segunda-feira, 1 de abril de 2013

O amigo de Maria Amélia





Perdendo o sono por causa de ódio, embolando aquilo no juízo, quase esmurrando as paredes só de imaginá-la nos braços dele, os de sempre - os braços do melhor amigo. Mais grave: braços, pernas e outros membros envolvidos, entrelaçados em minha própria cama. Estavam lá, juntinhos, aos beijos, eu vi. A pior tarde da minha vida nessa convivência angustiada de três anos com Maria Amélia e seu inseparável Aloísio. O tempo todo fingi achar natural, deixava pra lá certos amassos, coisa de amigos, mas da boca pra dentro eu me dizia para não confiar naquele safado.

Eram de fato velhos amigos e esse era o problema. Sempre ele tinha umas coisas mais antigas para contrapor às minhas recordações sobre ela. Quando eu falava da semana passada, o desgraçado vinha com os tempos da escola. Sempre um passo na minha frente; neste caso sempre um passo atrás, mas dava na mesma, pois ele demonstrava uma intimidade só conferida pelo tempo. Às vezes brincava comigo: “antiguidade é posto, meu filho”, pronunciava de forma maneirosa, tentando deixar implícito que era brincadeira, todo gracinha, querendo talvez conquistar a simpatia do namorado da melhor amiga, mas tratando nosso namoro como coisa muito secundária na comparação com a amizade deles.

Maria Amélia também apresentava uns comportamentos incômodos, especialmente quando ela se dirigia a nós dois, eu e Aloísio, com se fossemos uma espécie de comitiva dela, um lote único. Nas nossas conversas, ela usava demais a expressão “então, guys?”, quando queria uma decisão, de preferência por unanimidade. Ela gostava da nossa companhia, pelo jeito, e íamos a quase todos os lugares juntos. No cinema, ela se sentava entre nós dois. Conversava mais com ele do que comigo. A mim, só restava um “psiu”, pedindo silêncio, “presta atenção no filme”.

Nesse triângulo, eu ficava torcendo pro o cara ser gay, muitas vezes é, mas este não era o lance de Aloísio porque ele estava sempre ali, à espreita, preparando o bote, e dando botes de verdade na minha ausência. A cena foi desagradável, aliás, terrível. Não era um beijo de amigos e eu esperei o negócio evoluir e foi mesmo adiante, pois enquanto eu estava tomado pela perplexidade, quase cego para a imagem, os dois já não tinham roupas por perto.

O que fiz? Nada. Normalmente não se faz nada nessas horas e assim é o mais certo, embora a tristeza de voltar para casa remoendo aquela situação seja parecida com vontade de vomitar que nunca se transforma em vômito, um negócio sem alívio. Ai o sistema nervoso começa a trabalhar contra você, aumentando o tamanho do problema, salpicando aqui e ali uns padrões morais, dando sinais de meu fracasso. Uma dor desgraçada e é por isso que não dormi naquele dia. Eles não sabiam que vi, ou sabiam, sei lá.


O dia chegou. Decidi ter uma conversa com os dois. Depois decidi sumir. Mais adiante decidi fazer de conta que nada havia acontecido. Daí não decidi nada. Fiquei apenas pensando porque estava destroçado, num mundo de relações amorosas tão voláteis. Por que agitar-se por uma traição se todos, ou quase todos e todas, traem? Sexo não seria apenas mais uma demonstração de carinho entre amigos?  Acho que ela gosta de nós dois. É um direito dela, pensando bem. Pensando mal: são dois escrotos.

Aloísio, no entanto, nunca deu menor bola para esta disputa, caso haja ou houvesse mesmo uma disputa, já não sabia, e diante de dúvidas e sofrimentos, liguei para Maria Amélia e disse que iria viajar por uns dias, mentira, permaneci em casa, sozinho, bebendo milhares de cerveja e chorando de vez em quando. Até que a saudade de Maria Amélia bateu muito forte - se fosse doença era caso de correr pra emergência -, e então resolvi informar que estava de volta de minha viagem que não ocorreu.

Não toquei no assunto, engoli a traição e Aloísio não aparecia mais. Pensei que ausência dele fosse sentimento de culpa de Maria Amélia. Até que ela contou, meio chorosa, que o amigo tinha viajado de verdade e só voltaria dentro de dois anos. Foi um alívio.

Passamos a levar nossa vida sem ele, o tempo correu, caímos na rotina de casal, já brigávamos um pouco sobre besteiras e comecei a sentir que faltava alguma coisa.  Faltava Aloísio, o terceiro elemento, o pomo da discórdia, o pivô do conflito, o responsável por manter minha vida com Maria Amélia em permanente ebulição, como devem ser os amores. Enfim, sem Aloísio, a história acabou.

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