quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Especulação sobre um casal sem amor e sexo

O casal sem amor nem sexo vivia uma amizade estranha. Os dois, neste caso homem e mulher, poderiam estar naquele ponto intermediário localizado por Proust entre a exaustão física e o tédio mental. Não se sabe. Prosseguiam juntos, há quase 20 anos, sem saber a razão da vida em comum. Não brigavam nem se divertiam. Não riam nem choravam. Não trepavam nem traíam. Não havia filhos para cuidar. O divórcio não causaria problema logístico grave. A coabitação, portanto, não era de fundo econômico. Estavam em bons empregos. Não mantinham qualquer tipo de associação. Apenas uma certidão de casamento – um contrato para fins desconhecidos.

Há anos não se tocavam e nunca chegaram a discutir o relacionamento. A casa de dois quartos funcionava como um hotel. Cada um em sua cama, mas café da manhã na mesma mesa, gostos e valores parecidos e nenhuma briga. A união não foi compulsória. Moram sob o mesmo teto por conveniência e proteção contra a vida interior e a vida lá fora, mas, neste último caso, é só especulação. Como habitantes da literatura, precisam se explicar e explicar um casamento por interesses tão precários. De histórias desse tipo, sem parábolas e compilações de sábios provérbios, espera-se o prazer da conclusão, se for seguida a receita de Harold Bloom sobre contos. Por enquanto não há desfecho à vista.

Há apenas uma rotina, com tarefas bem divididas, contas em dia e aposentadoria privada. A respeito da vida, ela soltou uma frase perdida. “Estamos aqui passando uma chuva”, disse, durante o jantar. “E depois?”, ele perguntou. “Depois, nada”, respondeu a mulher. A conversa parou por ai.

Impermeáveis em relação à vida interior ou a ausência dela, não demonstravam insatisfações, rancores, remorsos, arrependimentos e culpas. Talvez vivessem emoções secretas, mas o narrador não as conhece, nem tem como conhecê-las; apenas descreve a aparência e busca uma saída.

A pressa pode levar a um remate feliz ou à tragédia. A tentação pelo meio termo também aparece, mas qual seria o desenlace mais minimalista? Ontem à noite, um filme de Robert Bresson ("O Batedor de Carteiras"), inspirado em “Crime e Castigo”, sugeriu a frieza e algum existencialismo para este final: “Por que viver?”, indaga o personagem Michel. Não cabe, por ora, questionar o sentido da existência. O desdobramento, então, poderia ser uma viagem ao período pré-casamento de cada personagem. Mas os dois só passaram a existir depois da cerimônia nupcial. Alguma coisa aconteceu nesse dia? Não, nada demais.

A alternativa é terminar como sempre foi - vidinhas inexplicáveis, seguindo seu rumo, deixando as coisas em ordem. Sem expectativas e sem Shakespeare. Um mergulho na alma dos personagens demanda tempo e nunca saberemos se vale a pena.

Um comentário:

Marília disse...

ai, uma vida que não vai além da casca.
deusulivre!

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