É inevitável, minha querida, disse o marido; não
tem jeito, se conforme, é assim mesmo, repetiram outros familiares, pois era
realmente um caso perdido, não adiantava espernear, reagir e usar todas as
forças porque as forças já eram poucas e, nessas horas, são últimas e cada vez
menores, e então Maria percebeu que iria, é o destino de todos, embora ela não
concordasse com isso, a moribunda, e gostaria mesmo era de estar sozinha, na
floresta, urrando contra a morte, feito um bicho. Pelo menos poderia morrer a
seu jeito, sem gente do lado para designar um rito, como quem diz é dessa forma
que se morre direito.
Mas estava também morta de vergonha, mais
uma morte, o escândalo que estava fazendo diante de todos, muitos torcendo pelo
fim da agonia, mais para se livrar da cena, porque Maria não queria ir embora,
apesar dos oitenta e cinco anos, muitos bem vividos, e talvez por isso mesmo
preferisse esticar ao máximo sua permanência, mesmo entre aquele estranho grupo
de parentes e amigos, cuja desculpa de abreviar seu sofrimento acabava por
causar-lhe imensa decepção. Eles só faltavam fazer uma contagem regressiva e
pareciam torcer freneticamente pelo desfecho, enquanto ela sentia-se traída
pelo tempo, e lamentava a desvantagem em relação aos que ficavam vivos, a
desinformação permanente que a morte provoca, sem contar o principal, o apagão,
o pluft, a passagem pela porteira que dá acesso a coisa nenhuma.
Os outros seguiam ali por bons instintos, a
crença na ida desta para uma melhor e algum sentimento religioso que ajuda
muita nesses momentos, mas em termos práticos pode ser nulo, no mínimo sem
garantia, e caso existisse outra coisa do outro lado, trata-se de uma mudança e
tanto de ambiente, além do fato de ter que começar do zero num lugar
desconhecido. O principal, no entanto, é que Maria não acreditava em tal
possibilidade e por isso seu escândalo começava a incomodar.
Então, numa tomada de um fôlego
espetacular, capaz de queimar monitores de frequência cardíaca e respiratória,
causando ainda um estrondo no quarto do hospital, Maria saltou da cama como uma
atleta, desligou-se dos fios em seus braços e encheu a plateia de impropérios,
provocando também espanto nos médicos e enfermeiras, incapazes de explicar tal
ocorrência sob a ótica da medicina.
Maria ainda viveu mais dez anos e morreu
dormindo, sozinha como queria.
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