quarta-feira, 6 de março de 2013

A moça do carro


Outro dia eu estava num ponto de ônibus quando passou um Jaguar conversível dirigido pela mulher mais linda do planeta. O carro parou e então o cenário da manhã ganhou viço, ficou mais colorido, ruas e calçadas brilhavam de tão limpas. No horizonte, surgiu um arco-íris.

Uma imagem dessa magnitude para quem está num ponto de ônibus, sem dinheiro para o táxi, mereceu o dobro da minha atenção, sem contar o entusiasmo e a taquicardia. Era um momento único da existência e parecia real, exceto pela trilha sonora ecoando pelo bairro e inteiramente coerente com a cena. Como se não bastasse, ela saiu do carro, com vestido verde de atriz francesa em filme de verão, Le Rayon Vert, por exemplo, e me pegou pelo braço. “Você vem?”, perguntou.

Tomei a esplêndida providência de reabrir a porta do veículo e deixá-la entrar primeiro. A mulher me passou a chave e logo estaríamos numa estrada estreita, quase no topo da montanha, de onde se avistava o mar, também verde, cintilante. Pensei, por acaso, sobre o absurdo da situação – a moça parecida com a Mélanie Laurent ao meu lado, alisando minhas pernas, e mais o dia cheio de luz e um mar numa cidade sem mar. Pensei: só faltam a Jane Birkin e o Serge Gainsbourg. Melhor não, repensei: são muito chatos esses programas de casais.

Rodando a toda velocidade naquela costa do sol, ela me passou o cigarro, com marca de batom, deixando um risinho enigmático no ar matinal. Mostrava uma alegria juvenil de estar comigo, como se aquele instante fosse o objetivo final de sua vida. Deitou a cabeça no meu ombro, atacou com sucessivos beijinhos, cantou com alegria, balançando-se no assento. Um pout pourri. “Chansons francaises dans les années 1960”, informou, com a voz aveludada e sexy.

Todos dirão, eu sei: foi um sonho. Não foi. Assim seria fácil demais e o recurso, aqui para nós, é da pior qualidade. Outros apostarão em drogas. Um ácido, talvez. Dizem que sob o efeito do LSD o cientista Francis Crick imaginou a dupla hélice do DNA pela primeira vez, no século passado, e ganhou o prêmio Nobel. No meu caso, teria sido o efeito mais retroativo da história. Vi o último ácido em 1979.

O que seria? Não importa, por enquanto, enquanto durar, pois a aventura continuou e continua. Camponesas coradas nos sorriam na estrada, a brisa era leve, a vegetação era perfeita, entre o Éden e o Photoshop. No ar, um pequeno avião, encomendado por ela, carregava uma faixa: “Je t’aime”. A jovem francesa tirou a blusa, ergueu os braços e gritou: “Uhuuu!”.

Publicado no mavadezas

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