Resolveu terminar o texto com uma frase
redondinha na forma e dúbia no conteúdo. Se buscasse lá dentro, acharia palavras
mais fortes, mas seguiu adiante, em busca de estética, porque lhe faltava
tutano e vontade de mergulhar no inferno. O fecho do pequeno conto seria entregue
a um público prudente o bastante para não arriscar comentários mais esmiuçados.
Ante o jogo de palavras na medida, o leitor mediano se esforçaria no máximo em
um comentário sobre a própria estrutura da frase, sem entrar muito no conteúdo,
algo como... “maravilhosa aliteração”. O autor ficaria alegre com o elogio,
públicado em seu blog, embora nunca estivesse satisfeito.
O aliterato em questão - se é que existem
aliteratos - sempre constrói frases que se enlaçam em si próprias, boas até de
olhar de tão simétricas, mas o autor lamenta-se com frequência – “por que não
pensei nisso antes?” -, ou bem antes, e gostaria de ter escrito Em horas inda louras, lindas\ Clorindas e
Belindas, brandas\ Brincam nos tempos das Berlindas,\ As vindas vendo das
varandas. Só que Fernando Pessoa foi um século mais rápido. Ele não pensou
porque vive escondido na técnica, preso à gramática, e quando consegue alguma
coisa, perfeita na aparência, vê-se ali apenas um monte de palavras bem postas,
mas num conjunto sem alma. Então ele sai atrás de raridades dos outros, em seu
computador e em seus livros, e encontra, por exemplo, o início de Anna Karenina
e repete e repete “por que não pensei nisso antes?”
Tinha consciência crítica de seu trabalho e
enxergava em seus textos o que os especialistas da cidade não percebiam ou, em
caso de dúvida sobre o que pensar sobre aquilo, preferiam saudá-lo como
original. É uma tendência terrível achar bom o que não entendemos e assim
funciona para seus alunos na universidade e para seus amigos do jornal local.
Menos para o autor, cada vez mais impaciente por substância, atrás de um
parágrafo ao mesmo tempo perfeito na forma e na essência, uma interessante
contribuição ao pensamento ocidental, por supuesto.
Por essas outras, evita expor-se além das
fronteiras da província, mostrar sua escrita para os grandes suplementos
literários do País, pois sente que haverá ali um distanciamento e um monte de
gente capaz de destruir-lhe a obra, ou pior, ignorá-la. Para consumo interno,
tinha outro discurso. Aos seus admiradores dizia que “meu mundo literário é
aqui”, coisas do gênero, agradáveis ao suave bairrismo reinante. Então, ele será e será ali, em sua cidade,
uma instituição, membro da academia, e inteiramente entregue aos confortos de um
mundo onde todos se conhecem, às vezes muito bem.
E seguirá adiante, sem entender direito por
que é assim, e ele apenas olhará o mundo horizontalmente em cima do muro, sem
entrar na caverna sem fundo, pois talvez não saiba onde ela fica. O próprio
drama interno poderia dar-lhe algum material para o texto perfeito, sem saber
que essa conjunção sem o sacrifício de uma das partes não é freqüente. Estilo,
só para firulas na entrada da área, dribles elegantes e nenhum gol.