quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Melancólica FM

A transmissão começa depois da meia noite, com o locutor de voz cansada. A partir daí, os ouvintes podem sintonizar o dial mais deprimido do Brasil, talvez do mundo, pois esta no ar o programa em que as pessoas ligam para esvaziar suas almas, reclamar da vida, expor mazelas, declarar que nada vale a pena ou simplesmente mandar todo mundo à merda.

Espaço de queixumes, timbres reticentes e algumas ameaças de suicídio, o programa segue em frente, de fracasso em fracasso, levando à audiência o lado mais sombrio do samba-canção, alternando com melancólicos blues e lamentos cantados em geral. Começa, então, a esperada conversa de sempre. Não de amores traídos, mas de declarações publicas sobre a falta de sentido da existência, a morte, o ser e o nada e outras tantos becos sem saída da Filosofia Ocidental.

A ouvinte Isabela, por exemplo, aparece com freqüência para expor seu vazio, o sono agoniado dos deprimidos e o terror de ser obrigada a levar a vida adiante. Nesse canavial de lamúrias, eis que surge a figura do comentarista. Cabe a ele mediar – senão tornar ainda mais degradante – o depoimento das mulheres sozinhas e dos homens sozinhos, cada um no seu canto, à espera do nada.

Há e-mails a serem respondidos, com destaque para os pedidos de socorro – neste caso não há muita coisa a fazer – e os sentimentos mais atrozes, entre os quais a indiferença ocupa o primeiro plano. O niilismo dá tom da correspondência, com algumas expressões em alemão, Freud no original, Die Zukunft einer Illusion, para mostrar que o homem é associal por natureza e também para exibir um pouco de pedantismo, outra praga humana, pesadamente presente no horário. O mediador às vezes reclama: “aqui não é lugar de exaltação do ego; pode citar até Schopenhauer, mas tem que ser à vera, porque o sujeito deve estar dentro de seu objeto ou dentro do objeto do autor que usa no presente instante”. Ou seja: a pessoa tem que estar realmente fodida e não aparecer ali apenas para despejar cultura.

Mas a vaidade humana é inevitável. Mesmo os deprimidos de fato querem fazer seu o show, com longos comentários sobre o mal-estar da civilização, a banalização do mal, o crime e castigo, o apagamento do sentido do sujeito, as dores do mundo, concepções nietzschianas, Turgueniev, Cioran, Artaud e Vicente Celestino. Quando não é isso, é a farmacologia tarja preta em estado puro, com adeptos e adversários em densos bate-bocas sobre as vantagens e desvantagens do cloridrato de paroxetina e outras substâncias do gênero.

No final vê-se que o programa funciona para aliviar o pesado fardo da vida. Alguns ouvintes conseguem até dormir sem o seu Stilnox ou vão aos bares continuar conversa sobre o eterno retorno, o existencialismo, a ansiedade generalizada e, vejam só, futebol, carnaval e sacanagem.

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