sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

A última ceia



- O que temos pra hoje?  - perguntou ele, com voz de apetite, enquanto uma única panela esquentava no fogão com três batatas. Eram as últimas batatas. Eram três batatas pequenas. Os olhares em torno do fogo baixo reprovaram o jovem faminto, seu alheamento da realidade, porque esta seria a última ceia. A partir dali a família estaria oficialmente desfeita.  Nem casa nem comida nem roupa lavada.  Cada um trataria de si.

Solução prática. Alimentar todos, todos os dias, estava se tornando uma logística difícil. Ninguém tinha emprego. Ninguém tinha dinheiro. Só o jovem, filho do meio, se comportava como se ainda houvesse galinha ensopada na mesa e até frutas da estação da feira que não existe mais.  

Combinaram que alguns laços familiares seriam mantidos, dentro do possível, mas eventuais ganhos de seus membros, em trabalhos cada vez mais escassos, só para quem trabalhou. Caberia algum agrado em relação aos mais novos e idosos. Ninguém, no entanto, estava obrigado a uma contribuição regular e estabelecida.

Separar para sobreviver foi a forma escolhida pelos pais e o filho do meio achava o contrário, que era apenas uma fase; não o encerramento de um jeito de levar a vida. Na cidade, as pessoas já comiam em cochos da caridade, sem talheres ou modos. De vez quando, um cachorro era chutado para longe da refeição humana.

O rapaz não perdia o jeito de antigamente, da extinta classe média. Mesmo quando as batatas foram postas, repartidas, e só lhe restou um pequeno pedaço, ele comeu com gosto, elogiou “a entradinha” e foi pegar uma praia. 

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Viagens


1 - O precipício é enorme. Ninguém sabe a profundidade. Alguns acham que não tem fundo. Há pessoas que pularam há anos e estão caindo até hoje, diz o guia de turismo, orgulhoso daquela maravilha. Surgiu ali do nada. De repente havia o buraco e logo as histórias sobre curiosos e suicidas que, em pleno mergulho, conseguiram conversar com a família, por seus celulares. Informaram que estava tudo bem, por enquanto. Uns se arrependeram; outros se divertiam.

2 - Dois homens na plataforma abandonada acenam para um trem que não vem mais. Ficam ou ficavam o dia inteiro na antiga estação sem trilhos à espera de ninguém. O município convivia naturalmente com o fato. Os dois tentam consertar a paisagem e encenam a chegada de amigos e parentes, carregam malas imaginárias e, enfim, à noite, tomam o último vagão para casa.  

3 - O voo vai atrasar duas horas, anuncia o serviço de som. Ouve-se um murmúrio de lamento, como se ouve na hora de um pênalti perdido. Alguns faltarão a reuniões de trabalho; outros não chegarão a tempo para a festa. Nesses momentos, o destino não é só a cidade para a qual o passageiro pretende se deslocar; o destino aparece em sua amplitude cósmica. Tudo contido, naturalmente, porque a vida tem que continuar, caso contrário os negócios fracassam.  Há uma tensão sutil, mas detectável em muitos passageiros: o medo da morte. Nos aeroportos esse pavor aflora, ou irrompe, quando se pensa na batalha a enfrentar lá em cima contra forças terríveis da natureza, entre elas a da gravidade.


4 - Ao completar sessenta anos, fez cálculos. Dentro de uma ou duas décadas estaria morto, considerando as extravagâncias da vida e ordem natural das coisas. Sentiu-se condenado à morte e só lhe restava a crença em outra existência, talvez menos efêmera, talvez eterna. Nenhuma certeza. Também podia ser nada, como dormir e não acordar mais nunca. Enfim, lances que passam pela cabeça de alguém quando pensa na morte; e todos pensam, algumas vezes. Só que ele pensava o tempo inteiro. Pensa até hoje, aos 94 anos, esquecido das previsões, mas certo da iminência do fim.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Em movimento 2

De repente voltamos a viajar de navio. Muita gente sem condições de pagar uma passagem aérea, então eles fretam navios, enchem de gente e soltam pelos portos do mundo. Assim, fomos nos diluindo. Fiquei por cansaço e falta de dinheiro.

Um monte de avenidas vazias. Ruas inteiras partiram. O mato cresce em bairros desabitados e o comercio registra queda todos os meses. Empregadores e empregados enfim chegaram a um acordo: não tem jeito. Por isso não achei estranho quando vi meu antigo patrão embarcando no navio. Só o cais ainda tem algum movimento. O transporte para o outro lado do mundo é o único negócio lucrativo.

Acordo cedo para arrumar comida, mas as filas são tumultuadas em frente aos caminhões da caridade. Não dá para todo mundo. Às vezes, uma pessoa gasta uma refeição no esforço de consegui-la. É uma luta até chegar perto, enfiar a mão entre muitas outras e dar o bote na cesta básica. Sempre desisto e volto ao meu pequeno estoque de enlatados – sardinhas e salsichas. Houvesse pão, faria sanduíches.

Agora é esperar por uma solução vinda de não sei onde. A informação ficou precária e nesse ramo ninguém confia em ninguém. Dai a dificuldade para entender o que se passa, por que chegamos a isso e aonde iremos parar. Muita gente daqui se enfadou de pensar no assunto. Os que partiram sonham com uma pátria que não existe mais. Os que ficaram só pensam em comer. 

Portanto não confio nas informes públicos, divulgados semanalmente. Não confio nas vagas esperanças de uns poucos. Falo o que vejo: bares vazios, filas para diversas providências de embarque, crianças procurando por seus pais. O frenesi do porto e o lixo sob a chuva

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Em movimento


Sem informes públicos, eles chegaram de manhã e levaram as coisas que restavam. As minhas e as de outros. Colchões de palha, garrafas PET, papéis velhos, três pães de ontem e um rádio; nada de valor.  Fiquei sem sabonete, que guardava para um dia especial, e uma caixa de papelão com os documentos.  Não queríamos sair e eles vão nos deixar sem nada. Já derramaram um copo d’água quando o mais velho ia beber. Não juntem porcarias, eles avisaram, e disseram que iam voltar.

Tem sido assim há muito tempo. Quase todo mundo vagando por ai porque ninguém pode ficar parado num lugar. Eles chegam, confiscam os pertences, separam o grupo, soltam as pessoas em lugares ermos, mas elas terminam se encontrando de novo e tudo recomeça. Não há raiva aparente nos homens da brigada; cumprem expediente. Não fosse a gente estariam desempregados, como a maioria da população.  Por isso, são calmos, levam as coisas, mas não se irritam quando alguém esperneia. Só fazem o que mandaram. Mandaram circular.

Dinheiro é proibido. Levam também. Drogas estão sob severa vigilância porque podem causar indolência e indolentes não se movem, não circulam. Mesmo assim nos encontramos. Queremos rever amigos, discutir a presente situação, dar um jeito de negociar com a brigada. Não sabemos mais quem está no comando. Ocorreu um grande problema sem solução à vista e do qual muitos já esqueceram. Critérios deles lá, nem sei mais de onde se extraem essas ordens.

Incomoda mais a fome e a dor nas pernas. Há dias sem parar num canto mais discreto, longe da brigada, e quando resolvi acampar naquele ajuntamento eles vieram em dois dias. Não deu tempo de descansar nem arrumar comida, que vinha nas caçambas de restos.  Há uma semana não passam por lá.


O último informe público mostra que eles querem distância da gente, embora sejamos muitos. Tudo é dito de forma muito técnica, termos de limpeza urbana, tecnocracias variadas - “uma nova adequação social”, baseada em “avaliações minuciosas”.  Entendi que em médio prazo não estaremos mais aqui e a questão enfim se resolve para os que ficarem. Enquanto isso, circulamos. 

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Memórias do centenário




Os cochilos dados lá fora me encheram de cansaço; durmo e acordo mal. Dores pelo corpo. Mesmo assim é bom. Desde início do século passado observo o tempo passando e luzes apagadas no começo da manhã, barulhos da cidade, o Sol sob a névoa nos primeiros passos do dia. Só isso é muito melhor do que nada. Ainda tem o almoço e os analgésicos; mais tarde o tempo vai mudar. A chuva diverte mais do que o cinema.

Não sei o que estou procurando, mas sei o que não quero. Não quero ir. Hora após hora e logo um ano, mais outro, uma década, duas, três, quatro e já são dez. Passei da idade em que naturalmente se morre para tornar-me motivo de curiosidade. Muitos se foram antes de mim, quase todos. O importante agora é puxar pela memória e dar-me alguma nostalgia. Não sou um homem deste século, mas observo-o de longe, do meu mundo sumindo; mudanças épicas e talvez inúteis. Ainda gosto de novidades e das pessoas, mesmo à distância. Quão animadas ficam; ou confusas e espantadas. Mas, enfim, sentem-se dentro do mundo, movendo-se como o mundo. Não é o meu caso. Estou dando uma olhada, quem sabe a última.

Festejo mais a faculdade de olhar do que o objeto olhado. Poucas pessoas aparecem, mais perto, mesmo assim é bom. Na minha idade ninguém consegue ver muita coisa. Às vezes nem lembrar-se. A memória de um único amigo, morto há dez anos, sumiu de repente e ficamos sem assunto. Eu ia visitá-lo nos primeiros meses, mas ele deixou de ser ele. Perdeu a capacidade de guardar o passado, mesmo um passado de dois minutos. Foi ficando estranho e despedi-me de vez, só por desencargo de consciência. O pequeno animal careca ficou para trás, babando, tristonho sem saber por que.

Até o ano passado eu saia às ruas, vagaroso, vestido à antiga. Restaram duas janelas, uma para o pátio interno, outra para a rua. Fico na cadeira, olhando pequenos acontecimentos: a vida da vizinha, sempre ocupada, andando pelo apartamento de ponta a ponta, recolhendo brinquedos de crianças, espanando moveis e quando para diante da TV é só por segundos; desliga desinteressada, e volta ao vaivém doméstico. Ou então, o mundo menor, formigas em linha até o buraco no canto da varanda, talvez meio milhão de formigas, cumprindo a mesma sina de ir, vir e morrer o tempo todo sem que a fila se desfaça.


Penso muito. Já não me preocupo com a qualidade moral dos meus pensamentos. Eis a vantagem imensa de estar vivo e só. Posso alinhar o mundo de acordo com minha vontade, passar por cima das regras, ensimesmar-me sem medidas. São vaidades sem valia no mundo real, mas importa muito nessa idade, mesmo na despedida, enquanto se pode. Mais tarde haverá um mundo sem janelas. 

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Cinema secreto


No tempo do serviço secreto adorava quando me mandavam abortar a operação. Com muito gosto eu voltava ao hotel, arrumava a mala e tirava as balas da minha Walther PPK. Para alguns colegas, senão todos, eu era um fracasso. Nunca pensei desse lado. Acho que uma boa operação não precisa ser posta em prática, pode até ser guardada para outros fins, o cinema, por exemplo. Na agência, todos sabiam que eu levava uma rotina de operações abortadas, mas não sabiam dos meus lucros no mercado negro, vendendo planos secretos para Hollywood.

Muitos eram abortados porque já estavam vendidos. Eu dizia que recebi sinais sobre um vazamento em nosso escritório central e o coronel determinava o fim da operação. Uma dessas foi sucesso de bilheteria e rendeu-me um apartamento em Los Angeles. Não sou tão contraditório. Amo meu país e, se às vezes pratico a traição, é apenas para vivê-lo mais intensamente. Coisas são vendidas e preciso comprá-las.

O principal, no entanto, é que nunca considerei a possibilidade de morrer, mesmo num trabalho dessa natureza, cheio de intrigas e tiroteios. Mantive distância disso, deixei prá lá, nunca fiquei imaginando como seria se o plano fosse executado. Sempre vejo como filmes e o coronel não liga, pois se aborto a operação, outros farão o serviço, de outro modo, e o coronel aparece a seus chefes como sujeito cauteloso porque viu o risco à sua frente e só atacou na hora certa.

Carmen

Antes de entrar no elevador verifique se o mesmo encontra-se parado neste andar. Na maioria das vezes estão. Minha prima Carmem só traduzia para “verifique se tem alguma coisa aí porque se não tiver é um buraco”.  Tinha essa mania, já conhecida do prédio; implicava demais com avisos e ditos populares e frases em geral. Reclamava, por exemplo: por que Deus dá o frio conforme o cobertor? Não é mais prático dar o cobertor conforme o frio?  Carmen levava tudo ao pé da letra. Mas eu sempre me convencia de que ela estava certa.


Éramos muito amigos numa época em que parecia estranho um cara sair todo dia com a mesma menina e não acontecer nada, mesmo que fosse uma prima. As distrações eram outras, o universo e suas histórias, teorias mal ajambradas sobre tudo e a recorrente marcação de Carmen em cima de aberrações aceitas pela maioria.    Quem dá aos pobres empresta a Deus, pense nisso, ela disse, enquanto emendava certa indignação pelo Fato de o Todo poderoso aceitar negócios com um agiota. Deus chegou ao ponto de pedir dinheiro? Eu repetia: calma, é só uma maneira de dizer. 

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Tsunami


Nenhuma cidade vai deixar de existir – muito menos esta. Mesmo líquida, ela persiste na memória dos que escaparam e em bilhões de dados espalhados no espaço; imagens e sons, a coreografia do frevo, o rio, agora subterrâneo. Ainda assim, debaixo d’água, o abalo da submersão correu adiante, em ondas gigantes, devolvidas como vieram, cheias de retratos de famílias mandatárias e de ruas esburacadas. Ricos esbanjando dinheiro e pobres chamando o senhor de “doutor” e “meu patrão”.

Não houve um corre-corre na cidade que afundou, como se a cidade tivesse se recusado a subir a serra. “Corram para as montanhas” foi dito assim, meio na ironia, numa mesa cheia de cervejas. O certo seria a evacuação total, como nos filmes. Mas ao contrário ocorreu um espetáculo de resignação. Incredulidade de uns; deixa-pra-lá de outros. Até conversas sobre não existir, conversas sobre o fim, palavras salvas na nuvem - as de Adélia e Amélia, ao telefone, por exemplo. Uma no Poço, em sua casinha simpática; outra, na praia, encarando o monstro no horizonte.

A cidade se diluiu e ficou no mesmo canto, quase dissolvida. Sargaços surgiram na manhã seguinte, e os habitantes estavam desigualmente divididos, como sempre, entre a superfície da vida e o fundo da morte. Os sobreviventes fizeram fotos e até filmes. A cidade continua a existir como se nada tivesse acontecido.

Um ano depois houve a primeira retrospectiva. Parecia uma ressurreição em massa de pessoas conhecidas que ficaram sob as águas, desaparecidas, segundo boletins oficiais. Existem de certa forma ali, como linguagem, assim disseram os críticos sobre o primeiro longa metragem do certame. Neste caso um documentário sobre a vida na cidade de antes, dois metros acima do nível do mar. Na plateia, alguma emoção entre os sobreviventes, parentes e amigos, mas a turvação dos sentimentos aos pouco cedeu lugar à realidade vindoura, naquela situação provisória, esperando.

Debates após a exibição. Claro que estamos destruindo o planeta, mas a história é outra, a natureza destruindo-se a si mesma, em placas gigantes sacolejando lá dentro, entre as labaredas infernais do plasma vermelho e choques de pedras que têm o tamanho de um hipermercado; isso as menores. Tudo foi feito sem as mãos humanas. A própria engrenagem gerou-se, por assim dizer, e criou sua lógica de funcionamento. Não há um ser pensante no comando, mas há mistérios físicos e químicos muito mais misteriosos do que um milagre.

Nesse campo em que estávamos e ainda estamos – pelo menos, alguns - o acaso parece manter um padrão, alinha-se ao cotidiano na maior parte do tempo, mas pode oferecer um espetáculo inesperado a qualquer momento. Como a nossa placa salvadora, solta no oceano, em cima da terra onde nasceram meus pais, e agora separada do continente como a jangada de Saramago.


Nenhum sinal de incômodo na cidade, agora uma ilha em destino ignorado, pois nossa capacidade de medir e prever foi destruída nessa pancada das placas, que ocorreu lá na frente, quase na África. Aquilo deixou muitos traços no comportamento dos sobreviventes, que ainda avistam a pontinha do Obelisco de Brennand, a enorme rola reduzida a uma pequena cúpula bizantina, e mesmo assim ainda um orgulho, o cartão postal semi-submerso, e se um dia a água baixar teremos de volta a Rosa dos Ventos onde tudo começou e muitas outras coisas que eram, e continuam sendo, as maiores da América latina.


domingo, 7 de agosto de 2016

A Organização (trecho)


Eu encarava o velho com certo destemor, embora com o respeito requerido pela organização. Minha tarefa é entrar em cena quando algo nos ameaça, desde segredos revelados a mortes não esclarecidas. Ele responde pelo segundo item. Embora seja o chefe, sabe que nosso projeto é maior, e sabe onde estão os verdadeiros chefes, cuja vivência com o mundo do crime é apenas eventual e se dá por meio de profissionais como eu. Certas coisas precisam ser comunicadas, até para controle interno, e o sumiço dessa gente tinha sido determinado por ele, o chefe, criando um hiato de poder entre seu mundo e o nosso.  Não matamos ninguém; apenas entregamos um problema para solução e o chefe resolveu da pior forma possível.

O porte continua o mesmo, ensimesmado, numa cadeira de madeira de lei maciça, sobre uma enorme mesa de trabalho e lazer.  Ali poderia decidir sobre a vida e a morte, enquanto era chupado por uma subalterna, ou subalterno; não fazia distinção. Em seu trono marrom, no cenário de papel de parede cobalto e obras de arte, o homem apenas estirou as mãos para o alto, com desdém, e disse: “assim seja”.

Levei-o à sala onde havia outros homens – interrogadores e analistas de risco -, capazes de nos dar uma visão mais detalhada das atividades do chefe. Eficiência, por um lado, e estardalhaço, por outro, não são bons para os negócios e ele começou a apresentar esse estilo, quase num padrão, causando transtornos ao mundo do qual não faz parte, que é o mundo dos homens de bem. Queria que ele soubesse, de saída, que não haveria muita gravidade em ele próprio encerrar tudo rapidamente, dispensando o serviço desses homens, vindos de outro mundo também desagradável.

Bastava contar por que matou as pessoas. Pessoas que não eram para estar mortas, apenas assustadas, pois dessa forma poderiam deixar de intrometerem-se nos negócios alheios. Fico imaginando que se tudo isso ocorre no ramo financeiro, ocorre em outros lugares ou em quase todos. Uma parte legal, outra criminosa. Queremos o mínimo contato com esse povo, mas naquele momento era necessário.

O chefe poderia apontar uma solução, a saída com outros culpados, o sacrifício de capangas fieis, capazes de ficarem calados mesmo sob tortura. Ele parecia não ter muito a temer e parecia querer chegar à comissão com sua versão dos fatos. Queria mesmo falar com os inquisidores e a eles cobraria uma parcela vencida do serviço.

Mais tarde, diante dos analistas, explicou que o desfecho do caso não fora acidente ou desleixo; as duas moças espernearam demais, gritaram muito e prometeram que saindo dali iriam aos jornais contar tudo, se é que não já contaram, antes de morrerem, naquelas condições. Ocorre que o site do jornal já dera a notícia, cheio de insinuações, recorrendo a possibilidades para o desaparecimento das moças. Nenhuma nos citava, graças à segurança que mantemos nessa área. 

O chefe parecia garantido diante dos representantes do cliente. Mas eram homens impermeáveis à emoção e logo eles se adiantaram, em busca da única razão de suas vidas: resultados. Ouviram as explicações do chefe, anotaram até os insultos, e no final fizeram o que vieram fazer: um tiro seco, impessoal; o corpo ensacado numa rapidez de Drive Thru. Os homens sumiram. O culpado só apareceu mais tarde, no Instituto de Medicina Legal, e era o chefe, o matador das moças, cuja história de seu bando cruel renderia o de sempre, morte em tiroteio de um sujeito mau.


Não deixo rastro. Nada. Tudo é terceirizado. 

domingo, 17 de julho de 2016

Ego



Chegou ao último degrau da autoestima quando, seguro de si, perdeu totalmente a compostura na hora do autoelogio, como faz sempre, mas dessa vez exaltava certo fragor da natureza que só ele era capaz de ouvir. Coisa para uns poucos especiais, sensíveis como partículas elementares, capazes de viver a vida de forma mais intensa, ao mesmo tempo ardendo e durando. Alguns dos amigos olhavam com ar de ironia, quase prendendo os lábios para não rir, enquanto o Ego seguia em frente, falando para o prazer de si próprio.

- Minha gente, vamos mudar de assunto – disse uma delas, sem saber que assunto estava sendo tratado, pois na verdade só prestou atenção a algumas palavras, como “inextrincavelmente”, por se tratar de uma palavra feita para ser escrita, não para ser dita numa conversa. De qualquer forma, não sabia o que significava “inextricavelmente” e desinteressou-se. Ele manteve o ritmo, quase discursivo. Entre os que se deram ao trabalho de ouvir, algumas subdivisões: “ele está louco”, “cada dia mais chato” e “o cara é foda”.   

Poucos admiradores fidelíssimos. Todos queriam entender como ele entende, ver com os olhos dele e finalmente sentir-se ele, ou Ele, em muitos casos. Por sorte o Ego não acredita em Deus, senão disputaria o trono do Todo Poderoso, numa briga de iguais. Seus adeptos ouvem, sempre: “não sei como você aguenta”, às vezes durante a sessão oratória. O Ego percebe o desprezo de maioria. Não se abala. Nesses momentos, dirige-se à sua seleta e minúscula confraria e derrete-se com o olhar de aprovação da dona da casa, a mais bonita da turma. Ela serve a cerveja para edulcorar a homilia do amigo mais sabido; e serve-lhe de tradutora em situações em que o Ego é obrigado a recorrer a palavras em latim e alemão. Ele gosta muito de "Vorfreude”, que é, segundo o Google, a felicidade antecipada por algo que ainda está por vir.


domingo, 10 de julho de 2016

O outro


Carros da polícia surgiram no meio do mato, enquanto eu passeava com um cigarro na boca, no tempo em que era proibido fumar.  Eu não sabia por que tantos homens naquela operação, vários destacamentos armados, e desconfiei que o negócio fosse comigo, pois num raio de quase quinhentos metros não via ninguém descumprindo a lei. Sem saber o que produziu do nada aquelas luzes vermelhas piscando no meio do mato, passei a andar mais rápido, cada vez mais apressado, quase correndo, e aí uma viatura se deslocou em minha direção e o soldado saltou dela, armado, ordenou o “mãos ao alto” e gritou: “é ele”.

Eu já tinha jogado o cigarro no chão, lá atrás, e não havia provas contra mim, pelo menos nesse caso, mas o caso era outro. Estavam atrás de um fugitivo do presídio, condenado a 30 anos, cujo rosto parecia com o meu, pois quando o policial mostrou a foto do sujeito, já examinando meus documentos, eu mesmo fiquei impressionado. Era igualzinho a mim. A primeira coisa que me veio à cabeça foi o conselheiro titular Goliadkin, personagem de Dostoievski às voltas com um homem que lhe usurpa a identidade. Além de ser a minha cara, o foragido tinha o meu nome: Jose Emiliano Pereira.

Enquanto eu era preso, algemado, desviei a atenção para um filme onde um homem se vê diante de sua cópia, num duelo, e a cópia termina matando o verdadeiro, embora a reprodução seja tão real a ponto de pensar: “matei a pessoa errada”. Naquele momento eu não sabia mais de mim, se era o José Emiliano que fugiu ou o que não tinha nada a ver com aquilo. Talvez eu fosse o conselheiro titular Goliadkin ou sua cópia.

Fui conduzido de forma muito coercitiva ao presídio e lá indicaram minha cela, arrumada de maneira familiar, como eu arrumava meu quarto, e na prateleira perto da cama a mesma sequência de pertences dispostos do meu jeito: barbeador, escova de dente, sabonete Phebo e o livro O Duplo, marcado na página onde o conselheiro titular Goliadkin realmente se enrola ao dar-se conta das atividades de seu homônimo. Eu, Emiliano José, ou ele, Emiliano José, nós dois, digamos assim, éramos acusados de assassinato, sendo que eu nunca tinha visto o outro, então fugitivo, embora tivesse a consciência de não ter cometido qualquer crime. 

Pedi para ser confrontado com ele, seja como fosse, e uma acareação resolveria nosso problema, a partir de um cotejo de informações. Eu sabia onde estive nas últimas horas e poderia provar. Desse modo, ele, meu outro, ficaria em sua cela e eu iria embora. A polícia achou minha defesa fraca, senão absurda; O advogado também achou. Ficar preso, então, tornou-se um problema secundário. Eu queria saber “quem é ele?”, ou melhor, “quem somos nós?”. Na cela, sozinho, descobri numa caixa de papelão fotos da infância dele, ou minha, uma vez que as situações ali fotografadas envolviam ocorrências do meu passado. Lembro de um retrato em polaroide de 1986. Estava lá, perdendo a cor.

Essas perguntas sem respostas que me custaram seis meses de cadeia, até encontrarem aquele que é parecido comigo, igual para ser exato, e o sistema jurídico ficou confuso. A acareação, enfim, foi feita. Eu diante de mim ou de minha cópia, deu-se numa sexta-feira, às 19 horas.

Poderia pensar na grande injustiça de estar preso no lugar de outro; eu inocente, ele culpado, naquele momento em minha frente, como se fosse um espelho. No meio, um escrivão de polícia, espantado, supôs que talvez fossemos gêmeos, mas não havia justificativa para o mesmo nome: Jose Emiliano Pereira.


O outro foi preso de bobeira, passeando no mato, com um cigarro na boca. 

terça-feira, 14 de junho de 2016

Personagens desnecessários XIX



1. 

Olhava para o teto, refletindo sobre o tema vago daquele dia: a vida desprovida de alma, apenas uma existência que começa e finda e cai no esquecimento. Tinha hábitos teatrais muito bem dosados, gestos combinados com palavras, além de citações adequadas ao contexto. Um sucesso. Na sala, alunos se inebriavam com o discurso cheio de citações bem postas, e postas de maneira natural, sem pedantismo aparente, ao passo em que elucidava, ou quase, por que não somos quase nada num universo tão vasto e porque, mesmo assim, valia a pena viver. O pessimismo otimista do professor carregava certa animação; sorvia cada frase como um sorvete. O nada enchia seu vácuo interior como se algo fosse, ou fosse um gás intelectual capaz de chamar a atenção de uma garota bonita e inquieta, de óculos, figurino perfeito para a personagem desejada por ela, provavelmente candidata à cátedra ou a coisa muito maior.

Como num filme, soava a campainha e ele se recompunha, fechando um livro ou uma mão contra outra, suspirando, cheio de energia para a próxima aula. Em casa escrevia seus pensamentos superiores com calma e vinho. Religião era um tema sempre presente em suas reflexões por ser melhor do que o ateísmo em termos de literatura, nada além disso, obviamente. As melhores citações vêm dos deuses e de seus desejos, pois o professor identifica o desejo como principal característica dos deuses, inclusive do nosso Todo Poderoso monoteísta, Ele, como escrevem, em caixa alta. Além do mais, as religiões sempre têm rios a atravessar, como o Jordão e seus afluentes, irrigando uma planície de trigo, uvas e azeitonas, e depois os mares, mortos e vivos ao mesmo tempo, como o gato de Schrödinger. Enfim, o professor era dado a ruminações, às vezes confusas, mas ele dava um jeito de levá-las à sala de aula de modo organizado. Curto e grosso, como sempre dizia a menina, sentada na primeira fileira, saia curta, igual a filme pornô, embora sempre fizesse perguntas muito pertinentes – algumas até melhores do que as respostas.

Segundo período de Filosofia.  Era professor mais cobiçado, por sapiência e marketing, tanto faz. Todos queriam aulas daquele homem de livros publicados e canal no Youtube. A moça, de 24 anos, sentia-se uma sumidade. Escolheu o professor por seu niilismo charmoso, roupas casuais até demais, e uma enorme capacidade de convencimento. Quase uma técnica. Suas frases saíam em forma de ondas; só que ondas imprevisíveis, cheias de reviravoltas, inclusive no campo moral, em que determinados comportamentos eticamente aceitos, pareciam coisas abomináveis ao professor. Ou o contrário: práticas condenadas pelos departamentos jurídico e religioso, na verdade deveriam estar abertas, sem preconceitos, como a questão das drogas. Vale ressaltar que o professor não era um usuário e só às vezes, em festas da universidade, dava umas tapinhas numa inocente maconha. Só para ser coerente com suas ideias e, claro, para não quebrar aquele círculo tão naturalmente construído. Indo nesse caminho, e até falando um pouco de suas próprias elucubrações, ele conseguia satisfazer todo mundo sem precisar dar um fecho na história; deixava no ar para amadurecer naquelas cabeças juvenis e levemente histéricas. Ela, no entanto, estava mais atraída pela possibilidade de confrontar o professor, jogá-lo no canto da parede, sem chances.

Não rolou. O professor escapava de todas, com requinte, consciente da armadilha, mas fazendo que não. A coisa terminou virando um jogo apreciado por ambos e pelos colegas da classe. Uma encenação sempre esperada, em que ela perdia com prazer, extasiada diante do professor, mas sempre esperançosa de pegá-lo de algum jeito. O jeito foi partir para a ignorância e seduzi-lo. Há todo um jogo, cujos transcorrer e regras são demasiados longos para o espaço disponível. São também difíceis de descrever. Ficam para depois.

Seguro de si, ou jeito de seguro de si, o professor entrou na sala de aula para mais observações sobre o absurdo da existência, embora detestasse o existencialismo. Ele achava que havia criado uma doutrina própria, mas não tinha certeza, poderia ser retalhos de outros autores, pois nas ciências humanas não há aceleradores de partículas para detectar os modos de encarar a existência. Tinha algumas restrições, como não transar com alunas, e a moça de óculos havia chamado sua atenção. Especialmente a calcinha branca. Ele maldisse tais pensamentos, tão animalescos, e começou a falar para sua turma. 
 
Nesse dia realmente atrapalhou-se. Não no conteúdo. Na forma. Enquanto dissecava com toda vontade de potência que as leituras de Nietzsche lhes deram, não parava de olhar para a calcinha preta, desta vez exposta de forma mais expressiva.  A cena foi percebida por todos, entre o espanto e o voyeurismo, numa situação da qual o professor safou-se ao dizer que o comportamento humano está sujeito a condições bizarras, como a que se passou, e prometeu que na próxima aula trataria do assunto de maneira mais ampla.
Só que a menina esperou por ele, lá fora, encostada no carro como uma pinup num car wash, acenando com mãozinhas falsamente inocentes, acenando e dando saltinhos, como uma cheerleader, mas num estilo a fazê-lo entender que tal performance era caricatura, uma encenação jocosa num final de tarde.  Talvez dessem uma volta por aí, e talvez discutissem mesmo a sério e, depois disso, espontaneamente, ocorresse o inevitável. Assim ocorreu.

O professor estava encurralado em seu próprio desejo; um desejo de deuses, poderia pensar, mas não era isso que pensava quando entrava na sala. Pensava num fraquejo teórico, numa queda ética. Mesmo porque a tentação era diária. Ela sempre na frente, do mesmo jeito, tentando massacrá-lo em público, citando frases de alcova, e respectivos pensadores, e transformando estas em contradições para acertá-lo. O que ela queria dizer: você é uma fraude e por isso aconteceu. Você foi desmascarado na essência, pois tudo que pensava deixou de existir; a potência deixou de existir. Ela pensou em tudo isso, mas não disse nada. Apenas deixou que ocorresse mais vezes, enquanto ele mergulhava no desconforto de sentir-se canalha.

O desejo era maior e mais amplo. O desejo teria que ser expulso, por causa de suas consequências morais e filosóficas, muitas vezes nefastas. Mas não havia jeito. O sol filtrado da janela da sala batendo em sua camiseta fininha, formando tiras - com luz, sem luz, a beleza quando jovem, e a reunião dessas cenas não lhe soavam bem, tinha cara de romance barato, tinha o realce da canalhice, e poderia ocupar parte de sua mente, talvez até afastando pensamentos mais densos de sua área primordial. O desejo, no entanto, não se apegava a detalhes. 

2.

O velho é daqueles que descobrem uma novidade com anos de atraso e sai com essa novidade adiante, convicto, tentando provar que, descoberta por ele, a história, embora conhecida de todos, ganha o direito de repetir-se, numa segunda versão mais aprimorada. Mais ou menos assim: foi descoberta por pessoas que não souberam interpretá-las. Agora eu estou aqui para esclarecer e iluminar.

Podemos até supor que é ensimesmamento em estado bruto, a certeza de quem já passou por tudo, mas no fundo um orgulho sempre ferido, disfarçado de altivez. Talvez, não. Ele procura apenas justificar sua defasagem, tentando consertar a situação para não parecer atrasado e velho. O certo é que dá opinião sobre tudo, falada e por escrito, pois tem a ânsia de estar por dentro e gosta de plateia, mesmo as condescendentes. Mas acho que seu maior prazer, infinitesimal para os jovens, é sentar-se sozinho e escutar uns boleros do seu tempo.

3.

Meu trabalho é manejar a opinião pública. Com minha expertise, posso fazê-la pender para um lado ou outro, ao gosto do freguês, e ainda dou garantias de até um mês, quando não se não falará em outra coisa, a não ser sobre você, ou não se dirá nada, caso seja o caso.

4.

Nessas horas, sempre eu me fodo, pois acredito, vou em frente, mas ninguém me segue, e termino aguentando as consequências sozinho. Tudo combinado. É amanhã, às 8 horas, e lá estou com o equipamento, tudo em cima, e nada dos meus amigos. Volto para casa, penso naquilo um pouco, e mais tarde estarei pronto para o que der e vier.

sábado, 28 de maio de 2016

Esquecimentos



A vontade de escrever já me deixou. Não escrevem mais, por isso também perdi a jeito, e não existem mais envelopes com as cores do Brasil nem espátulas abridor de latão cromado nem selos nem raros papéis nem carimbos dos correios e telégrafos. São coisas que somem, com o tempo, e dão lugar a outras, sempre mais práticas. Também não escrevi porque não queria evocar a poesia dessas antiguidades; tem gente que gosta. O tempo das cartas, dos telegramas e de outros sustos vindos de longe já foi embora há muito anos, mas entendi o seu desejo fora de hora de receber uma carta, via aérea, como antigamente.

Agora, as palavras viajam em outras linhas, ondas-partículas, e se perdem no espaço depois de lidas. São efêmeras, fugazes e fugidias e por isso tenho agora, neste momento, a imensa dificuldade em reuni-las para explicar o que se passa, uma vez que você perdeu a lembrança do presente e vive no passado, num ponto do passado. Abre o portão de ferro rebuscado, hoje ferrugem, e pega do carteiro o envelope, postado em 1956, quando eu ainda não havia nascido.

Em letra miúda e firme, treinada no caderno de caligrafia, a carta dava conta da saúde dos seus e das mortes na cidade. Recebeu da amiga a descrição de uma festa em papel pautado, nonsensibilidades sobre pessoas estranhas à mesa, homens chegados da capital, cheios de vigor e cheiro de álcool. Correu logo para a resposta, três páginas, igualmente escritura perfeita, envelope fechado com goma arábica, selos da Princesa Isabel e Getúlio Vargas.

A cena se repete. Só existe o ano da graça 1956 na mente da senhora que quer a carta e esqueceu-se de outros anos, outros nomes e quase tudo.

&

Acorda na casa de uma desconhecida depois de uma noite de muitas ocorrências e poucas lembranças. Houve uma grande discussão a respeito de uma banalidade qualquer – ele recorda de um pedaço – e dai seguiu-se uma troca de insultos generalizada e este corte na cabeça deve ter sido por causa disso, ele pensa. Nu, sangue talhado, ressaca zunindo na cabeça e provocando taquicardia. Alguém acende a luz no quarto de janela fechada e ele não sabe dizer se é dia ou já outra noite, e não sabe quem é a dona da casa e daquele quarto cheio de retratos de atrizes do cinema em preto em branco, entre elas Kim Novak, com jeitinho sedutor.

Há dias nessa batida, deixando-se levar, sem medo, apesar da ressaca e apesar de não saber onde está. Não é a primeira vez. Já acordou em outra casa e ao abrir a porta do quarto viu um monte de gente sentada a mesa, esperando por ele, perguntando se dormiu bem. Ele estava tonto porque nunca vira aquele pessoal antes. Todos eram cordiais, como cordial é agora a dona da casa, ao abrir as cortinas, e dizer que está na hora do trabalho. Parece cena de filme, mas é real, embora nunca ele nunca tenha descoberto o nome dessas pessoas que lhes dão abrigo e conforto com certa frequência.


terça-feira, 26 de abril de 2016

Em órbita



Antes eu queria chegar aos fins logo de saída, mas tenho mudado, não vou direto ao assunto, pois agora cuido de enxertar histórias paralelas e só tomo a iniciativa depois de um enorme cruzamento de dados, com rigor científico, baseado em experiências e teorias. Sou um novo homem.

É um trabalho penoso e longo. Não se decide numa festa, só com olhares e conversas, sob o som nas alturas. Requer tempo. O último durou quatro meses. A primeira tarefa é ouvir. Deixe-a falar e só a interrompa se tiver algo grandioso em mente. Algumas não gostam de interrupções mesmo nesse caso, ou especialmente nesse caso. Por quê? Porque eu passaria a ideia de estar pensando na próxima frase – ao invés de prestar atenção a ela. Portando, atenho-me apenas à história da moça, sem esboçar qualquer trejeito sugestivo, gracioso; comporto-me como se estivesse em sua história, dentro, no meio, observando calado e vigilante qualquer movimento dos personagens e das coisas.

Depois, chega a minha vez. Antigamente, antes de aprender isso, eu teria entrado com outra conversa. Não. Tenho um repertório de perguntas, sinceras e pertinentes, capazes de fazê-la falar mais ainda, revelando, desta vez não apenas o conteúdo, mas também a forma, seu jeito de contar, uma imensa alegria em contar, o risinho mais lindo deste mundo. Mas não mostro entusiasmo. Estou vidrado nas descrições detalhadas de seus casos passados e de suas aventuras nas savanas, em seus tempos de leoa.    

Haverá o meu momento. Ainda não o momento do espírito da carne, nenhum sinal nesse sentido, mas a hora de mostrar meus predicados de forma vendedora, com pegada, como dizem, e salpicar sobre o conjunto umas tiradas de bom humor e citações obscuras. Aprendi a não ser pedante nem humilde, nem carente nem metido, e aprendi que é possível enfiar um Spinoza aqui e acolá com naturalidade e jeitinho, vocês precisam ver. 

No meio do caminho, no entanto, posso descobrir que não vale a pena.Não a pessoa, mas nossa junção e seus desdobramentos. A causa? A possibilidade de conflitos e ciúmes, paixão exacerbada e finalmente o trágico momento da separação. Às vezes, nessas horas, penso em ir embora, nunca mais voltar, encerrar aquilo que ainda não é quase nada. Pressinto o problema. Só que não saio nem me resolvo, porque ela atrai e repele ao mesmo tempo, e entro em sua orbita, girando nas histórias; a atenção sincera, sem planos, apenas o giro em torno dela, na distância requerida. 

quinta-feira, 21 de abril de 2016

A felicidade que se compra



De vez em quando a felicidade irrompe. Dura mais ou menos uma hora. A paz se instala num só canto da imaginação inquieta, produzindo uma terceira coisa, não nomeada, mas confortável e agitada ao mesmo tempo, como se isso fosse possível – e talvez seja.  Ninguém imagina que a felicidade estará em breve, em todos os mercados, vendida como Iphones.

No início, o homem vivia a questão acima, mas longe dele querer passá-la adiante. Estava interessado em si próprio, em sua relação com o mundo particular que construiu em anos de pesquisa. Felicidade para uso privado. Apenas ele experimentava a doce sensação de uma hora inesquecível, pois serviria também à memória, sobrepujando, com o tempo de uso, todas as situações desagradáveis registradas. Nesses momentos, o personagem apresenta certo ar operístico, especialmente quando contempla o Atlântico. Ele não olha para o mar - contempla o Atlântico. Usa suspensório. Um egoísta, portanto. Um homem com todos os defeitos do mundo e que é capaz de ser genuinamente feliz – misteriosamente feliz por uma hora – e ainda refletir sobre sua posição nisso tudo.

O tempo passa e problemas práticos aparecem. Eis que é preciso vender alguma felicidade para sobreviver e manter o vício. Tempos de fusões e aquisições. Também uma oportunidade de ser mais feliz ainda, por mais tempo, na condição de criador desse ramo da satisfação e do prazer.

O empreendimento ainda não começou, mas está em planilhas, bem traçado, e o plano de negócios inclui um detalhado perfil do consumidor. Quase todo mundo deseja o produto. O que se discute agora – e nesse ponto entram mais personagens, os executivos - é como lidar com as acusações de que o homem está vendendo uma felicidade ilusória e, além disso, com efeitos desconhecidos, também capazes de desviar as pessoas de sua vida diária, influir na produção de bens e serviços e por fim arruinar a economia do País.
- Não é ilusão, explica o homem, em sua conferência aos acionistas, deixando transpirar segurança nas afirmações. Não é ilusão, segundo ele, porque o produto passou por todos os testes de realidade e se saiu bem.

- Oferecemos uma situação completa, tão real quanto a real – acrescentou o personagem, claramente sob efeito de sua hora de felicidade. – Não se trata da criação de um novo mundo, mas da imposição da vontade individual; quero isso, quero aquilo, e logo os objetos e situações estarão a seu dispor, portando os mesmos átomos do dito mundo real. Dura pouco, tudo bem; mais do que uma por dia mata, vá lá, mas é o melhor que temos a oferecer no momento. Há gente que passa a vida inteira sem sequer vinte minutos de felicidade digna de ser lembrada. Agora temos uma hora, todos os dias; mais na frente, quem sabe, teremos mais tempo, até chegarmos ao dia inteiro.

- E depois? – perguntou um acionista, no auditório.

- Depois a gente vende algum tédio?


sábado, 9 de abril de 2016

Curvatura


Mundo carregado de indecisões e pânico. Enquanto avalio o risco de tantos entretantos, tento adiar o beijo nos lábios de geometria difícil, pois eles se curvam e brilham sem batom e nada insinuam além de apenas existirem. Suficiente para o desejo ir em frente, sem saber se é perto ou longe. A luminosidade engana, conforme aprendi ontem, e penso agora, nesse encontro que pode terminar em salvação ou calvário.

O problema é o que acontece depois. São lábios de cinco dimensões, e de outras extras, escondidas, e não se pode beijá-los por diversão, apenas, sem oferecer-se à possibilidade do abismo. A partir do beijo, a coisa muda. Porta do desconhecido. A vida por um fio.

Mesmo assim pode valer a pena, eu pensei, seguindo segundos para perto do rosto-boca, este esperando e também em dúvida. Seria um percurso previsível e natural, dentro das teorias, mas armou-se uma proteção silenciosa, infinitesimal, no momento X.   

Operação abortada.


- Como eu ia dizendo... – eu disse, enquanto retornava meu rosto à origem.

sábado, 19 de março de 2016

Mal-agradecidos


Saído das nuvens, o Deus Todo Poderoso estava enfim visível, mostrando sua cara do tamanho do sol, cheio de energia – 3,83 x 1033 ergs/s de ergs/s - e bem humorado. Não era esperada uma figura assim, tão descontraída, pois antes dela reinava em nossas mentes a ira do senhor, uma imagem severa anunciando o fim dos tempos e amparando os seus. Não. Deus veio só dar uma olhada e pôr fim à descrença geral. Só faltou dizer “vejam aqui, eu existo, mas nem foi preciso. Contudo, a sensação de júbilo, aos pés da Providência, não durou muito.

Não O víamos direito por causa da luz, mas Ele falou. Todos prestaram atenção quando Deus falou em vida eterna, depois da morte, ou antes dela, sabe-se lá. Nessa hora as pessoas ficaram confusas, sem saber se acabariam na terra ou teriam uma existência infinita. Deus falou por parábolas e não houve rodada de perguntas.

Mas Ele não perdeu a elegância e a humildade. Estava lá, bilênios depois do início de tudo, cuidadoso para não interromper nosso cotidiano, escolhendo as palavras para não ofender ninguém, embora estivesse se dirigindo a todos. O curioso é que nenhum de seus filhos aqui na Terra foi citado. Preferiu conversar sobre física e futebol. Ele disse também que não tinha controle sobre nossas vidas. Uns acharam bom; outros, ruim. Muito mais gente achou ruim.

Apesar da indescritível aparição, assim, sem mais, as pessoas passaram em seguida, questão de minutos, depois do susto, a questionar a utilidade daquela magnificência. Se o negócio da vida eterna continuou no ar e se Deus não conduz nossas vidas, para que, afinal, Ele serve? Ou, por outra, o que ele veio fazer aqui?

Impressionante como as coisas perdem valor neste planeta. Um acontecimento daquela grandiloquência logo é tratado como inferior às expectativas, e houve aqueles que deram as costas para o show, foram embora. Um anticlímax para a maioria. Todos pretendiam um Deus mais centralizador, ciente de todos os atos de cada um, um por um, e ainda responsável pelo que se passa no universo, no meio das estrelas e no coração da matéria. Deus, no entanto, disse que era apenas um estudioso do assunto. Dai a decepção.

Enquanto Deus mantinha a custo uma pequena plateia atenta, a maior parte entediou-se com a apresentação e depois veio um sentimento mais complicado, de abandono, uma vez que o Todo Poderoso não era tão poderoso assim; mesmo com sua potência equivalente a 10 bilhões de grandes hidrelétricas. Poderia ter usado esse arsenal contra nós, e faria ali um Armagedon, caso quisesse, mas Deus, ao contrário do que pensam, não tem planos. Tem bom senso. Mostrou que jamais faria uma maldade daquela com a gente.

O essencial, porém, virou detalhe. Não perceberam a verdadeira bondade, quase inconsciente, daquela criatura em resplendor. Eu fiquei e via homens, mulheres e crianças desdenharam o ato, apesar do ineditismo, alguns com considerações intelectuais, sentindo-se superiores. Todos esses tinham uma opinião.  

Para o ateu a presença de Deus era ao mesmo tempo a negação de sua existência. Sem perder o estilo, Deus explicou que possui algumas funções esperadas, e citou como exemplo sua capacidade de estar em vários lugares ao mesmo tempo. Não adiantou.  Argumentaram que um elétron, bem menor do que Ele, faz a mesma coisa. Os crentes adotaram outra versão: o verdadeiro estava por vir e aquilo era só um sinal.

A atmosfera incendiada de cores e a boa dicção do Criador, ou mero observador privilegiado, seja como for; nem isso, nem a queda de tarde com a suma surpresa; nada, nada prendeu os espectadores até o último ato. Além da demora, o inconveniente dos olhos ardidos de tanta claridade. O principal é que esperavam mais do Supremo.

Deus tentou de tudo, a meu ver; tentou fazer piada com a situação – e nisso foi sutilíssimo –, tentou prender a atenção com alguns truques, mas o grosso da plateia já se dissipava. Ficaram aqueles realmente pios, os que não queriam constranger o visitante e uns vagabundos. O show foi perdendo plateia, ora aos poucos, ora em turbilhão, e chegou a um ponto em que restamos nós, bem poucos, em se tratando do que se tratou.

Ao final de um longo e penoso dia, Deus partiu.


segunda-feira, 7 de março de 2016

Personagens desnecessários XI


Elói

Algumas pessoas fracassadas têm forte autoestima e assim levam a vida, minimizando aqui e ali, como fazia o artista da pequena cidade onde eu nasci. Artista autodenominado, pois todos o conheciam apenas por ser Elói, o coitado, um cara sem emprego. Elói era um homem de diversas artes – da capoeira à literatura -, mas nenhuma delas nunca lhe deu um tostão durante a vida. Tinha muitos planos não realizados – continuam de pé, sempre dizia – e pequenas mentiras incorporadas à verdade no decorrer dos anos. Caso de uma viagem a Paris, nunca feita. Por trás de dele, no entanto, todos lamentavam perversamente sua falta de talento.

Mas as pequenas cidades são generosas, no final das contas.  Hoje existe um busto de Elói diante do paço municipal.

O parto

Os gêmeos nasceram disputando espaço, desde o útero, um tentando deixar o outro para trás na hora do parto, cabeça contra cabeça, uma competição selvagem, batalha de vida ou morte no líquido amniótico. Suspensa as vias naturais, dada a violência da briga, a cesariana tornou-se um espetáculo pavoroso, nunca visto na obstetrícia, pois os bebês se engalfinhavam e quando tinham chance erguiam a mão, em busca de resgate, num choro que parecia grito. Saíram dois estranhos ofegantes, e o primeiro a ser puxado esboçou uma cara de desdém para o segundo, que exibia revolta e estava vermelho de raiva. Como Ares e Hefesto, filhos de Zeus, e Caim e Abel, filhos de Adão, os gêmeos estariam destinados a uma vida de conflito permanente. O médico, no entanto, tranquilizou os pais: “a concorrência é saudável em nossa economia de mercado”.

Claustro


Não havia nada a ver pelo buraco da fechadura. Só uma claridade branca, estourada, equivalente ao escuro em termos de observação de movimentos. Ou pior, pois não se podia lançar uma luz naquele ambiente, uma vez que a luz já estava lá com toda sua força.  O que restava era a casa, a porta, e só era possível olhar para trás, onde estavam os móveis e não havia janelas.

quinta-feira, 3 de março de 2016

Graciliano



Basta olhar. Um matagal sem gente quase de ponta a ponta da propriedade, pouca área de pasto, nenhum gado, dinheiro curto para comprar animais de qualquer espécie. Então suponho que tal herança não será de grande valia. Uns dizem para investir; outros para vender. Enquanto isso, gasto o que tenho com a manutenção da casa. Não é grande coisa, embora confortável. Três quartos e uma varanda em forma de U, abarcando quase toda a paisagem. Salários para morador e empregada. Não sei quantos hectares em volta sem nada plantado. Tem mais: não entendo de agricultura nem sei imitar Paulo Honório.

Invisível

Apenas vim apreciar o espetáculo. Há muito tempo é assim. Olho e não participo, pois a diversão alheia me parece suficiente, enquanto o interesse por mim mesmo – eu sozinho, eu com outros – a cada dia torna-se mais rarefeito e sem graça. O que faço é planejar a visão seguinte, de gente e de coisas, desde o casario colorido à saia levantada pelo vento. Mesmo as ruas vazias, os insetos em busca de abrigo, a noite silenciosa e o barulho do trânsito são mais atraentes do que meu pensamento, minha visão do mundo e minhas sensações físicas. Só almejo a invisibilidade.

Um cão

Tudo começou quando matei o cachorro dela com o cinto de segurança. Foi sem querer. Ao desatar o cinto, o cinto agiu como um estilingue na cabeça do cão, acertando-o com a parte mais dura, a do encaixe. O animal deu um grunhido, um só, e o coração parou de bater. A reação dela foi além do que se espera em face da morte de um bicho, mesmo de estimação. Ela deu um uivo de horror dentro do carro e olhou para minha cara com o ódio de inimiga. Abraçada com o morto, culpou-me aos gritos pelo assassinato de Astor, um poodle, e embora tenha sido culposo não houve atenuantes. Assassino, ela me disse, enquanto os olhos se reviraram de desespero.

Mãe

Uma correria na cozinha, enquanto o forno queima os bolinhos, enquanto a mãe mexe a panela com chocolate, cuidando para não desandar, criar bolhas, pois dessa forma a cobertura não estará de acordo com sua fama de doceira, tão difundida na família, mas apenas por agrado, ou compensação. Os bolos da padaria são bem melhores e se fossem feitos por mães, seriam mesmo notáveis. Só que a mãe vive dessa fantasia, real para ela, e todos cuidam para não desfazer a única coisa que a mantém assim, sempre disposta e empenhada em manter a família unida, pelo menos diante de seus olhos.

Viagem


Soube que ele foi embora. Embalou as coisas, fechou a porta, entregou a casa. Não comunicou o destino. Por enquanto só temos deduções, pois havia no lixo um prospecto sobre o Laos e um livro rasgado sobre Saturno.  

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Personagens desnecessários X


Não conte comigo para achar lógica nas coisas. Não sou bom nisso e você tira por minha vida, onde sempre fiz o contrário do que deve ser feito, nunca segui manuais, preferi erro e acerto, a maior parte erro, e às vezes chego num canto, num fundo, num muro e esbarro em outras coisas que impedem até mesmo as tentativas ou as tornam desnecessárias. Nesse estado me encontro agora, enquanto você pede conselhos para seu infortúnio, bem menor do que o meu, quase nada em relação aos problemas que não tenho enfrentado ultimamente, pois prefiro ficar à espera, parado no tempo, e este é outro problema, senão o maior de todos. Mas também é uma solução.

Só aos detalhes me apego, num voo da abelha, por exemplo, e deixo para amanhã ou para nunca uma entrevista de emprego, a arrumação da casa e o cuidado com a saúde. Meu cabelo cresce e não aparo, adio ainda o dentista, porque adiei o trabalho que faria para pagar o dentista, e deixo para outra hora a abertura de envelopes de cobrança, o condomínio atrasado e uma conversa com Adélia, cujo tema já é conhecido e chato, o mesmo de sempre, se ajeite, acorde, saia dessas etc.

Você tem um problema. Eu tenho um entrelaçamento de problemas e espero que todos se revolvam por si próprios, a partir do nada, prescrevam, percam a validade, deixem de importar, sei lá, qualquer acontecimento fora do normal, um milagre, talvez. O monstro só faz crescer de forma desordenada, e algumas partes dele ganham mais urgência do que as outras, virando uma bagaceira em que não adianta resolver nem mesmo o problema principal, porque ficaria sem forças para os de menor porte. Os problemas secundários, não tão secundários assim, trabalham de forma independente e cada um guarda seu grau dificuldade. Entende? É como estar num caso crônico e agudo ao mesmo tempo.

Sou, portanto, menos preparado nessas horas. Não trato de mim, como tratar dos outros? Por sorte existem diversos na mesma situação, conheço vários, e com eles convivo num clima mais confortável. Ninguém cobra ninguém para não lembrarem-se da própria inércia e dos planos preteridos. Fugimos desses assuntos, como se não existissem, pelo menos na hora em que tomamos umas cervejas e outras coisas e deslizamos na conversa mole, nas frases sem sentido, no voo de uma abelha sobre nossa mesa, no mesmo boteco, onde penduramos contas e parte da vida.

Sempre estamos esperando por mudanças, mas nem tanto, às vezes só o acaso resolve, e por isso, por não mexer uma palha para a ocorrência de algo, seja o que for, é que simplesmente perdemos a noção de que as dificuldades se avolumam de qualquer jeito, por conta própria, enquanto a resolução de certos casos, ou de quase todos, requer a nossa presença. Nós não saímos do lugar. O que acontecer, aconteceu e pronto. Também fingimos que não temos demandas morais. Tudo fica por conta do momento, um atrás do outro, numa sequência de noites, porque dormimos durante o dia.

A pergunta é por que vivo e vivemos assim e não de outra forma, seguindo a rotina e a regularidade, respeitando as convenções e os expedientes. Não tenho resposta. Especulo apenas – e não espero ser seguido por você em minha experiência. Especulo apenas que a vida é breve e os tijolos empilhados cairão de uma forma ou de outra, em algum instante, seja você um empreendedor ou um vagabundo. Pelo menos sorvo o real – ou próximo disso -, em doses de álcool, sexo ocasional e na mais doce experiência humana – o sono. Não falo dos sonhos. Apenas do momentum em que deslizo para a inconsciência, ainda sabendo quem sou, e quando acordo, espero repetir a mesma dormência dos sentidos.


Há muitas desvantagens sociais nessa forma de vida, mas fosse o contrário, fosse eu um homem de intensas possibilidades e negócios, em algum instante, quando se apagarem as sensações, tudo dará no mesmo.