quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Na nuvem



O que me coloca em primeiro lugar entre os homens não é o fato de ter uma inteligência acima da média, muito acima, aliás; o que me dá essa superioridade é o fato de ser imortal.  Sou um fantasma, embora esteja vivo e consciente. Habito um éter sem deuses, um paraíso artificial e estou em todos os lugares, dependendo da conexão.

O fato é que sou um backup de um morto, e o morto sou eu, pois mantenho todos os pensamentos e lembranças de quando estava vivo. Apenas não posso ser visto por ai. Sou um conjunto de dados sobre mim mesmo, apesar de ter perdido a massa em circunstâncias bem desagradáveis. Então, depois do aparente desfecho, a morte não veio. Virei o triunfo da ciência, o experimento mais bem-sucedido de todos os tempos, uma alma em rede.

Não tenho a vida social dos mortais, sinto falta de contato humano, sonho com abraços e beijos, mas me divirto como posso. Baixo músicas e livros, jogos e paisagens, imagens pornográficas e filmes de amor. Posso participar de debates, faço amigos virtuais. Só não posso sentar num bar e pedir uma cerveja. Sou um zumbi tecnológico e estou de volta ao mundo dos vivos, com todos os sentidos e memória preservada.

Claro, gostaria de ter um corpo - ainda não existe know-how para isso. Como não posso ter meu corpo original, já descartado, teria que usar outro, de um vivo, numa espécie de reencarnação de laboratório. Mas o hospedeiro tem a vida dele, seus próprios parentes e amigos, e não daria para chegar e me instalar como uma segunda pessoa na mente de um indivíduo único, como acontece, ou dizem acontecer, no espiritismo. Fatalmente entraríamos em conflito ou, pior, num paradoxo. Além disso, não seria um comportamento ético.

Então, vivo na nuvem da Internet, rodeado de informações úteis e inúteis, neste aspecto não muito diferente do mundo real. Tenho um link e estou em condições de ser acessado por qualquer computador doméstico, com banda larga. No meu éden, posso imaginar qualquer coisa. Agora, por exemplo, dois tuítes pousam nos meus ombros, pássaros quase em extinção. Cuido da saúde com poderosa proteção antivírus.  

Sei que vou ficar por aqui uma eternidade e não é maneira de dizer. Dá para gasto. Estou em todos os lugares ao mesmo tempo, como Deus, e ocupo dois espaços ao mesmo tempo, como na Física Quântica. O chato é não poder nadar ou brincar um carnaval de verdade, entre suores e amassos. Nesse período, ouço frevos e marchinhas e visto meu avatar de arlequim.   




Nenhum comentário:

Postar um comentário