Deslizou o envelope sob a mão, sobre o mármore, mas não era para disfarçar. Todos sabiam dos pagamentos em dinheiro vivo. Ele só queria sentir o conteúdo. Pelo som de arrastar o papel saberia quanto teria no bolso, daqui a pouco, e poderia enfim pagar as dívidas contraídas com terceiros para executar o serviço. Muitas vezes a cena se repetiu e ele aprendeu a ler o conteúdo sem vê-lo. Notas de mil dólares, recém-chegadas à praça com a nova reforma econômica, provavelmente vinte e cinco mil. Daria para ficar com vinte ou dezessete. Matar determinadas pessoas não era mais uma novidade e a mão de obra excedente fez os preços baixarem. Com o fim de tantos empregos e tantas profissões, o assassinato por encomenda ganhou um peso considerável nos índices de emprego informal. Também era um trabalho sem grandes riscos porque a polícia estava instruída a não mexer nesses casos e recebia sua parte por isso.
- Trabalho à noite. Atiro nos alvos predeterminados. A bala alojada envia os dados para não sei onde e logo volta a informação. Recebo o OK e sigo em frente. O próximo é um homem magro e assustado, conforme vejo a três metros de mim e, agora, ainda mais assustado, depois do tiro. Chego. Ele ainda olha. Quer fazer uma pergunta e eu fico querendo saber o que seria, mas não dá tempo. A gente recebe por pontuação. Errar, menos cinco pontos. Não resolver da primeira vez, perde entre 2 e 5. A produtividade conta muito.
Depois do trabalho ele vai ao mesmo lugar de sempre. Uma casa de sucos dentro da igreja, num corredor de pequenos quiosques que vendem armas, bíblias, gift cards de dízimos e salvos-condutos para andar na rua depois das 22h. Ali também expedem comprovantes de renda para empreendedores de pequenos negócios, atestados médicos e uniformes militares. Mais adiante, no final do corredor, há uma clínica de esterilização mantida pelos religiosos. A casa de sucos não vende café nem álcool, por força de lei federal. Conversa com colegas sobre o trabalho, erros e acertos, pontuação e estatísticas.
- Um dia isso vai acabar. Os recursos são finitos, pessoas pobres são finitas e a questão da pobreza que enfrentamos há anos está quase resolvida. Todos que restam já estão cadastrados – desajustados sem renda, saudosos da velha ordem e falsos profetas. Uns fogem, mas não têm onde se esconder; a maioria espera sua hora, com calma e entendimento do processo.