sábado, 3 de novembro de 2012

Primeira sessão




- Eu me vi ontem à noite no outro lado da rua. Tenho certeza: usava a mesma roupa, era igual a mim em detalhes, até no jeito de andar.  Eu estava lá e cá, nos dois lados da rua. Olhamo-nos rapidamente, perplexos, ambos tentamos uma aproximação, mas desistimos. Eu (ele) desisti; Ele (eu) desistiu. Medo das conseqüências.

- Você vendo você... Só há um “você”.

- Um duplo, talvez. Andei lendo a respeito de outras dimensões. Uma imagem de mim mesmo pode ter vazado de lá...

- Há também O Duplo, de Dostoievski. Senhor Goliadkin pensa que é um outro, um outro diferente dele, mas um outro que só existe pra ele...

- Loucura, né?

- Não vamos tratar dessa forma. Digamos: um transtorno. Fale mais sobre ele (você)?

- Não é a primeira vez. Segui seus passos uma vez. Ele (eu) repetia meus gestos, como o argentino que segue os passantes, imitando seus gestos. Não era argentino. Éramos eu (ele) e ele (eu).

- Havia espelhos por perto?

- Não.

- Era uma possibilidade. Pode ter sido um reflexo qualquer, uma informação errada passada pelo cérebro. Você tomou alguma coisa antes de vê-lo?

- Água com gás e café.

- Já pensou em abordá-lo?

- Abordar quem?

- Ele, você, tanto faz.
  

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