terça-feira, 29 de outubro de 2013

Tudo pronto para nada


Está tudo pronto pra nada, ele disse, sem mais, diante das coisas encaixotadas, velhos trastes de quarenta, cinquenta anos. Contou. Era a trigésima mudança em meio século, sempre para lugares piores, como a fase das quitinetes, em várias cidades, ou casas precárias, vazamentos, barulho, mofo e desconforto. Só para ter um endereço. Agora, são os pardais desafinados no começo da madrugada; sobre amanhã, ainda não sabe.

Tem sido assim. À medida que envelhece ganha menos, os aluguéis sobem e não há fiadores nem comprovante de renda. O próximo destino é o subúrbio – casa modesta, quarto e sala, vizinha à oficina mecânica. Perdeu dinheiro, agilidade, a memória para o vocabulário, os amigos bem situados e as mulheres. Quase não sai, embora mantenha uma agenda de atividades a não serem cumpridas.

Faz tempo que lamúrias carecem de valor literário porque na verdade não contêm imaginação – apenas reportagem do dia a dia, narração linear, treinamento para evitar a loucura, ou cair dentro dela, de vez. Banalidades copiadas em cadernos escolares, também embalados para a mudança, amanhã, as oito, numa Van. Inventário: guarda-roupas, livros, um pequeno sofá, colchão e álbuns de fotografia – “num deles apareço de índio”, me conta. “Carnaval de 1967”.

Ele agora organiza o ambiente para dormir a última noite neste ponto provisório. Afasta as caixas, se cobre com a colcha sobre um colchão nu. Louco para pegar no sonho e sonhar.

O sonho: ainda não dá para saber o que estava fazendo ali, naquele espaço, tentando entender, mergulhado em dúvidas, sem saber como mover-me entre tantos obstáculos, pois esteve ali na frente e voltou, tamanho o labirinto de equações sem respostas, coisas com nomes desconhecidos em nossa língua e em outras que aprendeu. Para que servem? Não vê serventia para cubos azulados e ocos, luzinhas de cores inclassificáveis, barulhos sem nexo, cheiro de algo fora da lembrança. Gostaria de descrever as paredes, mas não há paredes, embora esteja preso, buscando a saída. Não há saídas nem houve entrada. Só um amontoado de objetos inúteis ou de utilidade desconhecida.  Têm ou não têm peso? Flutuam e ele flutua junto, só sebe disso.

Aquilo – ou isto - deixou-o exausto e mais cansado ainda quando soube que o homem da Van não trouxe ajudante. Pegar no pesado, agora, depois do sonho, daria fraqueza nas pernas e vontade de voltar à cama.

- Segura dum lado q’eu seguro do outro – disse o homem da Van. Pensou em tudo, até em Sísifo e na inutilidade da mudança; pensou na morte, arrastando o guarda-roupa em direção ao veículo. Guarda-roupa-caixão, mais um ensaio de enterro, mais um salto no desconhecido. Carregaram com tudo dentro, até o terno de procurar emprego e não achar.

Nova casa. Móveis enfim arrumados e cama feita para o sonho das equações sem respostas.



quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Lançamento de Iberê Segundo Paulo no Facebook

A Editora Nhambiquara convida:

O livro “Iberê Segundo Paulo”, de Lula Falcão, está sendo lançado no Facebook. Nem precisa sair de casa. Confirme a “presença” e concorra a um exemplar. Dez serão sorteados, no mais longo lançamento da história da literatura mundial: já começou a só acaba à meia noite do dia 23/11/2013.


Quem quiser comprar o livro (R$ 35,00, com frete incluído), basta enviar um e-mail para contato@nhambiquara.com.br (com nome, endereço e e-mail) e o livro será enviado, com frete grátis. Só depois de receber a encomenda, o leitor depositará a grana. Tudo na base da confiança. Os dados da conta bancária seguirão por e-mail.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Dolores


Dolores,

Nem sei começar.  Nesses anos de separação ocorreu um monte de coisas fora do meu controle. Quase morri, estive à beira de vários precipícios e num deles pulei, um voo, no início, e logo a queda livre, duas pernas quebradas e aquela sensação de suicida fracassado: alívio de curta duração e em seguida o medo do ridículo, olhares de reprovação, mesmo dos amigos, agora afastados, por causa disso. Entrei na lista dos desequilibrados ou farsantes e uns disseram as maldades de sempre, “queria chamar a atenção”; outros foram mais cruéis, aceitando o diagnóstico de doido, dado por um médico especialista em transtornos, e ele perguntou se eu já havia tentado outras vezes e eu respondi que sim, há cinco anos, quando você foi embora. Besteira contar a verdade, pois certos segredos não devem ser repartidos com psiquiatras porque eles vão formando uma imagem negativa do paciente e despacham receitas cheias de substâncias que transformam a gente em outra pessoa. Virei outra pessoa e ao parar o tratamento, por contra própria, já não sabia quem eu era antes, esqueci. Fiquei com a mesma personalidade farmacêutica, mesmo sem os remédios, num mundo que não fede nem cheira, indiferente ao fato de você ter ido embora, Dolores, sem mais nem menos.


É o pior que pode acontecer. Quando voltei para casa naquele dia, ansioso para cair em seus braços, chorando minha demissão, deparei com uma mulher decepcionada, meu cargo era bom, por que perdi? Era a segunda vez em poucas horas, duas humilhações, o chefe e você, ambos me dispensaram. Numa circunstância dessas, um homem sai para beber, foi o que fiz, e só parei para me atirar lá de cima, daquele prédio grande em frente do mercado, e depois vieram os remédios, quase todos os males catalogados pela DSM, o 'Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais', livro conhecido como a "bíblia da psiquiatria", segundo li na Veja. Lia a Veja porque toda semana a revista anuncia a cura de uma doença a partir de um remédio revolucionário, inventado nos Estados Unidos, com lançamento previsto para o Brasil daqui a dois meses, pois já foi testado em humanos, com excelentes resultados. Mas o assunto não é este, Dolores, escrevo porque de repente passei a me sentir como antigamente, carente de sua presença, e pergunto se você vai voltar.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Iberê Segundo Paulo - Pague depois de ler

http://www.youtube.com/watch?v=rvWxVtkaTiQ