Toda
semana Maria Helena morria. Constantes paradas cardíacas provocadas
por uma doença estranha, muito estranha, ainda não resolvida pela
medicina, levavam a traziam a mulher ao mundo dos finados – ou pelo
menos à antessala do fim. Nessas mortes, tão pontuais, às
quartas-feiras, ela entrava num túnel iluminado, como nos filmes
espíritas, mas antes de embarcar no desconhecido ou no nada, voltava
a si e via-se cercada por médicos e enfermeiras. Nem a família
frequentava mais suas ressurreições rotineiras. A novidade, nos
últimos meses, era a presença de religiosos, de todas as crenças,
interessados em saber o que se passa do outro lado.
Na
beira da cama, homens paramentados torciam pela confirmação de seus
dogmas. Maria Helena, no entanto, estava acostumada àquele meio
caminho andado e já não dava tanta importância ao túnel nem à
visão da luz estourada, um negócio já batido pelas matérias de
TV. Havia ainda os céticos, a considerar a viagem como parte da
programação do cérebro para enfrentar a morte de forma menos
assombrosa. Chamam isso de Experiências de Quase Morte (EQMs). O
caso de Maria Helena era mais raro porque o cérebro também parava,
ela esfriava e ficava branca como uma louça branca. Qualquer um,
nessas condições, iria direto para o IML.
-
Só sei que paro antes de entrar na parte mais forte da luz e daí
começo a voltar – disse Maria Helena aos médicos e a seu
ecumênico público.
Já
estava até chateada em não trazer notícias do túnel. Queria
colaborar. Um dia resolveu ir mais adiante e além, na direção da
luz forte, por sinal muito parecida com a luz sobre sua cama de
hospital. Não arriscou demais. Voltou.
-
Tudo é muito claro – contou Maria Helena, obviamente referindo-se
à luminosidade e não a uma inesperada revelação divina ou
sobrenatural. Clérigos, pastores, rabinos, pais de santo e mulás
pareciam impacientes.
Ela
gostava do corredor, apesar dos incômodos do retorno. Era como uma
viagem de ácido, virou um vício, embora a possibilidade de um
apagão definitivo não estivesse em seus planos. Além disso, sentia
certo incômodo quando ressuscitava. Mesmo assim, mantinha a
esperança de encontrar algo nesse roteiro, pois caso ficasse morta
por mais tempo ou para sempre, seria tedioso passar a eternidade sob
aquela iluminação exagerada, andando, andando, andando. De fato,
estava dividida entre um caso médico e uma questão religiosa.
Um
dia, acontece a todos, Maria Helena foi e não voltou. Os
observadores religiosos saíram do hospital com as mesmas certezas da
fé, mas estavam contrariados com o tempo perdido e a falta de mais
empenho da morta.
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