sábado, 29 de junho de 2013

Tia Lucrécia



Eu não precisava de conselho, só de ajuda, mas ela tem essa mania de lição de moral, não vive sem dizer é assim ou assado, como a vida deve seguir, “pois sua casa está imunda, não sei como você consegue morar ali”, e mais outras tantas orientações sobre luzes deixadas acesas, minha vida, descuido com a roupa, gastos desnecessários etc, porque dinheiro para emprestar ela não tinha ou dizia não ter. Só faltou jogar na minha cara que estava me ensinando a pescar, e eu precisando do peixe, imediatamente, aliás, do dinheiro, uma vez que estava numa merda sem tamanho, naquele momento sem saída, cheio de credores atravessando a rua, justamente por isso eu queria uma providência, não um manual de autoajuda.

Parece aquela lenga-lenga dos três mil rublos dos Irmãos Karamazov, cujo autor tem sido citado em demasia neste espaço, e minha situação parece às vezes com as de Ivan e Mitia, oscilando entre um e outro. Quem já leu, sabe como é; quem não leu trate de ler. Mas só queria dizer a ela que não tenho onde cair morto, ando com uma mão atrás outra na frente, perdi o emprego e a TV a cabo. Não morro de fome graças às bocas livres desta cidade. Só sou convidado porque minto, invento projetos mirabolantes e conto que vou a Paris na próxima semana. Minhas idas a Paris, cara Lucrécia, ocorrem da seguinte maneira: fico em casa, trancado, comendo macarrão, macarrão solo, só água e massa, e lendo e relendo. Não atendo telefone. Depois, dou de blasé. “E aí, como foi Paris?”, perguntam. “Legal”, eu respondo, acrescentando as tradicionais queixas contra os franceses.

Então, recorro a ela para tomar um pequeno empréstimo, dinheiro não lhe falta, e ouço um discurso enorme, cheio de restrições ao meu jeito de ser e à minha falta de planejamento estratégico. Não fala baixo, grita em negrito: “você precisa tomar jeito”. Querida, não sou uma empresa, apenas vivo como posso e como não posso, de acordo com as circunstâncias e em desacordo também, depende do momento. Faço merda, ela está cansada de saber, mas a merda está feita, não tem retorno; essa é a característica da merda, em todos os sentidos. Não quero é ouvir sermão, passo mal. Nem dicas de organização. Planilha Excel para os gastos? Já fiz. Saí com a moça para jantar e esbanjei, estourei o cartão e desatualizei a planilha. Não, não sou perdulário. Foi um impulso - e ela tinha uns peitinhos lindos. Fosse um empresário bem-sucedido valeria o investimento. A verdade é que sou pobre, sem grana, mas inteiramente construído para o mundo dos ricos. Todo aparelhado para gastar com o bom e o melhor; mas aí, cadê dinheiro?


Tento explicar isso há séculos à tia Lucrécia. Há pessoas que nascem em berço de ouro e sabem como gastar o dinheiro. Nasci num fim de mundo sem ricos, mas alguma coisa criou-se em minha cabeça e aos poucos, mesmo naquele lugar desinformado, comecei a sonhar com vinhos italianos, carros esporte, livros caros, mulheres ainda mais dispendiosas, dessas de jantares com trufa, hotéis cinco estrelas e Victorias secrets. A minha passeou pelo saguão. Parecia um filme: as paredes tinham uma coloração amarela ouro e não remetia à opulência kitsch. Era um ambiente deslumbrante e despojado ao mesmo tempo, sem bradulaques barrocos - olha como entendo de arte, tia – e havia ainda uma escadaria gigantesca, por onde os donos da casa desciam sem segurar no corrimão. Mas não é sobre isso que eu queria falar. Volto à grana. Não é a primeira vez. Ela já me salvou em outras ocasiões, piores e melhores do que a atual. O problema é o preâmbulo. Para não sair daqui de mãos vazias, ouço, engulo pequenos insultos, dedico aquele tempo para ser humilhado. Quando saio, sem as mãos vazias, dou por finda as culpas, vou à vida. Tia Lucrécia assina o cheque com certa contrariedade, entre resmungos, mas quando desço, vejo que ela me olha pela janela, pensativa e quase sorridente, alisando com leveza seus escorridos cabelos brancos. As pessoas mudam de um parágrafo para outro. No final, ela aposta suas economias em minha minha vida desregrada e dispersa. Saí de lá emocionado com a pureza das relações familiares e com meu cheque no bolso.       

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Lançamento de Iberê Segundo Paulo em Olinda


Os personagens estão em submundos opostos e se encontram logo no começo de Iberê Segundo Paulo (Editora Nhambiquara)”, romance de Lula Falcão a ser lançado no dia 10 de agosto, em Olinda, depois de lançamentos em São Paulo, Paraty (Flip) e Recife. 


O pastor Iberê Valdecarlos do Nascimento e o escritor fracassado e alcoólatra Paulo iniciam uma sociedade inusitada, mas verossímil, ao longo de 204 páginas de ação, sexo, drogas e reflexões sobre a culpa e a própria literatura. Aos poucos, Paulo, um ateu, parece disposto a vender a alma a Deus ou ao Diabo, sem predileção por um ou outro, apenas para cumprir o objetivo de escrever um livro. Enquanto seu parceiro Iberê tem delírios religiosos estranhos, a ponto de verter sangue por todos os poros, e ao mesmo tempo mantém duvidosas ligações com os capos da igreja nos Estados Unidos e a bancada evangélica na Câmara dos Deputados. Qualquer semelhança com fatos atuais é mera coincidência, “embora o noticiário esteja cheio de Iberês, que se apossaram da realidade como falso piedosos cristãos”, como observa o escritor e editor João Bosco A. Souza.

Além de escrever seu próprio romance, Paulo também se dispõe a redigir um apêndice da Bíblia para a igreja de Iberê, incluindo na história filósofos pessimistas e especialmente Dante. Nesse ritmo, senso de humor refinado ou delírio patológico os une – além de problemas judiciais - e aí Iberê fica ainda mais irresistível. Porque ganha leitores além dos fiéis da praça e da igreja. Todos se convertem ao texto que parece uma massa de mil-folhas e o o recheio é uma trama que engana. “Quem é criação de quem? Iberê inventou Paulo ou foi o contrário?”, observa a jornalista Christiane Marcondes Brito, na orelha da obra. “Você vai rir, vai se identificar, vai querer chorar ou implorar a Paulo para suavizar no castigo aos labirínticos personagens, pois eles estão todos enredados, mais do que se pensa, e o gostoso disso tudo é que existe um final apoteótico (embora a certa altura pareça que o autor não dará conta de tanta ponta sem nó)”.

De certa forma, o livro é também um “book-movie”, pois seus personagens, por problemas existenciais e policiais, percorrem um roteiro que começa em São Paulo e inclui Maceió, Trenton (EUA), Nova York, Recife e Palmeira dos Índios (AL), terra da família de Iberê e do escritor preferido de Paulo, Graciliano Ramos.

O autor

Lula Falcão nasceu em Santana do Ipanema (AL), foi criado no Recife e está radicado em São Paulo desde 1988. É jornalista, com passagem nas principais redações do País, e estreou na literatura com o livro Todo dia me atiro do Térreo. É também coautor de Frevo, 100 anos de folia. Iberê, segundo Paulo é o seu primeiro romance. Mantém o blog www.lulafalcao.com.br em que publica contos e crônicas.



Serviço
Dia 10 de agosto de 2013
Solar da Marquesa
Av. Dr. Joaquim Nabuco, 5, Varadouro - Olinda

A partir das 18h


quarta-feira, 19 de junho de 2013

O conformista bairrista



Eu tenho certas ideias, mas não quero expô-las em público, pois não sei se estão corretas, não sou do tipo capaz de ir até o fim numa discussão, sempre cedo e, mesmo humilhado, dou por encerrada a conversa, mudo de assunto e no último caso corro para o banheiro. Com política, a situação se agrava, e se for num bar se agrava ainda mais, por causa do álcool, e nunca deixou de se agravar, desde ou antes das tavernas de Dostoiévski, e nesse ponto o escritor explica bem o caso ao lembrar que as pessoas não têm apenas o costume e o gosto de divulgar aquilo que pensam, mesmo as coisas mais sórdidas, os maiores absurdos; querem a imediata concordância.

Então eu penso que não adianta. Porque se não for assim, da maneira deles, os cheios de certezas entram em fúria e é possível que quebrem não só as tavernas de São Petersburgo, mas também a cara dos divergentes. Tamanha paixão pelas ideias não é novidade para nós. As brigas se repetem nos bares do meu bairro, todos os dias, por causa das próximas eleições e de vez em quando em relação à existência de Deus e à origem do homem a partir do macaco ou de Adão e Eva. Por isso apenas, bares são reduzidos a destroços, cadeiras voam nas madrugadas, o sangue escorre nas calçadas. É um bairro atípico, reconheço, e dadas as características do lugar o melhor que se faz é ficar calado ou juntar-se discretamente ao grupo majoritário. Na hora da briga, costumo fazer aquele movimento dos lutadores de boxe, estudando o adversário, mas só estudando, deixo a prática para quem se envolveu mais apaixonadamente na discussão. Por que não fico em casa? Ora, o pessoal é amigo, conheço desde criança, nasci aqui, embora reconheça o medo de perder alguma parte do corpo nessas escaramuças. Sou ligado a um lado, discretamente, mais por amizade, menos por alinhamento ideológico.

A luta envolve homens e mulheres, velhos e jovens e uma noite bem agitada é medida pela quantidade de feridos que dá entrada no pronto socorro. Não há armas, ainda bem, embora duas mortes tenham sido registradas no mês passado, mas ambas por enfarte; eram fumantes e conhecidos pelo palavreado em voga nos anos 50, como “a nação não pode suportar tamanha afronta”. Pois é, vivemos desse jeito, em eterna conflagração entre grupos de partidos políticos, uns contra o governo, outros a favor, além dos ateus x religiosos, mas à luz do sol todos se respeitam. Em nenhum outro bairro é assim. O mais grave é que os moradores acham natural, como uma tradição, une façon d'être, o espírito do nosso povo etc.

Tenho sobrevido sem arranhões nesse pedaço da cidade em guerra filosófica. Sim, os assuntos são tratados no mais alto nível, a princípio, e só depois desanda em esculambração generalizada. Aí, uma simples citação de Voltaire ou Renan Calheiros, até mesmo uma citação de Renan Calheiros, pode ser motivo de desavença e troca de socos. Ainda dizem, depois disso tudo, que somos politizados. Fico na minha, mudo, sem balançar a cabeça em qualquer sentido, mas na verdade acho tudo isso muito exagerado. Poderia ser igual ao bairro vizinho, onde dia de eleição parece dia normal, não tem gente de perna quebrada e sem dentes, como aqui teve, no último pleito.

Minha neutralidade é notada como covardia. Não ligo. Guardo minhas ideias, solto umas aprovações discretas para minha turma e seguro as coisas mais sombrias para meu próprio consumo. Nem digo que não vale a pena correr risco físico por causa de uma opinião porque já se trata de um posicionamento político, uma declaração de fuga do debate, e portanto sujeita a agressão.


Tenho todas as críticas possíveis a esse comportamento classicamente provinciano, mas no fundo da alma vem uma onda dizendo que, no fundo da alma, eu gosto daqui. Quem é do bairro tem isso no sangue, ninguém sabe explicar, e mesmo que eu tenha menos, sou apenas observador, vejo um mundo fervendo na minha frente, pessoas vivas e em movimento, paixões incontroláveis e cadeiras voando na madrugada.        

sábado, 15 de junho de 2013

Coisas diferentes




Daqui a vinte anos ninguém vai encarar um romance ou mesmo uma novela, talvez nem um conto. A previsão do escritor Philip Roth contempla apenas a sobrevivência de pequenos textos, posts, recados e besteiras como as que seguem abaixo:

Personagens

A criação de personagens em cativeiro tem dado muito trabalho e nenhum lucro. Todos cheios de manias, crenças complicadas e diálogos enormes, esses animais ocupam muito espaço e têm péssima rentabilidade. Além disso, quando se misturam, no banho de sol, também misturam seus enredos, uns enveredando pela história dos outros, até chegarem a um embaralhamento sem perspectiva de ponto final.

Carreiras

Às vésperas de completar 19 anos, Ana Lúcia tomou uma decisão radical: “quero ser puta”. A escolha, fria e pragmática, estava destituída de carga moral. Houve apenas uma consulta ao ranking das melhores carreiras e ela descobriu uma mudança quase anual da atividade da moda - a mais financeiramente rentável e facilmente absorvida pelo mercado de trabalho. Se escolhesse Nanotecnologia, no ano que vem poderia estar ultrapassada pelo Techno Urbanismo ou a Psicologia de Vidas Futuras. Já a prostituição vem se mantendo estável há séculos.

Imprensa

A revista “Roberta” trata de assuntos femininos, tipo Cláudia, mas existe uma mulher de verdade no comando da redação: a própria Roberta. Daí o nome da publicação. Roberta é filha do dono da editora, Roberto, e está no terceiro ano de jornalismo. Roberta é tratada por “Rô” pelas editoras assistentes, suas amigas Renata (Rê) e Fernanda (Fê). A imprensa não era sua primeira opção. A primeira era moda. Por isso, “Roberta” traz imensas matérias sobre roupas. Depois de moda, Roberta gosta de frequentar a hípica e tomar tequila. Os textos da revistas são ruins e Roberta não está em condições de melhorá-los, pois sempre chega ao trabalho atrasada, de ressaca, e logo quer ir embora, arrastando as assistentes. De vez em quando, Roberto, o pai, lembra que a “Roberta” está no vermelho, mas ela faz muxoxo, não dá a menor bola, tem mais o que fazer, hoje é sexta-feira.

Comportamento

Assim, reticente, sempre, nada a acrescentar, e se tinha guardava pra si, escondia o jogo, a danada. Meio perigosa, até, eu achava, às vezes, embora fosse bonitinha, aliás, linda, não vou mentir. Estragava a avaliação, esse jeitinho dela, cheio de vírgulas, não-me toques, dissimulações. Mesmo assim resolvi ir em frente, a coisa foi ficando complicada. Não seria o primeiro a cair na armadilha, nem o último, pois decorreram dois meses e quem avisa amigo é, ele avisou, mas eu não esperava que fosse com ele e foi. Ana Lúcia pegou mais um, meu melhor amigo. Mas ele avisou.

Lançamento


Para variar, lembro o lançamento do romance “Iberê Segundo Paulo” (Editora Nhambiquara), dia 17, na Mercearia São Pedro – Rua Rodésia 34. A partir das 19h30. Aproveitem. Só temos vinte anos pela frente.      

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Promoção por tempo ilimitado





O livro “Iberê Segundo Paulo”, editora Nhambiquara, R$ 40.00 (incluindo frete), está à venda aqui. Quem ainda não tem seu exemplar pode adquiri-lo da forma mais confortável possível: pede pelo email contato@nhambiquara.com.br  faz o depósito na conta abaixo e ele será enviado pelo correio. Mande o endereço no e-mail.



Banco Santander 033
Agencia 4337 conta 13000082-5
CNPJ  02.092.545/0001-09

João Bosco Alves de Sousa