domingo, 7 de agosto de 2016

A Organização (trecho)


Eu encarava o velho com certo destemor, embora com o respeito requerido pela organização. Minha tarefa é entrar em cena quando algo nos ameaça, desde segredos revelados a mortes não esclarecidas. Ele responde pelo segundo item. Embora seja o chefe, sabe que nosso projeto é maior, e sabe onde estão os verdadeiros chefes, cuja vivência com o mundo do crime é apenas eventual e se dá por meio de profissionais como eu. Certas coisas precisam ser comunicadas, até para controle interno, e o sumiço dessa gente tinha sido determinado por ele, o chefe, criando um hiato de poder entre seu mundo e o nosso.  Não matamos ninguém; apenas entregamos um problema para solução e o chefe resolveu da pior forma possível.

O porte continua o mesmo, ensimesmado, numa cadeira de madeira de lei maciça, sobre uma enorme mesa de trabalho e lazer.  Ali poderia decidir sobre a vida e a morte, enquanto era chupado por uma subalterna, ou subalterno; não fazia distinção. Em seu trono marrom, no cenário de papel de parede cobalto e obras de arte, o homem apenas estirou as mãos para o alto, com desdém, e disse: “assim seja”.

Levei-o à sala onde havia outros homens – interrogadores e analistas de risco -, capazes de nos dar uma visão mais detalhada das atividades do chefe. Eficiência, por um lado, e estardalhaço, por outro, não são bons para os negócios e ele começou a apresentar esse estilo, quase num padrão, causando transtornos ao mundo do qual não faz parte, que é o mundo dos homens de bem. Queria que ele soubesse, de saída, que não haveria muita gravidade em ele próprio encerrar tudo rapidamente, dispensando o serviço desses homens, vindos de outro mundo também desagradável.

Bastava contar por que matou as pessoas. Pessoas que não eram para estar mortas, apenas assustadas, pois dessa forma poderiam deixar de intrometerem-se nos negócios alheios. Fico imaginando que se tudo isso ocorre no ramo financeiro, ocorre em outros lugares ou em quase todos. Uma parte legal, outra criminosa. Queremos o mínimo contato com esse povo, mas naquele momento era necessário.

O chefe poderia apontar uma solução, a saída com outros culpados, o sacrifício de capangas fieis, capazes de ficarem calados mesmo sob tortura. Ele parecia não ter muito a temer e parecia querer chegar à comissão com sua versão dos fatos. Queria mesmo falar com os inquisidores e a eles cobraria uma parcela vencida do serviço.

Mais tarde, diante dos analistas, explicou que o desfecho do caso não fora acidente ou desleixo; as duas moças espernearam demais, gritaram muito e prometeram que saindo dali iriam aos jornais contar tudo, se é que não já contaram, antes de morrerem, naquelas condições. Ocorre que o site do jornal já dera a notícia, cheio de insinuações, recorrendo a possibilidades para o desaparecimento das moças. Nenhuma nos citava, graças à segurança que mantemos nessa área. 

O chefe parecia garantido diante dos representantes do cliente. Mas eram homens impermeáveis à emoção e logo eles se adiantaram, em busca da única razão de suas vidas: resultados. Ouviram as explicações do chefe, anotaram até os insultos, e no final fizeram o que vieram fazer: um tiro seco, impessoal; o corpo ensacado numa rapidez de Drive Thru. Os homens sumiram. O culpado só apareceu mais tarde, no Instituto de Medicina Legal, e era o chefe, o matador das moças, cuja história de seu bando cruel renderia o de sempre, morte em tiroteio de um sujeito mau.


Não deixo rastro. Nada. Tudo é terceirizado. 

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