Nesse
ponto da minha história com Iberê eu queria fazer uma pausa para contar como
conheci Assis, o fotógrafo, num restaurante a quilo da Rua Augusta. Sujeito
inteligente e frustrado, parecido comigo. Conversa vai, conversa vem e ele me
convidou para conhecer seu trabalho numa revista de pornografia, com sede numa
casinha do Paraíso. Fui lá e fiquei impressionado. Sentado num banquinho do
estúdio, já no dia seguinte, pude observar como funciona esse mundo das
publicações de putaria.
“Empina a bunda mais um pouco”,
instruía Assis à modelo. Ela pensava já estar empinada o suficiente, mas o
fotógrafo queria destacar as reentrâncias de forma mais escancarada ainda,
seguindo os padrões de qualidade da revista. Buscava um ângulo novo, embora
novidades nessa área não sejam tão valorizadas. Queria compensar a falta de
atributos da mulher com uma pose menos usual, sem perder de vista os
necessários teores de sacanagem. Mas não havia jeito. A decepção de ambos era
visível. Poderia dar um intervalo, comer a modelo e reiniciar o trabalho, como
ocorre com frequência na publicação pornográfica. Não. Assis foi tomar um café
comigo na esquina e maldizer a vida. Ela foi chorar no banheiro.
Soube que Assis e a modelo,
Letícia, tinham outros planos de vida. Ela sonhava com as passarelas
internacionais quando era mais jovem; ele sonhava com as savanas africanas, os
povos do terceiro mundo, uma vida de Sebastião Salgado. Mas estavam ali, no
estúdio improvisado, produzindo closes de xerecas para o lupen do punhetariado.
O caso dela foi coração partido.
Casou-se, teve um filho, foi abandonada e ficou com cicatriz de cesariana. O
dele foi álcool. Como a profissão não decolava e as fotos não renderam o devido
reconhecimento, caiu na cerveja até onde o dinheiro dava. Depois, quase na miséria,
restavam Dreher e 51, as mesmas bebidas que eu tomava antes de ser resgatado
por Iberê. Quando parou, já era tarde. Só apareceu emprego na revista de
mulheres nuas, quase pelo avesso, e ele topou. O paudurismo só durou uma
semana. Logo, logo o trabalho ficou chato, repetitivo, uma sequência
interminável de bundas, linguinhas pra fora, sorrisos falsos, pernas abertas e
o velho fundo azul do estúdio. Vidinha de merda – e Assis ainda tinha que
ajudar na paginação. Mal conversava com as meninas, muito menos saía com elas
depois do expediente. Não era moralismo. Achava tudo sem muita imaginação.
Poderia até inovar, aqui e ali, mas os leitores, digamos assim, nem iriam
notar. O cara que compra a revista quer ver xoxota in natura, sem frescuras
estéticas; esqueça o Cartier-Bresson . Então eu sugeri a Assis: “posso te
arrumar uma colocação na igreja de um amigo. Produzo uma publicação, house
organ, sobre os cultos, as obras sociais, enquanto você faz um trabalho por
fora, mais artístico, para seu uso, mostrando a presepada das sessões de cura”.
Assis ficou curioso, já pensando num livro de arte, com capa dura, e resolveu
ir comigo conversar com Iberê.
*Trecho do livro “Iberê, segundo
Paulo”, a ser lançado em maio pela editora Nhambiquara
Do malvadezas.com
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