terça-feira, 2 de abril de 2013

Iberê, segundo Paulo*




Nesse ponto da minha história com Iberê eu queria fazer uma pausa para contar como conheci Assis, o fotógrafo, num restaurante a quilo da Rua Augusta. Sujeito inteligente e frustrado, parecido comigo. Conversa vai, conversa vem e ele me convidou para conhecer seu trabalho numa revista de pornografia, com sede numa casinha do Paraíso. Fui lá e fiquei impressionado. Sentado num banquinho do estúdio, já no dia seguinte, pude observar como funciona esse mundo das publicações de putaria.
“Empina a bunda mais um pouco”, instruía Assis à modelo. Ela pensava já estar empinada o suficiente, mas o fotógrafo queria destacar as reentrâncias de forma mais escancarada ainda, seguindo os padrões de qualidade da revista. Buscava um ângulo novo, embora novidades nessa área não sejam tão valorizadas. Queria compensar a falta de atributos da mulher com uma pose menos usual, sem perder de vista os necessários teores de sacanagem. Mas não havia jeito. A decepção de ambos era visível. Poderia dar um intervalo, comer a modelo e reiniciar o trabalho, como ocorre com frequência na publicação pornográfica. Não. Assis foi tomar um café comigo na esquina e maldizer a vida. Ela foi chorar no banheiro.
Soube que Assis e a modelo, Letícia, tinham outros planos de vida. Ela sonhava com as passarelas internacionais quando era mais jovem; ele sonhava com as savanas africanas, os povos do terceiro mundo, uma vida de Sebastião Salgado. Mas estavam ali, no estúdio improvisado, produzindo closes de xerecas para o lupen do punhetariado.
O caso dela foi coração partido. Casou-se, teve um filho, foi abandonada e ficou com cicatriz de cesariana. O dele foi álcool. Como a profissão não decolava e as fotos não renderam o devido reconhecimento, caiu na cerveja até onde o dinheiro dava. Depois, quase na miséria, restavam Dreher e 51, as mesmas bebidas que eu tomava antes de ser resgatado por Iberê. Quando parou, já era tarde. Só apareceu emprego na revista de mulheres nuas, quase pelo avesso, e ele topou. O paudurismo só durou uma semana. Logo, logo o trabalho ficou chato, repetitivo, uma sequência interminável de bundas, linguinhas pra fora, sorrisos falsos, pernas abertas e o velho fundo azul do estúdio. Vidinha de merda – e Assis ainda tinha que ajudar na paginação. Mal conversava com as meninas, muito menos saía com elas depois do expediente. Não era moralismo. Achava tudo sem muita imaginação. Poderia até inovar, aqui e ali, mas os leitores, digamos assim, nem iriam notar. O cara que compra a revista quer ver xoxota in natura, sem frescuras estéticas; esqueça o Cartier-Bresson . Então eu sugeri a Assis: “posso te arrumar uma colocação na igreja de um amigo. Produzo uma publicação, house organ, sobre os cultos, as obras sociais, enquanto você faz um trabalho por fora, mais artístico, para seu uso, mostrando a presepada das sessões de cura”. Assis ficou curioso, já pensando num livro de arte, com capa dura, e resolveu ir comigo conversar com Iberê.
*Trecho do livro “Iberê, segundo Paulo”, a ser lançado em maio pela editora Nhambiquara

Do malvadezas.com

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