quarta-feira, 17 de novembro de 2010

As guerreiras de Tejucopapo

A luta foi desigual. Cerca de 500 holandeses, fortemente armados, saíram da Ilha de Itamaracá, em Pernambuco, para saquear a pequena aldeia de São Lourenço do Tejucopapo, hoje distrito de Goiana, a 63 quilômetros do Recife. No local, quase não havia homens para resistir ao ataque. Restava basicamente uma tropa maltrapilha de mulheres - a maioria agricultoras de origem indígena. Mesmo assim, naquele abril de 1646, travou-se ali uma batalha épica, de fortes contra fracos, que entrou para história por ter terminado com a vitória do improvisado exercito feminino e a expulsão dos invasores.

Maria Camarão, Maria Quitéria, Maria Clara e Joaquina estavam à frente desse combate e, segundo historiadores, elas e suas companheiras usaram como armas objetos rústicos: estrovengas, paus, pedras e chuços – espécie de lança para catar crustáceo. Tachos com água fervente e pimenta foram especialmente preparados para peleja. O alvo eram os olhos do inimigo. Desnorteados pela ardência da mistura, os soldados holandeses caíam estrebuchando nas roças ou na única rua do povoado.

Avisadas da invasão, as guerreiras de Tejucopapo adotaram a mesma tática de guerrilha de seus homens que, no momento da batalha, se encontravam no Recife, vendendo caranguejos, ou envolvidos em tocais em outras plagas do litoral norte pernambucano. Sozinhas, elas preparam a resistência: construíram cercas paliçadas, cavaram trincheira e planejaram emboscadas. Na hora “H” também partiram para o luta direta, aos gritos, movidas pela fé religiosa e pelo desejo de defender a terra. Mais ardorosa, a líder Maria Quitéria seguia à frente, com um crucifixo em punho, bradando orações para os santos mártires Cosme e Damião. Os holandeses, então recuaram por algum tempo, mas voltaram para vingar seus mortos. Nessa investida, com machados e alfanjes (espécie de sabre), derrubaram paliçadas e mataram um número de mulheres até hoje não calculado.

A vitória holandesa, no segundo pico das escaramuças, parecia assegurada. Mas a resistência seguiu o ritmo do primeiro ataque, com nova carga de água fervente com pimenta. Estropiados, os soldados flamengos resolveram partir em retirada, pois àquela altura alguns homens nativos já estavam a caminho de São Lourenço, com suas espadas e espingardas. No final da sangrenta batalha, que durou quase todo o dia, havia 300 cadáveres holandeses no chão. Os sobreviventes correram para o porto, em busca de suas barcas de remo e vela, deixando para trás apetrechos de guerra, mantimentos roubados e corpos ensanguentados. Nunca mais voltariam ao povoado.

De acordo com a professora Luzilá Gonçalves Ferreira, pesquisadora da história das mulheres em Pernambuco e autora do livro “Mulheres e Abolição da Escravatura no Nordeste”, os holandeses foram até o aldeamento porque, já nos estertores da dominação em Pernambuco – e sem a presença de Maurício de Nassau , que voltou à Europa em 1643 -, armazéns do Recife e de Itamaracá se encontravam vazios, pois custavam a chegar alimentos do Recife. Famintos, mas bem armados, tiveram então que procurar provimentos mais ao norte. Tejucopapo tinha um porto e era passagem para o fértil povoado de São Lourenço.

No povoado, os invasores poderiam encontrar – e saquear - plantações e engenhos. “Sabiam [os holandeses] que em seu distrito havia roçarias de mandioca em muita quantidade, por ser a terra fértil e abundante delas, e muitos legumes e frutas de espinhos; e matando os moradores desta povoação antes que pudessem ser socorridos da nossa infantaria de Igarassú e da Goiana, de que era capitão maior Zenóbio Aciole”, registra Diogo Lopes Santiago, em “História da Guerra de Pernambuco”.

A historiografia brasileira assinala 400 baixas nas linhas flamengas e dá a Maria Camarão a primazia de ter convocado as mulheres para a guerra. Para os holandeses, o número de mortos não passou de 70. Em seus escritos sobre os fatos, o viajante Joan Nieuhof (Uelsen, 1618 - Madagascar, 1672) dá a versão dos invasores. “Considerando que a escassez de provisões constituía um dos principais obstáculos a serem vencidos do nosso lado”, escreveu ele, “julgou-se necessário estabelecer um pequeno acampamento perto de São Lourenço. Na narrativa de Nieuhof, que esteve na Índia e no Ceilão a serviços da Companhia das Índias Ocidentais, o efetivo era bem menor: “para lá foram enviados os tenentes Huykquesloot e Hamel, com 35 homens cada um, o primeiro procedente de Igarassú e o último de Muribeca, bem como o Capitão Wiltschut com mais 50 homens, do Recife, e Johan Listry, comandante em chefe dos brasileiros”. Pelo relato do viajante, o destacamento holandês era assim constituído:

Companhia comandada pelo Capitão Klaes Klaesz - 9 homens;

Forte Quinquangular (Cinco Pontas) - 25 homens;

Forte dos Afogados - 25 homens;

Itamaracá, sob o Comando do Capitão Willem Lambertsz - 50 homens;

Voluntários de Itamaracá - 30 homens;

Brasileiros (nativos) - 150 homens.

De qualquer forma, pesquisadores como José Bernardo Fernandes Gama (“Memórias Históricas da Província de Pernambuco”), Antônio Joaquim de Mello (“Varões Ilustres de Pernambuco”) e Pereira da Costa (“Anais Pernambucanos”) dão ao feito o caráter de “heróico”, baseados em grande parte em relatos de “O Valoroso Lucideno”, de Frei Manuel Calado, contemporâneo de tais acontecimentos. “Não sei se podemos chamar de ‘batalha’ os combates havidos em Tejucopapo”, afirma Luzilá, “O certo é que a derrota holandesa é descrita como resultado de uma espantosa coragem das senhoras que enfrentaram o inimigo com as poucas armas que possuíam”.

Século XIX – Contudo, até o início do século XIX, a resistência contra os holandeses em Pernambucano se restringia ao heroísmo masculino, representado especialmente nos atos de bravura do senhor de engenho André Vidal de Negreiros, de João Fernandes Vieira, do afro-descendente Henrique Dias e do indígena Felipe Camarão. Tejucopapo, esquecida por quase dois séculos, só ganhou alguma referência quando o País começou a construir sua identidade nacional e, de certa forma, a escrever sua história com mais objetividade e respeito às fontes documentais, seguindo a tradição germânica.

A partir da metade do século XIX as mulheres de Tejucopapo já tinham alguma notoriedade. O historiador Antônio Joaquim de Melo lembra que ao visitar Pernambuco, em 1859, o imperador Dom Pedro II foi ao povoado de São Lourenço para ver “o lugar onde as heroínas tejucupapenses, essas amazonas que se imortalizaram na história, roubaram aos homens a glória de defenderem a pátria contra o domínio estrangeiro”.

Para Marcos Galindo, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e autor de livros sobre o período, o episódio existiu, está razoavelmente documentado, mas não teve importância significativa no conjunto da Restauração Pernambucana. Contudo, salienta Galindo, as escaramuças de Tejucopapo serviram para agregar um mito à identidade nacional. “Os mitos são tão fortes quanto à história no processo social e civilizatório”, observa. “E atendia às necessidades de consolidação da nação em construção no século XIX”, acrescenta.

Nove anos depois de Tejucopapo, as tropas comandadas por Sigismund van Schkoppe se renderiam no Recife, após a famosa Batalha dos Guararapes, encerrando 24 anos de dominação holandesa. A luta das mulheres guerreiras ficou como um episódio isolado e pouco levado em conta no contexto da chamada “Restauração Pernambucana”. Desde o século passado, no entanto, a memória dessa batalha vem sendo recuperada. “Não é um fato para ser negligenciado”, afirma o jornalista e pesquisador Marcílio Brandão, autor de um filme sobre o tema. “Foi a primeira participação de um coletivo feminino em um conflito armado no Brasil”.

@_lulafalcão

*Publicado originalmente na revista Aventuras na História (junho 2010)

domingo, 14 de novembro de 2010

A capa


O livro da #tuiteira está quase pronto. Faltam detalhes, como a revisão. Falta também aquela conversa difícil com a editora. Depois é correr para os lançamentos, em dezembro e janeiro. Expectativa de lançar em São Paulo, Rio, Recife e Santos. Acima, a capa. De Pedrinho Fonseca, que também é o autor do projeto gráfico.O prefácio é de Adriana Falcão e Xico Sá deve escrever a orelha.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Escrita

Qualquer candidato a escritor em busca do tempo perdido é capaz de tudo. Ao chegar a determinada fase da vida, escrever um livro torna-se uma urgência. A hora do tudo ou nada, é ali, por volta dos 50. Alguns buscam o difícil caminho do romance. É um erro. Fracassou nessa parada, só a morte aponta na frente. O segredo é começar por algo mais leve, compendiozinho do blog, observações sobre a vida cotidiana e até desdobramentos dos 140 caracteres do twitter. O mundo do livro tornou-se bem mais maleável.

Nesse novo universo, cabe tudo e ainda bem. Pode-se, por exemplo, passar páginas e mais páginas apenas perorando sobre a arte de escrever e no final justificar que a história da construção de um livro também é livro e é hora de correr para a publicação. Alguns amigos vão comprar, a festa prossegue num bar da esquina e parece que tudo acaba logo. Não. O autor, enfim, será confortado com o ingresso numa nova categoria: a dos escritores. Já pode, no caso de muitos, apresentar-se como escritor e jornalista, posto que a segunda profissão, embora lhe mantenha vivo, não tem de longe o glamour da primeira. Com o escritor não é assim; ele se sente um princípio da incerteza e uma singularidade num único homem – e gosta disso.

Agora ele já fala por ai que está louco para deixar o trabalho formal e dedicar-se apenas aos livros. É só desejo, mas desejo de escritor.

@_lulafalcao

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Memórias

O livro dele termina como uma ata de reunião. Tudo estava lá. Descrição minuciosa e demonstração de excelente memória. Anos e anos assentados no papel e mais tarde na tela do computador. Vida política agitada, detalhes, conversas, algumas revelações. Entra nesse emaranhado uma frase de Tocqueville, uma observação aguda de Tancredo Neves ou manchete do Correio da Manhã.

Não era o livro que ele queria ter escrito. O velho político sonhava com um romance de idéias e não com aquele amontoado de notícias e mentiras que ele protagonizou em 60 anos de carreira. Como vereador, deputado, ministro e mais tarde candidato derrotado a Presidência da República. Não havia emoção nem uma linha mestra percorrendo a história ou comentários bem postos capazes de se dissolver no texto e formar um caldo elegante.

Não era, enfim, memórias em forma de romance. Ele pensou: toda uma vida política para, no final das contas, não desaguar numa obra prima. O jeito seria começar de novo. Mais dois anos de trabalho. Só que não havia tempo. Os médicos foram taxativos: seis meses, no máximo.

@-lulafalcao

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Tuiteira em livro

Uma rápida pausa para dar um caldo na sobrevivência e acertar detalhes do diário da tuiteira (“Todo dia me atiro do Térreo), que sairá neste mês pela Bookess, com prefácio da escritora Adriana Falcão e projeto gráfico/capa de Pedrinho Fonseca. No fim de semana (7/11), o blog volta com as besteiras de sempre, algum rescaldo da eleição e outras novidades. Não sumam.