Tenho a impressão de já ter escrito isso, no ano passado ou
retrasado, porque antes só havia jornais e livros, mas agora há uma infinidade
de cantos para postar as coisas e sem uma lista organizada de textos, mesmo
precária, não há como lembrar-se de tudo. Encontrei estes pedaços abaixo num
arquivo velho e fico sem saber se publiquei ou não e depois de explicação tão
longa, talvez desnecessária, vale acrescentar que estou mexendo em um escrito
sobre um homem que vem com aquela conversa sem fim sobre a falta de sentido dos
dias hoje, carregada com nostalgias variadas, um desconforto danado com o fato
de estar vivo aqui e agora, nesta época tão fria e indiferente. Sempre o mesmo
discurso na mesma mesa de vinte anos atrás, mas a decoração do bar mudou para
pior; o mundo está a um passo do fim, estamos num beco sem saída, num mato sem
cachorro, numa sinuca de bico. As pessoas à sua volta apenas acenam com a
cabeça, concordando, e ele segue adiante. Ele não para (e reclama da reforma
ortográfica, pois “para” deveria continuar com acento, mas isso é um
detalhe diante da crise global e da solidão).
Sua homilia cética não é nova. Basta pegar algumas crônicas de
gente mais velha ou defunta para descobrir um intenso repertório de desilusões.
Os velhos homens dos jornais e o homem desta história só têm o passado para
atirar contra o mal-estar da civilização e a impossibilidade de ser feliz
sozinho (ou acompanhado), como disseram tantos antes dele, sempre na linha “no
meu tempo era melhor”.
O passado é cômodo porque já passou, mas para ele continua
valendo - lembranças no lugar de qualquer movimento brusco neste planeta em
vias de extinção. Alguém lembra que sempre foi assim. Os mais bem velhos também
costumam choramingar por um mundo que não existe mais. Talvez porque a aposentadoria
seja uma chatice ou ele não saiba como ligar o computador. Talvez um bocado de
coisas, responde o homem, mas insistindo na tese: 2013 é diferente de todos os
anos já transcorridos desde o primeiro momento da humanidade sobre Terra.
Falta explicar a razão de tanto pessimismo, insisto com o homem,
especialmente porque o ano mal começou, e ele olha para o alto, cofia
lentamente a barba e desce a cabeça com uma resposta: nada mais é surpreendente
ou novidade. Tudo é possível para uns e inteiramente e vetado para outros – os
iniciados na velhice, a maldita meia idade. Acabou a graça. Mesmo em relação às
mulheres, o maior espetáculo da existência, há uma perda de substância, certa
frieza, parecendo que ninguém gosta mais de sexo. As mulheres de sua idade, por
exemplo, desistiram. Resta olhar os jovens numa diversão muito organizada,
sempre com patrocínio e possibilidade de lucro financeiro, quando em sua época
pairavam no ar doces mistérios de todas as forças, desejo e emoção misturados. Enfim,
ele percebe que o problema está na falta condições, físicas e mentais, para
entrar num jogo que não é mais seu e, mesmo assim, fantasia repetir tudo, com uma
gata de 25 anos de corpo dourado, quando o bronzeado era moda; hoje não é mais.
Ao cair em si, a barra torna-se ainda mais pesada na cabeça deste personagem
muito comum em cidades com praia, embora em São Paulo existam muitos da mesma
espécie. A hora do semancol é trágica para o homem que vive de nostalgia, mas
sonha em reeditá-la, hoje, como se tivesse vinte e poucos anos.
Finalmente, o quarentão se toca e entra em questões da pior
espécie, como a senilidade e a morte, descarregando sua literatura sobre
assuntos cruciais, mas de repente sente uma moça de 25 anos, muito interessante
e interessada, tal e qual acontecia antigamente, quando ele se metia em
histórias assim, entre meninas que gostam de rapazes inteligentes e sensíveis,
e ele era e é assim. Então a moça ficou perto (bonita), prestando mais atenção,
coladinha nele, e vez por outra dava aquela alisada relutante nas costas do
homem, descendo e subindo a mão, como se pensasse “Vou ou não vou?”.
É nesse ponto que o sujeito erra. O homem muda de discurso,
entra na poesia, bebe um pouco mais, alegra-se; a felicidade existe. Começa a
agarrar a gata e ela vai em frente, mas depois de alguns minutos ele se torna
meloso, cai no samba canção, elogia demais a menina, no ouvido dela, e diz
coisinhas antiquadas, fica ansioso e confuso, sem saber o que fazer, porque ela
obviamente não é para seu bico. Seria o caso de um recuo? Aí ela escapa, ele pensa,
e resolve manter a mesma estratégia, pois já está tomado pelo desejo ao ver as
pernas da moça e olhar seu rosto tão tentador e saudável. Ninguém é besta neste
mundo, inclusive a moça, e ela dá aquela jogada de corpo, afastando o ombro e
em seguida está mais distante e logo muda de cadeira e não corre dois minutos e
está em outra mesa, com seus amigos da mesma idade, dando risadinhas, contando
a história pela qual passou com aquele coroa ali atrás.
Depois dessa lenga-lenga existencial, seguida de fiasco, era de
esperar o homem afundado ainda mais em seus dissabores e impossibilidades,
concluindo pelo absurdo de uma juventude repetida como farsa, e da vida em si,
depois de determinada idade, quando se perde a capacidade de ser hoje o que se
foi antes. Não. O homem sai satisfeito, aquele ombro encostado já valera a pena
e a atenção recebida trouxe certa alegria inexplicável pelo curto momento com a
menina de 25 anos, que já não ri na outra mesa, se encontra pensativa. Na hora de ir embora, ele aproxima-se para
despedir-se dela, de maneira formal, e ao se afastar alguns passos, ouve uma
voz lá atrás; era ela, dizendo, “não vá”.
Ele fez um nãozinho, assim, apertando os olhos e balançando a
cabeça. Tinha medo de estragar uma noite tão boa. Voltaria amanhã para as
reclamações de sempre.
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