Duas moças estão no palco. Eles discutem o sentido da vida. Para ser mais preciso, elas discutem se vale a pena chegar à velhice ou é melhor morrer na flor da idade, enquanto o corpo funciona e a mente envia sinais de desejo. Para ser ainda mais específico, elas discutem o nada. Uma se adianta, chega mais perto da plateia, e está cheia de perguntas sem respostas. Por exemplo: queremos viver o presente, mas o presente logo se extingue e se transforma em recordação. Então, vamos acumulando momentos ou apenas servimos para abastecer uma memória finita?
O discurso da peça, como se vê, é niilista, e chega a hora em que o público se divide. Uns nunca pensam nisso nem querem pensar; outros só pensam nisso. Há uma exceção: o crítico, com todo método e inteira razão, só enxerga vestígios existencialistas no texto da peça. Provavelmente, o autor é alguém perdido no tempo e nas eras estéticas. Estava, enfim, professando um existencialismo tardio.
Mas as moças vão em frente, na mesma toada, questionando coisas que muita gente prefere escondidas, como a possibilidade de morrer, morrer e pronto, acabou, e como engolimos ou não o fato de não existir o depois. Mesmo assim, continuamos construindo prédios e idéias, criando coisas novas, pagando o IPVA e batendo o ponto na repartição. A vida continua enquanto continua. Parece bastar. O show, no entanto, prossegue.
Agora é a vez de Beckett e Nietzsche, interpretados por mais duas moças. Muito lindas, por sinal. O objetivo é deixar os espectadores cabisbaixos e pensativos. Mostrar que não há saídas, Deus está morto e elas preparam o enterro do Todo Poderoso com pompa e flores nobres, num caixão da Casa Agra, a funerária predileta de Augusto dos Anjos. Não há muito encadeamento nas cenas. Todo o texto parece uma pregação sobre o vazio, que já invade o mundo do entretenimento e da celebração pagã. As atrizes citam o Bloco do Nada, que sairá na segunda-feira do Carnaval do Recife, provavelmente sem acordes de frevo. Sem nada, a não ser seu estandarte branco e seus filósofos com explicações plausíveis e implausíveis sobre a (in) existência. William Shakespeare surge agora, também mulher, apenas para uma fala, de sua autoria: "Choramos ao nascer porque chegamos a este imenso cenário de dementes."
A peça ainda não está em cartaz. Foi apenas uma pré-estreia, num teatro sombrio e obscuro. No final, quase todo o público foi embora sem muita conversa. Ficaram os de sempre, para um chopinho do bar da esquina. Ali, concluíram que a vida pode ter sentido ou não, pouco importa. O que não tem mesmo sentido é o texto apresentado naquela noite. Salvaram-se as atrizes, deliciosas recitantes, especialmente Beckett, de minissaia, e Nietzsche, com seu piercing no umbigo. Sem falar de Shakespeare, que entrou em cena apenas com sua gola bufante.
sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012
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