segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Vale a pena


Se alguém pergunta se está valendo a pena ele se recolhe sem explicações porque ainda não sabe. Em termos financeiros, perdeu muito com a troca e as glórias da nova vida ainda não se anunciam. Já escreveu três livros, com lançamentos de praxe, e prepara um quarto, cheio de pequenos experimentos de linguagem considerados inovadores por quem leu os originais. Raramente pinga um dinheiro da editora em sua conta, mas tem conseguido boas frases, algumas de lampejo, outras arduamente construídas.

Aos 35 anos, deixou a redação e sobrevive à base de frilas – expressão jornalística para bicos. Não dá para o gasto e ele termina endividado com admiradores de sua pequena obra. Deve a boa parte de seus leitores, paga quando pode, e raramente recebe cobranças. Os amigos sentem algum prazer em emprestar a uma pessoa tão peculiar e gente boa - espécie de Aliócha do começo de Os irmãos Karamazov, capaz de conseguir pequenos e médios favores sem qualquer esforço ou qualquer humilhação.

Seu mundo, no entanto, comprimiu-se. Toda a energia concentrou-se em casa, em frente ao computador, ou na cama, onde lê a madrugada inteira. Dorme até tarde, almoça sozinho lendo jornais, termina textos de encomenda e cai de volta em seus escritos. Pensa numa coletânea de pequenos contos, enquanto não aparece ideia para outro romance. Por enquanto sente-se como uma fábrica a todo vapor, mas a produção atual está encalhada. Se tivesse um emprego decente, bancaria seus próprios livros, mas se tivesse um emprego decente não teria tempo para escrever. De vez em quando pensa nesse paradoxo.

De seus coetâneos mais bem-sucedidos, recebe certa deferência. Só no início, pois eles têm negócios mais importantes a tratar e negócios importantes não lhe interessam. Termina em casa, quase sempre, ou no universo paralelo de alternativos e assemelhados. Encontros ocasionais: moças bonitas e radicais, espalhando fogo, mas queimando rápido; e então ele sai fora, pensando no fim do amor romântico, coisa da cultura Ocidental. Imagina um livro em forma de bolero, com balanço bem brega, mas de densa carga bibliográfica e musical. Waldick Soriano com Roland Barthes.

Volta para casa. Quando fecha a porta encontra seu território intacto e aconchegante. A bagunça aparente é tudo em seu devido lugar e objetos jogados no canto não estão ali por acaso. Têm uma história, ao menos um parágrafo. Senta-se e começa a escrever. As pequenas emoções da noite ganham fermento, crescem e se tornam definitivas. As moças desconhecidas ganham mais vida e algumas conseguem voar. 



Publicado no malvadezas.com 

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