sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Cigarros e consequências niilistas




Por que essa cara feia? Só perguntei se tinha cigarros. Diga que não tem e pronto, sem discurso, sei dos males do fumo, mata, aliás, não só o fumo mata, um monte de coisas mata, e a senhora também vai morrer, mesmo sem fumar, sem beber, sem fazer nada. Pode até morrer de tédio. Se eu fosse a senhora já estava morto, preferia. Pode viver mais uns anos? E daí? Tudo termina do mesmo jeito.

Agora fudeu. O que Jesus tem a ver com isso? A senhora acredita em Deus? Ótimo. Vá pro Céu e não me encha a paciência. Vai fazer o quê no Céu? Ninguém sabe como é, ninguém sabe se existe, ninguém sabe de nada. E se vai pro Céu depois de morta por que se preocupar em não fumar? Não gosta de fumar, não fume, mas deixe os outros em paz.

Não estou irritado, não, foi a senhora que começou. Fiz uma pergunta banal - “tem cigarros?” - e ouço mais do que um “não”. Um olhar de censura, quase raivoso, como se eu estivesse atrás de cocaína ou plutônio. Depois a senhora inicia a pregação religiosa, não somente contra o tabaco, mas contra meu gesto, contra mim e mais adiante começa a me enxergar como infiel, um homem sem Deus, um descrente.  Não é da conta da senhora.  Sou viciado, sim, mas mandaria a indústria do cigarro pro inferno, pena que não há inferno, porque mandaria a senhora junto.

É cada uma. O comércio hostil, só faltava essa. Se a moda pega, posso ser preso por pedir qualquer produto que o vendedor não tem. Ali na esquina com certeza têm cigarros, na loja de conveniência, e pergunto o que senhora tem feito em relação a isso. Vai jogar uma bomba na loja, vai? Daqui a pouco essa sua obsessão vira terrorismo. Fanatismo do caralho. Falo sim, caralho. Vai chamar a polícia? Pois chame. Eu devia ter comprado um pacote no supermercado, a porra do supermercado só vende em pacotes, acho um absurdo. Como também acho absurda a reação da senhora.





Seu guarda eu só perguntei se ela tinha cigarros. Chamar a polícia por uma besteira dessas. Só que a vendedora queria me converter à religião dela. Não gosto disso. Só queria um cigarro... Não, não. Não agredi ninguém. Só reclamei do atendimento. Tudo bem, o senhor não fuma, mas o que uma coisa tem a ver com a outra? É um produto vendido legalmente. Nunca fumei em áreas proibidas, respeito a lei, não posso ser acusado de nada. O quê? Ela disse que sou niilista? E daí?  Um niilista tentando comprar cigarros. É crime? Pode ligar pra delegacia? Quer que eu explique o que é niilismo? Não quer, então pergunte ao delegado; liga ai?

Não, a senhora está enganada; ela está enganada, seu guarda. Niilistas não matam pessoas; é um conceito filosófico, a desvalorização e a morte do sentido, a ausência de finalidade e de resposta ao “porquê”. Li isso na Wikipédia e nem sou niilista, apenas um consumidor exigindo respeito. Quer dizer que o delegado está procurando o crime de niilismo no Código Penal? Não vai encontrar, seu guarda; é melhor ele consultar Turgueniev, Dostoievski, esse pessoal. Máfia russa? Não é nada disso, seu guarda.

Estão averiguando? Averiguando atividades da máfia russa nessa área? Que loucura! Serviço Secreto da PM? Não se pode mais fumar nesta cidade? O senhor está confundindo as coisas e essa mulher é louca. Niilismo não é o nome de uma operação criminosa. O delegado disse que os niilistas combatem as religiões? Onde ele leu isso, meu Deus? Só dizem que a vida não tem sentido. Só isso. Não, não acho pouco, mas não é crime em lugar nenhum.

Tudo bem, pode me levar, mas dá uma paradinha naquele quiosque, por favor. Olha aqui o dinheiro, compra pra mim. Obrigado, seu guarda. Valeu mesmo. É isso. Vermelho. Box.


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