sexta-feira, 19 de abril de 2013

As mortes de Maria Helena





Toda semana Maria Helena morria. Constantes paradas cardíacas provocadas por uma doença estranha, muito estranha, ainda não resolvida pela medicina, levavam a traziam a mulher ao mundo dos finados – ou pelo menos à antessala do fim. Nessas mortes, tão pontuais, às quartas-feiras, ela entrava num túnel iluminado, como nos filmes espíritas, mas antes de embarcar no desconhecido ou no nada, voltava a si e via-se cercada por médicos e enfermeiras. Nem a família frequentava mais suas ressurreições rotineiras. A novidade, nos últimos meses, era a presença de religiosos, de todas as crenças, interessados em saber o que se passa do outro lado.

Na beira da cama, homens paramentados torciam pela confirmação de seus dogmas. Maria Helena, no entanto, estava acostumada àquele meio caminho andado e já não dava tanta importância ao túnel nem à visão da luz estourada, um negócio já batido pelas matérias de TV. Havia ainda os céticos, a considerar a viagem como parte da programação do cérebro para enfrentar a morte de forma menos assombrosa. Chamam isso de Experiências de Quase Morte (EQMs). O caso de Maria Helena era mais raro porque o cérebro também parava, ela esfriava e ficava branca como uma louça branca. Qualquer um, nessas condições, iria direto para o IML.

- Só sei que paro antes de entrar na parte mais forte da luz e daí começo a voltar – disse Maria Helena aos médicos e a seu ecumênico público.

Já estava até chateada em não trazer notícias do túnel. Queria colaborar. Um dia resolveu ir mais adiante e além, na direção da luz forte, por sinal muito parecida com a luz sobre sua cama de hospital. Não arriscou demais. Voltou.

- Tudo é muito claro – contou Maria Helena, obviamente referindo-se à luminosidade e não a uma inesperada revelação divina ou sobrenatural. Clérigos, pastores, rabinos, pais de santo e mulás pareciam impacientes.

Ela gostava do corredor, apesar dos incômodos do retorno. Era como uma viagem de ácido, virou um vício, embora a possibilidade de um apagão definitivo não estivesse em seus planos. Além disso, sentia certo incômodo quando ressuscitava. Mesmo assim, mantinha a esperança de encontrar algo nesse roteiro, pois caso ficasse morta por mais tempo ou para sempre, seria tedioso passar a eternidade sob aquela iluminação exagerada, andando, andando, andando. De fato, estava dividida entre um caso médico e uma questão religiosa.

Um dia, acontece a todos, Maria Helena foi e não voltou. Os observadores religiosos saíram do hospital com as mesmas certezas da fé, mas estavam contrariados com o tempo perdido e a falta de mais empenho da morta.

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