB(AL) até vir ao ABC.


Chuteiras penduradas, viveu em Recife, montando uma fábrica de sapatos.Casou com Elizabeth Nascimento. Em 1971, foi pai de Fabiano Depércia, o designer Caju, formado em Educação Física.


Em 17 de novembro de 1974, a tragédia pessoal: Elizabeth morre no parto da filha Marialice, que sobreviveu. Esquerdinha reconstruiu sua vida com a atual mulher, Nádja Gonçalves Pozzi Depércia. Teve mais dois filhos: Tárcio e Daniela Depércia. Assiste jogos do Palmeiras,seu time de coração. Trabalha em casa, no ramo imobiliário. “Não saio para vender ou mostrar imóveis. Tenho muitos amigos, que me procuram e eu os ajudo”.

Esquerdinha viajou a Recife em 2007 e passou de relance por Natal. Incógnito. Encantou-se com o progresso e a beleza da cidade. “É um espetáculo. Em Ponta Negra, no meu tempo, só se chegava de Cavalo ou de jipe”.


Não procurou nenhum ex-companheiro.


Gostaria de ter revisto um amigo que não jogou com ele: Marinho Chagas, que, em 1969, tinha sido contratado ao Riachuelo e não pôde ser inscrito no estadual. “Morávamos na concentração em Morro Branco, eu e Marinho.Ele um garoto ainda. Um gênio de simplicidade e futebol fabuloso. Insisti com Prudêncio que ele tinha bola pra jogar em qualquer lugar. ”


E encerra como se, por milagre, voltasse a Natal de 1969, legítimo imperador do Grandre Ponto: “Sempre fui diferente. Aí mora a diferença. Quem é igual se acomoda e não vive”.


Fantasmas de um teatro de arena


A elite cultural e os seus intérpretes menos tolerantes, jogaram sob os escombros da história de Natal um dos seus personagens mais instigantes: O estádio Juvenal Lamartine, teatro de arena da cidade sem indícios de metrópole.


Cresci no Castelão, o gigantesco sucessor do campinho relegado a subúrbio do futebol.

Morava a três quadras do renegado, esquecido teatrinho da bola, submetido a campeonatos classe Z, como uma certa Copa Arizona. Ao entrar (no JL decadente), ouvia sussurros próprios à curiosidade de menino.

Invejava os bêbados que por ali passavam. E que de tantos gênios falavam. Pareciam deliberar sobre fantasmas zombeteiros flutuando em meus ombros de ouvinte.


O passado, que para muitos é estorvo, como resgate é um prazer. É um dever do ofício escrevinhador. Sem ele( o antes), ninguém mentia, inventava ou aumentava.


Os bêbados do portão principal com uma enferrujada e teimosa roleta,relembravam dos grandes ídolos até metade de 60. Daquela faixa de tempo, Só Alberi, fruto do mar do Pina(Recife). Alberi foi o Deus do Juvenal Lamartine. Sua imagem e semelhança. Jorginho, predecessor, foi o milagre antes do Deus.

Quadrilátero o campo irregular, Esquerdinha fez dele, seu latifúndio.


Aí abusou da massa. Achou que podia ser showman. Passou, no centésimo da ira das gargantas sobrenaturais, de ídolo a culpado, de cracão a desertor.


Por Rubens Lemos Filho


Matéria publicada na revista Palumbo, de Natal.

Fotos: Patrícia Cruz (São Paulo), Ivanízio Ramos (Natal)

quarta-feira, 10 de março de 2010

Abelardo da Hora

A casa do escultor Abelardo da Hora - Rua do Sossego, Recife - é um ambiente curioso para o recém-chegado à vida e obra de seu morador. Duas salas, separadas por um corredor de uns dez metros, abrigam dois estilos marcantes na carreira de 70 anos do artista. Na primeira, figuras esquálidas de retirantes. Na outra, peças de concreto polido ou bronze retratam nus femininos. Mulheres opulentas, renascentistas, em poses eróticas, estão a poucos metros da denúncia da fome e da miséria.

Esse contraste sempre marcou a carreira de Abelardo, mas o essencial, segundo os críticos, é que ele nunca se curvou aos modismos. Preferiu comover-se tanto ao retratar as condições subumanas da sociedade nordestina quanto corpos femininos que transmitem ao mesmo tempo sensualidade e recato. “Quando ele modela um braço de uma de suas deusas temos a sensação única de ser distinguido com o privilégio de assistir ao nascimento de Vênus, de Ceres, da beleza e da fecundidade, na hora em que Deus criou a carne”, observa o pintor e discípulo José Cláudio. “Sua arte, sensível aos valores plásticos e visuais do modernismo, não é episódica nem faz concessões”, acrescenta Mário Barata, um dos maiores conhecedores do conjunto de uma obra que inclui mais de mil trabalhos espalhados pelo mundo. Esculturas e desenhos de Abelardo estiveram ou estão em locais tão distantes quanto Ulan Bator, na Mongólia, no Seminário Metodista do Tenenesse (EUA), no Euro Museu da República Tcheca e no jardim do marchand Abelardo Rodrigues, no Cosme Velho, Rio. O Recife tornou-se seu museu a céu aberto, com figuras expostas em parques, praças e na entrada de edifícios. “Abelardo da Hora define sua arte não como finalidade hedonística e experimental, mas como linguagem-brado e como gesto de trincheira”, afirmou o crítico José Geraldo Vieira em artigo para a Folha de S. Paulo em junho de 1967.

Escultor, desenhista, gravador, gravurista e ceramista, Abelardo Germano da Hora é um dos raros expressionistas das artes plásticas brasileiras. Nascido em 1924, na Usina Tiuma, em São Lourenço da Mata, bem perto da capital pernambucana, chegou ainda criança ao Recife, em 1932. Desse período inicial na cidade grande, conheceu as brincadeiras de crianças pobres do bairro da Caxangá, que iriam influenciar parte de seu trabalho na vida adulta.
Mais tarde, num ambiente em que já brilhavam artistas do porte de Vicente do Rego Monteiro (1889-1970) e Cícero Dias (1907-2003), Abelardo cursou Artes Decorativas no Colégio Industrial Professor Agamenon Magalhães, estudou escultura na Escola de Belas Artes de Pernambuco e também concluiu o bacharelado na Faculdade de Direito de Olinda. Mas nunca exerceu a profissão de advogado. Mesmo porque a chance de virar artista bateu-lhe a porta em 1942 quando o industrial Ricardo Monteiro Brennand entusiasmou-se por seu trabalho. Resultado: entre 1943 e 1945, morou na casa dos Brennand e, nos espaços do Engenho de São João da Várzea, realizou vários trabalhos em cerâmica, jarros florais e pratos com motivos regionais em relevo e terracota.

Na casa, Abelardo ocupava o último quarto, ao lado de Francisco Brennand. Filho do patriarca. Na ala esquerda ficavam as duas irmãs dele. Uma delas, adolescente, foi a causa da saída do artista da residência de seu mecenas. “Fiz uma escultura - a torre dos meus sonhos - inspirado na menina. Abraçado com as pernas dela, havia um sujeito com a minha cara”, conta Abelardo. “Quando eu levei a estátua pra lá, ficou aquele silêncio e seu Ricardo não gostou”. Foi embora no dia seguinte, mas não perdeu a amizade da família, que conserva até hoje. Saiu, mais deixou um artista na casa: influenciado por Abelardo, Francisco também resolveu trocar o Direito pela escultura.

Atelier Coletivo

A partir daí o trabalho de Abelardo da Hora começou a marcar a toda uma geração de artistas e intelectuais de Pernambuco. Tanto em estética quanto em política, teve forte influência nas carreiras de artistas plásticos que desenvolveram trajetórias brilhantes em todo o País. Nesse time estão o amigo de infância Francisco Brennand, além de Wellington Virgolino, Corbiniano, Ionaldo, Gilvan Samico, José Cláudio e João Câmara.

Ao mesmo tempo em estudava arte na Escola de Belas Artes - onde teve aulas de desenho figurado com a professora Fédora do Rego Monteiro, irmã do pintor Vicente do Rego Monteiro - Abelardo desenvolvia o gosto pela política. A opção pelo comunismo marcaria toda a vida do artista. Integrante do Comitê Estadual do Partido Comunista Brasileiro - PCB, o escultor chegou a ser preso mais de 70 vezes e só escapou de ser morto, como todos os seus companheiros porque desde 1948 é casado com Margarida, irmã do ex-prefeito Augusto Lucena (1916-1995), que mantinha boas relações com os militares e pertencia ao partido do governo, a Arena.

Em 1945, no entanto, Abelardo tinha a vida de escultor como prioridade, embora fosse leitor freqüente do jornal comunista Classe Operária. Nesse ano, embarcou para o Rio de Janeiro para construir uma carreira na então capital federal. Instalado numa pensão do centro, conseguiu seu primeiro trabalho como modelador de esculturas para os túmulos do cemitério São João Batista.

O segundo emprego foi na Fábrica de Manequins Santa Cruz. Conhecia pouca gente na cidade até ser apresentado aos irmãos Augusto e Abelardo Rodrigues, também pernambucanos, que ofereceram uma garagem no Cosme Velho para que ele pudesse trabalhar. Do lado político, um de seus contatos mais freqüentes, quase sempre nas mesas do bar Vermelhinho, eram o poeta Rossini Camargo Guarnieri, militante do PC do B, e Carlos Alberto, irmão de Abelardo Rodrigues. A idéia de Abelardo, em 1946, era participar do Salão Nacional de Belas Artes e para isso esculpiu “A Família”, um de seus trabalhos mais marcantes. Mas o presidente Eurico Gaspar Dutra cancelou o evento. Desencantado, o escultor voltou ao Recife. “A Família” ficou no Jardim de Abelardo Rodrigues e hoje seu destino é ignorado.

A volta a Pernambuco deu início a uma trajetória venturosa. Em abril de 1948, depois de um ano de trabalho duro, realizou a primeira exposição de esculturas do Recife na Associação dos Empregados do Comércio, sob o patrocínio da Prefeitura do Recife. Depois do sucesso da exposição, criou com o artista plástico Hélio Feijó (1913-1991) a Sociedade de Arte Moderna do Recife (SAMR). Em 1952, fundou o Atelier Coletivo, grupo que iria influir profundamente na produção cultural de Pernambuco.

A idéia era ousada. No livro “Memória do Atelier Coletivo”, o autor José Cláudio, um dos integrantes do movimento, descreve a abrangência do projeto:
“Otavio Morais [jornalista] era amigo de Barbosa Lima Sobrinho e influiu para que o governador aderisse à velha ideia abelardiana de um movimento artístico unificado, juntando numa casa a Sociedade de Arte Moderna do Recife, o Teatro do Estudante, a Sociedade Brasileira de Escritores e a Associação Brasileira de Escritores (ABDE), a Orquestra Sinfônica do Recife, todas as entidades culturais de Pernambuco”.

O Atelier Coletivo, como se vê, não trataria apenas de artes plásticas. De seus quadros faziam parte, por exemplo, os escritores Aderbal Jurema (1912-1986) e Hermilo Borba Filho (1917-1976) e o teatrólogo Luiz Mendonça. Mas foi com quadros e esculturas que o movimento cresceu, com a promoção de salões de arte em Pernambuco e participação em outros espaços do País, como o Clube da Gravura de Porto Alegre, dirigido por Carlos Scliar. Da capital gaúcha, a exposição ganhou o mundo. Percorreu todos os países da Europa, a União Soviética, China, Israel e Mongólia.

Para Abelardo, o atelier tinha um significado político forte. Era um projeto em que se procurava uma identidade nacional a partir da democratização do ensino da arte e da pesquisa da cultura popular. Em seu ideário estava a perspectiva de reunir, num mesmo propósito, artistas, intelectuais, governo e povo. Em que pese sua inclinação socialista, o movimento não impôs vetos a seus artistas, como já ocorria na União Soviética. O saldo mais importante do Atelier Coletivo: ainda hoje a nata das artes plásticas de Pernambuco é formada por alguns de ex-integrantes. “Tínhamos uma tendência não acadêmica, com tempero do modernismo, mas nossas maiores afinidades eram com a arte mexicana, especialmente o muralismo de Diego Rivera”, afirma Abelardo. Alguns de seus trabalhos, como o mural “Nabuco e a Abolição”, deixam clara essa influência.

Da fase do Atelier Coletivo, as praças do Recife mostram vários trabalhos de Abelardo. A maior parte surgiu durante a gestão do prefeito José do Rego Maciel - pai do senador Marco Maciel -, que patrocinou o projeto de erguer esculturas em locais públicos. São figuras de tipos populares, como “Os Cantadores”, “O Vendedor de Caldo de Cana” e o “Sertanejo”, exposta na Praça Euclides da Cunha, no bairro do Derby. “Todas foram feitas no atelier, com a turma vendo e aprendendo”, diz o escultor.

O atelier não foi o único movimento artístico que Abelardo criou ou ajudou a criar. É o caso do Movimento de Cultura Popular (MCP), quando ele era chefe da Divisão de Parques e Jardins da Prefeitura do Recife na administração de Miguel Arraes, entre 1960 e 1962. O MCP também refletia um sentido altamente engajado e seu objetivo era “ampliar a politização das massas, despertando-as para a luta social”, conforme preconizavam seus participantes. O movimento tinha vários pilares além das artes plásticas, com destaque para a literatura, por meio da participação de escritores, jornalistas e poetas como Ariano Suassuna, Carlos Pena Filho, Aloísio Falcão e Hermilo Borba Filho. Havia até mesmo um trabalho de alfabetização, comandado pelo jovem educador Paulo Freire (1921-1997), e entusiastas no Brasil inteiro - Darcy Ribeiro, o mais exaltado desses admiradores à distância, chegou a prescrever a idéia para todo o País. Mas ai veio o golpe de 1964 e a festa do MCP acabou.

No auge do Movimento de Cultura Popular, em 1962, Abelardo criaria um de seus trabalhos mais pungentes: a série de 22 desenhos de bico-de-pena “Meninos do Recife”, que foi lançada em álbum como nota de apresentação de Miguel Arraes. Um desses desenhos ilustra a edição francesa do livro “Geografia da Fome”, a pedido de seu autor, o médico e professor Josué de Castro (1908-1973). Os desenhos mostram a miséria das crianças de rua, com seus pés descalços na lama, pernas e braços finos, barrigas inchadas, rostos angulosos e magros e vestimentas de molambo. Nos olhares, tristeza e desespero. Poeta bissexto, Abelardo assim definiu em versos sua coleção:

São habitantes anônimos
Dessa cidade alagada,
De limo e pedra formada
Sob marés
Submersa
Em lodo inconsistente,
Consubstanciada
Vasto poço de afogados,
Habitação de mitos e fantasmas,
Imenso pasto de pestes,
Cidade desabrigada.
Habitantes desse pântano
Sem escrituras, sem títulos
Submetidos ao ócio
Que gera a fome e o vício
e um calendário implacável
de miséria e imprevistos.
São apenas habitantes
dessa cidade alagada.
Atirados sobre a lama.
Sobre as marés da desgraça.

Depois de 1964, quando seus “Meninos do Recife” foram apreendidos pelos militares - e parte da coleção queimada em frente ao jornal Diário de Pernambuco, junto com exemplares da cartilha de Alfabetização do MCP - Abelardo, já fora do PCB, teve duas outras incursões fora de seu Estado natal: São Paulo e Paris. Nos dois casos, teve que deixar a família no Recife. Na capital paulista foi acolhido pela amiga arquiteta Lina Bo Bardi e seu marido, Pietro Maria Bardi, diretor do Museu de Arte de São Paulo (MASP). O escultor conhecera Lina, no início dos anos 1960, quando ela dirigia o Museu Solar do Unhão, em Salvador. Com ajuda do casal, ele conseguiu emprego como cenógrafo na antiga TV Tupi. Ao mesmo tempo trabalhava na instalação do Museu Lasar Segall, que seria inaugurado em 1969, e na série de desenhos “Danças Brasileiras de Carnaval”. A pedido de Bardi, também participou com novos desenhos da mostra que abriu a Galeria Mirante das Artes, em 1967, e organizou uma exposição de artistas pernambucanos no Museu de Arte Contemporânea da USP, dirigido por Walter Zanini. A mostra era basicamente um reencontro de Abelardo com alguns seus antigos discípulos - Samico, Maria Carmen, Anchises Azevedo e Wellington Virgolino.

De volta ao Recife, em 1968, Abelardo mudou radicalmente de vida e foi trabalhar na empresa de pesca de seu irmão Luciano. Diante das perseguições promovidas pelo regime, não tinha condições de sobreviver de arte. Mesmo porque as pessoas receavam ter em casa uma obra assinada por Abelardo da Hora. Para tirar a família da penúria, o escultor começou adaptar-se ao novo trabalho. Pouco tempo depois de entrar na empresa resolveu comprar seu próprio barco e, mais tarde, um segundo, formando uma pequena frota para atuar por conta própria no ascendente comércio de pescado. A experiência marítima durou três anos. Quando a repressão baixou um pouco de tom, Abelardo retomou a atividade artística em sua casa-atelier na Rua do Sossego e ali produziu uma sequência de esculturas de corpos femininos deitados, que balizaria o “outro lado” de sua obra - o toque da sensualidade em cimento e bronze. “Mulher, objeto de Repouso” foi a primeira dessa série.

São Paulo e Paris

Próxima parada, Paris. O escultor saiu do Recife em 1977, para uma temporada na casa da filha Sara, casada com o francês Jean Louis. Seu endereço era o 15e arrondissement, num espaço de um atelier cedido por amigo. Ali modelou algumas esculturas - uma delas retratando Sara e o genro - e tomou contato com a cena das artes plásticas parisiense, que tanto admirava desde os tempos da oficina dos Brennand, na Várzea. A temporada na capital francesa rendeu bons frutos.

Em 1986, onze anos depois do regresso ao Recife, Abelardo recebeu convite para realizar uma exposição individual no Centro Internacional de Arte Contemporânea. Numa prova de que suas amizades não requeriam atestado ideológico de esquerda, ele teve especial ajuda do então ministro Cultura, o amigo e admirador Marco Maciel. Com o País já democratizado, Abelardo levou a Paris a parte da obra que tanto irritava o antigo regime. Entre as peças maiores estavam “Flagelo”, “A Fome e o Brado”, “Hiroshima”, “Mãe doente”, “Estela para Crianças abandonadas”, “Estela para Crianças e Mulheres Abandonadas”, “Menino de Mocambo” e “Desamparados”.

2009. Em sua casa na Rua do Sossego, o artista mantém um admirável ritmo de trabalho. O burburinho de ajudantes é grande. O escultor vai sempre ao terreno contíguo, de 1.500m², que abrigará o Instituto Abelardo da Hora. Quer ver o andamento de novos trabalhos já modelados. Entre as novidades, a estátua do amigo Miguel Arraes, em bronze, e algumas das peças que fazem parte da Exposição “Amor e Solidariedade”. Vasculha a memória e abre um parêntese (em 1962, viajou com Arraes ao sertão do Araripe, fronteira de Pernambuco com o Ceará. Ali fez uma descoberta ao olhar para algumas pedras no chão. “É gipsita, gesso”, disse a Arraes. Era, na verdade, uma enorme reserva do mineral. Atualmente, o Estado é responsável pela produção de cerca de 1,45 milhão de toneladas de gipsita - 89% da produção brasileira.

Abelardo percorre novamente a casa e para diante de uma de suas musas. É a representação em bronze da artista plástica Mariane Peretti - nascida em Paris e radicada em Olinda. “Ela era linda”, diz, sobre a amiga, que está com 82 anos. Na mesma sala, está o contraste - uma gravura da série “Meninos do Recife”, que lhe rendeu prestígio e prisões. Nesse ponto, tenta resumir sua obra: “Minha arte é feita de amor e solidariedade. O amor eu dedico às mulheres e a solidariedade ao povo”.

@_Lulafalcao


(texto publicado no catálogo da exposição Amor e Solidariedade)

segunda-feira, 8 de março de 2010

Por exemplo

Os vizinhos estão brigando por causa dos lençóis sujos num apartamento da Rua Bela Cintra. Ela não lavou nada hoje. Saiu de casa por volta das nove, quando ele foi para o trabalho, e andou bastante no shopping. Viu as vitrines. Não comprou nada. Ficou quatro horas assim, vagando pelos corredores, e os lençóis sujos em casa.

Os vizinhos continuam brigando. Uma luz acendeu na janela.

Eles não têm máquina de lavar nem dinheiro para a lavanderia. Ela nunca tinha ido ao Shopping sozinha, pela manhã, sem motivo aparente, sem ter que fazer compras. Ela queria ver as pessoas andando no shopping, enquanto ele trabalhava na empresa de Informática, a uma hora de ônibus. A briga continua. Ela começa a chorar, dizendo que não consegue, e as pessoas dos outros prédios estão querendo saber o que ela não consegue. Ele grita mais alto. Diz que o lençol está sujo de menstruação, que tinha comprado Omo e ela nem abriu o pacote. Então ela grita mais alto, reclamando que está cansada de esfregar roupa e ele responde que também está cansado de receber esporro do chefe porque sempre esquece de desligar os computadores à noite quando todo mundo vai embora. A discussão agora é sobre os computadores. Computador, computador, computador. Computador faz tudo sozinho, diz ela. Não é como ficar no tanque, lavando roupa, dá canseira. Ele diz que ela não entende nada de computador, nem tem e-mail, nem sabe o que isso. Só quer andar no shopping. O que você foi fazer no shopping?, pergunta bem bravo e ela responde que estava com uma agonia no peito, uma coisa pesada que passou depois de passear e ver vitrines.

Os lençóis ficaram um pouco de fora do bate-boca. Agora são os computadores da empresa que esquentam a briga. Ela diz que ele é muito distraído mesmo, deixa os computadores desligados porque em casa é a mesma coisa e nunca dá descarga na privada, por exemplo. Ela adora falar por exemplo o tempo todo e, além dos computadores, o por exemplo dela também vira motivo de desentendimento. Você só vive falando por exemplo, por exemplo. Ela responde que ele achava bonito quando ela falava por exemplo no tempo em que eram namorados. Ele diz que achava, mas não achava. São três anos de por exemplo, lembra ele. Mas ela volta agora à conversa da distração dele, das contas que esquece de pagar e também esquece de deixar dinheiro para as compras. Já está ficando tarde e eles passam a falar de tudo o que não gostam um do outro. Além do por exemplo ele não gosta quando ela diz que vai terminar tendo um treco, tudo é um treco, por qualquer coisa fala que vai ter um treco. E também detesta uma blusa vermelha que parece a única que ela tem, a cor do esmalte, a mania de comer em pé enquanto conversa, o resumo que ela faz das reprises das novelas que passam à tarde, a pintura do cabelo e o jeito de atender ao telefone sempre dizendo oi no lugar de alô. E ela dá o troco. Pela primeira vez diz que ele peida muito, ronca, não se lava direito e que quase só fica resmungando contra o chefe que reclama dos computadores desligados. Agora a briga ficou mais calma. Eles vão dormir. O lençol está sujo de menstruação. Daqui a pouco ele começa a roncar. Amanhã ela não vai ao shopping.

@_lulafalcão