sábado, 18 de agosto de 2012

Sinais (in) decifráveis




Difícil explicar em poucas palavras, ou em muitas, aquilo ainda não moldado, só uma ideia vaga, uma teoria não escrita e ainda em fase de estar sendo pensada. O autor sabe que é uma boa sacada, conduz a alguma coisa, praticamente resume o sentido da vida ou de parte dela, mas não foi ao papel, nem mesmo saiu do cérebro, apenas mandou um flash, um tuíte. É difícil juntar as peças e, mais do que isso, obtê-las. Não existe um projeto a ser montado, nem isso; só a vontade dirigida para algum sinal vindo de dentro.

E aí? Ai ocorre um negócio interessante. A necessidade de explicar um sentimento termina virando a necessidade de expor um mistério. A grande ideia não identificada é apenas um mote para se escrever sobre a grande ideia não identificada. Então, as ruminações mais subjetivas ficam acima do roteiro e de seus personagens. O narrador dá as cartas e, terminado o romance, descobre que a história é bem fraquinha, mas está cheia de vozes interiores muito bem elaboradas ou pelo menos curiosas.  Não há motivo para preocupações. Segundo os padrões atuais da crítica literária poderia estar ali um novo modelo de escrita, sem necessidade do enredo típico de romances, apenas um discurso.

Em muitos casos, é isso mesmo. Histórias são contadas de forma mais eficiente pelo cinema e a TV, enquanto o mundo dessas ideias, especialmente o das mais desconexas, é um universo único, onde as histórias são a história das ideias, e cabe ao escritor abordá-las – no sentido de cercar-se e de versar - de maneira original e ordenada. Mas sem trama. Talvez seja resultado de um fenômeno, ainda não denominado, em que um determinado sujeito, em um dia, pensa, de modo rarefeito, em boa parte da produção literária mundial. Só não consegue normatizar, alinhar com começo meio e fim e proceder a julgamentos. Em algumas pessoas, há romances às dúzias rondando o juízo dia e noite. Não estão prontos porque, como se disse no início, são apenas lampejos. Às vezes você cata um desses pensamentos imperfeitos, senta e escreve um livro. Às vezes, não. O jorro, mesmo assim, continua, e só uns poucos conseguem construir uma escrita absoluta, um emaranhado de nós perfeitos, entranhado em Filosofia Pura.

Em contraponto existem os grandes comentaristas sociais, cujo melhor exemplo é o pessoal do Novo Jornalismo.  Escreveram e escrevem realmente bem e se comparam aos gigantes do século XIX, Balzac, entre outros, conforme Marc Weingarten (A Turma que não escrevia direito). Tom Wolf, Hunter Thompson, Joan Jimmy Breslin, John Sack e Michael Herr, não necessariamente nessa ordem, estremeceram o mundo com reportagens carregadas de ruminações e trouxeram a incrível novidade de o repórter-escritor meter-se no caso que está apurando a ponto de tornar-se o personagem principal, vide o gonzo Thompson, capaz de transformar a cobertura de um encontro de policiais num tratado sobre drogas e putarias variadas.  Os novos jornalistas não eram tão novos assim. Antes deles, houve Dickens, com suas reportagens para o Morning Chronicle, e talvez tenha começado no século XV nas chamadas “Informações Públicas”, tremendamente censurada na Era Tudor, como observa Weingarten. Apesar disso, não há por que contrapor-se à ideia de que a turma do new jorunalism representa o que houve de melhor no século XX em termos de texto e conteúdo, atenadíssima para grandes transformações e para pequenos gestos.

A diferença é que o material desses escritores vem de fora, em sua maior parte, e os sentimentos gerados são voltados para situações específicas, como uma corrida de Stock Car ou uma luta de boxe. Quase tudo é dado pela realidade. Mais complicado, não sei se mais inteterresante, é a escrita nascida de confusões metafísicas ou vinda do nada. Mesmo assim, ao fim das contas, o romance, até o mais intimista, não deixa de ser uma reportagem. Uma viagem pelo pensamento ou uma viagem pela África podem dar no mesmo.  Para esclarecer, ou complicar ainda mais, segue um comentário do filósofo Gilles Deleuze: “escrever nada tem a ver com significar, mas com agrimensar, cartografar, mesmo que sejam regiões ainda por vir”.

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