Por mais errada, pare com isso. Pare de se
desculpar dessa forma. É humilhante. Toda vez é a mesma coisa: “não está mais
aqui quem falou” ou “como sou estúpida!”. No final, você sempre recua, toda
vez, se apequena diante dos outros, aceita o contrário do que pensa, só para
evitar confusão. Vamos ao conflito, querida. Você é a primeira-dama, manda na
casa, cuida dos filhos, não tem por que ficar se escondendo pelos cantos, por
vergonha. Temos tudo, mulher, casa, carro e dinheiro, e você agindo como nos
tempos da roça.
Recebemos pessoas, amigos de antes e de
agora, e só com os de antes você troca umas palavras. Como tudo em cima, até
este corpinho, e você se dirige aos outros com cara de mendiga. A pior coisa é
olhar para baixo e você não levanta a cabeça, num sinal de obediência a não sei
quem. Não pensei que seria assim. Você não mudou, eu mudei. Veio o dinheiro e
eu mudei, tento não aparentar a condição de novo rico e, muito menos, a de
eterno pobre, seu caso. Reciclei-me, querida, enquanto você não se moveu, ainda
vive na roça, pelo menos na imaginação e no jeito, eu ando por ai, desenvolto,
dando entrevistas, fazendo a social.
O dinheiro trouxe conforto, mas precisamos
exercer a riqueza com mais classe, domínio da situação, olhar superior. Veja o
caso do Ferreira. É um pobre coitado, funcionário público. A mulher dele, no
entanto, seria uma rica de categoria. Faz yoga e análise, lê jornais e viaja à
Europa. Você quer ficar em casa, como um animal em cativeiro, tem medo do
mundo, nunca saiu do Brasil porque não quis. Por que não foi comigo e as
crianças a Paris? Não sabe falar francês, também não sei, não importa. Tínhamos
guia turístico, em todos os passos, traduzindo tudo, pedindo os pratos nos
restaurantes e acertando a conta do hotel.
Agora, veja minha situação: não posso
apresentar você às pessoas importantes que tenho conhecido. Mulher não é só
para ficar em casa, tem que ajudar marido na network, conhecer os talheres, a
política e as artes, apresentar-se com bons vestidos e não com essa roupinha de
suburbana que você usa. Nesse seu ritmo, você nunca chegará lá, e eu fico nessa
posição incomoda de não pode mostrar a própria mulher a públicos mais exigentes
Por isso eu pensei, não sei o que você
acha. Conheci uma moca, formada em Letras, conversadora, educada em bons
colégios, bem vestida. Pensei em trazê-la para cá. Quando o momento exigir, ela
se apresenta como esposa e você como nossa criada. Só por um tempo, depois você
volta. Como na peça de George Bernard Shaw, Pigmalião, uma mulher do povo se
transforma em mulher da alta sociedade. Ai tudo se resolve.
...
A nova esposa chegou, era um assombro de cultura e ironia, finíssima, e a mulher de verdade contentou-se com sua posição de doméstica. Meses se passaram, e a moca das Letras continuava lá, sem problemas. As duas conviviam bem, conversavam, e Amélia aprendeu tudo, incluindo os segredos do amor, levado à prática, entre as duas, com discrição e intensidade. O homem passou a dormir sozinho, em outro quarto, enquanto as duas ocupavam a suíte. Mas ele estava feliz, os negócios progrediam. Atrás de um grande homem há sempre uma mulher – ou duas.
Rádio
Exaurida por amores fracassados, o coração
partido e a alma em frangalhos, está no ar a Sessão Rola Triste. Refugio dos
desamparados e palco das paixões perdidas, Rola Triste leva aos sorumbáticos
ouvintes os mais sofridos acordes do cancioneiro popular, a choradeira
inevitável da separação, o fim da linha, a carta de despedida, o retrato em
branco em preto. Aqui, na Histérica, onde ninguém me ama, ninguém me quer,
tocaremos seu coração com o lado B da vida, a mágoa e o desespero dos amantes
abandonados. (Abertura do programa “Sessão
Rola Triste”, da www.histericaw.com.
No ar em agosto)