sexta-feira, 26 de março de 2010

Michel Houellebecq

Escritores entram em moda e saem de moda no Brasil com rara velocidade. Casos recentes do cubano Pedro Juan Gutiérrez e do francês Michel Houellebecq. Sumiram das páginas literárias. O primeiro ainda teve uma passagem pela Bienal do Livro de Pernambuco e deixou alguns leitores decepcionado ao fugir de perguntas sobre a situação política em Cuba. Também não se vê muita coisa sobre ele na mídia internacional. O segundo, não. Desapareceu por aqui, mas continua em alta em várias partes do mundo. Não só pelo escreve, mas por uma vida um tanto movimentada e politicamente incorreta. Houellebecq faz parte de uma estirpe que, sem a menor cerimônia, mistura vida e obra. De preferência com muito álcool. Não é por acaso que resolveu refugiar-se na Irlanda.

Faz tempo que não se via um escritor assim. Houellebeq desperta paixões e ódios com seus textos recheados de ataques ao islã, ao turismo, aos governos e especialmente às mulheres de 30 anos psicanalisadas. Para alguns, o novo Balzac da crítica francesa expõe as chagas da civilização ocidental contemporânea. O New York Times Magazine, por exemplo, adora: "é um dos melhores escritores franceses dos últimos 20 anos". Os que detestam são mais curtos: Houellebecq é um imbecil. No Brasil, mal comparando, ele estaria reduzido à categoria de um Diogo Mainard. O que, dependendo do gosto do freguês, pode ser um elogio ou uma crítica.

Só que Houellebecq, além de escritor, é um belo caso clínico. Filho de hippies nascido na ilha de La Réunion, na costa de Madagascar, foi deportado pela família para a casa da avó, em Paris, onde teve uma adolescência problemática, viciou-se em morfina e álcool, passou por hospitais psiquiátricos e pisou em todas as jacas que encontrou pelo caminho. Como adquiriu um belo texto em lugar de uma cirrose é um mistério. Como virou best-seller é outro. Hoje, Houellebeq escreve de porre, fuma um cigarro atrás do outro, mantém um casamento aberto e freqüenta casas de swing.

Em 1998, Houellebecq vendeu mais de 300 mil exemplares de Partículas Elementares. No livro, desanca a revolução sexual dos anos 60, numa escrita eivada de baixarias e agudas observações sobre a sociedade francesa. Em Plataforma, a obra mais recente, o protagonista é como sempre o próprio Michel (não tem esse papo de “um pouquinho de autobiografia”; tudo que está ali se passou ou teria se passado com o autor), funcionário público que resolve visitar a Tailândia nas férias. Ali procura sexo barato e algumas bizarrices. Na viagem, envolve-se com uma agente de turismo. O que rola? Sacanagem de altíssimo grau incrivelmente misturada com elegância. O curioso é que, nem de longe, Houllebeq lembra escritores assumidamente bebuns e safados, como Charles Bukowisk ou o cubano Pedro Juan Guterrez. O francês, como se dizia no Orkut, é muito mais “heavly”. Em todos os sentidos.

Com Extensão do Domínio da Luta Houellebecq exercita com mais gosto a ausência de autocensura e o niilismo ao contar a história de um analista de sistema (ele mesmo?) que viaja a trabalho até a cidade de Rouen, acompanhado de um amigo, Tisserand, que nunca se dá bem com as mulheres. O narrador procura ajudar à sua maneira. Sugere que Tisserand esfaqueie um casal de namorados para se vingar do descaso feminino por sua figura asquerosa. No livro, o personagem também vai a uns bares encher a cara, esculhamba a psicanálise - responsável, segundo ele, por perpetrar “uma escandalosa destruição do ser humano” - e, como sempre, defende sua admiração “por certas práticas de uso do corpo”.

Como não existe uma crítica literária associada à Farmacologia fica mais difícil enquadrar Houellebeq. Mas seu prontuário dá margem a observações do tipo tostines: ele escreve aquilo porque está bêbado ou bebe porque escreve aquilo?. Seja como for, o resultado - descontando as implicações políticas – é o melhor possível.

O certo é que é possível deliciar-se com a incrível dose de humor daquelas linhas e entrelinhas – concordando ou não com as ideias do autor. Talvez seja um caso contraditório de humor involuntário de alta qualidade.


_lulafalcao

2 comentários:

Gabriela Dalia disse...

Bem, eu já gostei daquela trilogia imunda do Gutiérrez, agora estou curiosa por esse Houellebeq. Vou atrás do "A possibilidade de uma ilha".

Rodrigo Cortez disse...

Rodrigo Cortez

Lula, fiquei curioso. Não sou muito chegado a escritores "bebuns", mas vou tentar ler algo desse cara. Escritores que levam uma vida excessivamente desregrada, me cheiram a whisky paraguaio. Drogas, álcool e sexo em dosagens absurdamente excessivas sempre alavancaram vendas e leitores. Caras como Bukowski, por exemplo, mesmo que inconscientemente, criam um "tipo" que, em muitos casos, são maiores do que o que escrevem. Nesse aspecto, acho os "caretas" mais revolucionários, vide Kafka, Machado, Guimarães Rosa, Fernando Pessoa, etc. Posta alguma referência bibliográfica do cara. Vou tentar ler algo e depois comento aqui. Abraço.

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