Uma pele ociosa, sem rastro de estranhos,
debaixo de vestidos castos. Nunca na vida deixou-se tocar e vivia, aos 19 anos,
longe do amor e do desejo. Só a vontade de tornar-se uma santa de verdade,
reconhecida pelo Vaticano, movia sua existência. A família católica participava
do projeto. Havia padres para mexer uns pauzinhos na Santa Sé, exaltando a
raridade em pleno século XXI. Em casa, ela se abstinha de quase tudo: carnes
vermelhas e de outras cores, TV, Internet, livros profanos e revistas
femininas. Dedicava-se à caridade e frequentava um colégio de freiras. Não se
envolvia com colegas. Ia à missa, rezava
o terço e fazia promessas por um mundo melhor, segundo sua visão de mundo.
Faltava apenas o milagre para dar entrada
ao processo de beatificação e mais outro, post-mortem, para a canonização. Tinha
o apoio da Academia Brasileira de Hagiologia (ABRHAGI), criada em Fortaleza
para o estudo dos santos e dos candidatos à beatitude. O milagre, no entanto,
não vinha, e mesmo se viesse, a partir daí cumpriria um longo martírio
burocrático até o exame do caso por integrantes da Congregação pela Causa dos
Santos. Ela esperava com serenidade. O Papa João Paulo II afrouxou-se um pouco
os procedimentos e só em 1978 canonizou 280 pessoas. Era sua esperança.
O audacioso projeto familiar e da própria
pré-santa prosseguia firme neste mundo de tentações. A vizinhança estava mais
ou menos dividida. Num país de maioria católica, os católicos terminam sendo
maioria em todas as ruas, mas nem todos os cristãos das proximidades aprovavam
o gesto. Uma menina tão linda precisava namorar casar e ter filhos. Os hereges
iam mais longe. Deixar aquela gata morrer virgem seria um inominável desperdício
e até um atentado aos direitos humanos. Castigo desnecessário também para ela. Pois,
mesmo sob vestes tão rigorosas, não havia como esconder uma bundinha
arquitetada com tamanho gosto pelo criador. Sem contar os peitos, mais ainda
escondidos, provavelmente dotados de halos ou de pequenas nebulosas circulando
em cada mamilo. O rosto lindo, o olhar acanhado, terminou por induzir os
rapazes, e também algumas moças, a um fino exercício de imaginação. Ela
representava o ápice de criação divina ou da genética, dependendo da crença de
cada um, e um apelo quase pornográfico.
O culto à futura beata, portanto, já
existia. Mas em aspecto pagão, masturbatório. A santinha era venerada por
outros atributos porque o milagre mesmo era sua simples existência e mudar
aquelas roupas seria o que os religiosos chamam de revelação. O pecado estaria
justamente em esconder da humanidade e, especialmente de sua rua, aquele
corpinho massa, santificado sob todos os aspectos, seja por seus significados
teológicos e filosóficos ou por simples voyeurismo dos circunstantes. Não
precisava escancarar, ninguém queria isso, bastava ela usar uns shortinhos de
vez quando ou ir à praia, como todas as mortais. Existiria demonstração maior
de desapego do que juntar-se aos seus, como os antigos santos purificavam a
alma em colônias de leprosos? Se fosse para curar alguém poderia começar pelos
males da ansiedade que acometia a rapaziada da rua.
Poderia ir um pouco mais adiante. Dar-se,
no sentido bíblico, e enfim teríamos uma santa caridosa, filantrópica e até
patriótica. Assim ela teria acesso aos prazeres da vida, como alguns santos
tiveram, e talvez a prática do sexo não fosse estragar os trâmites no Vaticano,
pois ninguém sabe os propósitos de Deus, nem mesmo se Ele existe, conforme
argumentavam os ateus mais safados das redondezas.
O certo é que beleza tão rara gerou
expectativa pelo fim da abominável ocultação e transformou a rua num ponto de
romaria. Uma candidata a santa erotizada por seus fiéis mais fiéis em autoflagelações
noturnas no banheiro e sob os lençóis. A santa dos adolescentes provocando uma
conturbação hormonal em massa e ereções em toda a parte do bairro – quase uma
missa de orgasmos.
Mas a santinha continuou pura e virginal, à
espera de algum sinal de Roma, que nunca veio. Pouco importou para seus
verdadeiros seguidores - uma geração inteira caiu a seus pés, aguardando o
milagre mais simples e possível: o alumbramento daquela imagem desnuda, o
experimento de uma ocorrência singular em suas vidas incendiadas por fantasias.
Um comentário:
*-* sinistro, mas muito bom
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