Cidades pequenas me deixam angustiado, mas foi o
jeito. Depois de vinte anos na capital, perdi o emprego, a mulher e o prumo. Um
concurso público me trouxe para este vilarejo sem graça, contra a vontade,
longe de tudo. O pior não é isso. É o
medo de virar uma pessoa típica do interior, orgulhosa de coisas pequenas, a
construção do açude, por exemplo. Só
sente esse medo quem veio do interior, eu vim, por isso conto as horas, aliás,
anos, para sair deste fim de mundo. As pessoas são boas, mas são boas porque
são ingênuas. Não dá para conviver com tanta gente boa durante tanto tempo.
Para meu gosto metropolitano é extremamente
desagradável encontrar, dias após dia, com Fulaninho da Farmácia e outros
tipos, bem marcados por seu ofício, como deveria ser na idade Média. Só falta
um Sicrano Ferreiro, como na Idade Média. Às três da tarde, saio da repartição
para um café e lá encontro os mesmos assuntos, às vezes discutem sobre as
qualidades da bicicleta de alguém ou a novela. Dá saudade de grandes
ocorrências urbanas, acidentes do metrô, engarrafamentos gigantes, estréias da
semana e café espresso. Aqui não tem espresso.
Dia e noite sonho com a volta. Pela TV vejo a cidade.
Homens e mulheres de todas as partes do mundo em circulação frenética, imagens
passando a um milhão, como a dos novos programas eleitorais, por vezes um
skatista circulando entre engravatados. Nessas horas o que mais incomoda é não
poder mais tratar essas coisas como rotineiras. Não, é um espetáculo, talvez o
melhor da semana, cujo roteiro praticamente se resume a repartição-casa. Eu não
tenha propriamente saudade. Sinto uma necessidade física de me reintegrar
imediatamente ao meio do qual sai por puro acidente e de onde nunca deveria ter
saído porque é contra a minha natureza.
Domingos e feriados são preenchidos com leituras e
noticiários. Olho com inveja pessoas passeando no parque ou fazendo filas nos
cinemas. Para completar o quadro há assaltos a bancos, greves, futebol, enfim,
a vida. Aqui, ao contrário, é o silêncio do meio dia, apenas o tilintar
distante de poucos talheres, nenhuma alma na rua. Depois vem a sesta e o
expediente da tarde recomeça, enfim, por volta das quatro. Termina quando o sol
se põe, instaurando novo silêncio, apenas o piscado das tevês. Ninguém vive de
verdade, vive a vida de personagens das tramas urbanas, vive na TV.
Quando não estou praguejado baixinho, só em minha
casa, estou pensando em cenários para minha vida. Vem a transferência, saio
daqui, e trato a temporada neste buraco como a pior fase da minha vida. Mas
existe outro lado, gritando mais alto, em que permaneço onde estou, resignado
por inteiro, sem mais fios ligados à capital, e mais adiante perceberei que
estar aqui é melhor, ou pelo menos igual, como deve ser estar em lugar nenhum,
não faz a menor diferença ou faz toda a diferença do mundo. Nem pensar sobre
isso me dá mais vontade, embora, lá no fundo, eu esteja imensamente acostumado
e satisfeito com a situação.