Eles caíam aos poucos, em câmara lenta,
embora um observador pudesse vê-los caindo de uma vez - uma queda seguida do
baque seco e finalmente corpos inertes no chão. Alguns se mexiam; outros, não.
Quem caía, no entanto, experimentava um demorado suplício, e sem a aceleração própria
da gravidade. Uma viagem vertical em que os pensamentos eram repassados como
uma via sacra, compactando os piores momentos da vida, os maiores desatinos, a
vergonha, o medo e a dor. Mas havia também um cotidiano, famílias, expedientes,
contas a pagar e até o simulacro de um governo. Não estavam ali por vontade própria
nem foram empurrados. Só estavam naquela situação e não havia como explicar por
que caíam.
Durante a queda conseguiam manter contato
com outros cadentes de longo prazo. Questionavam a razão de estarem ali e
estavam certos de não tratar-se de um simbolismo sobre a existência ou algo
parecido. Era um acontecimento físico e envolvia centenas, talvez milhares, de
seres desinformados. Um fenômeno recente da natureza em contradição com certas
leis estabelecidas. Sabiam que não estavam num precipício – era uma queda em
si, feita sob medida para determinadas pessoas, como um castigo ou um destino.
Os observadores, por sua vez, estavam igualmente espantados. Tanto por verem
tanta gente nessa trajetória quanto por temerem que eles também pudessem
desabar de uma hora para outra. O mundo, naquela época, basicamente era isso.
Os que caiam e os que observavam. A instabilidade, portanto, afetava todos.
No meio da queda havia tempo e espaço para
refletir sobre aquilo. Nenhuma explicação razoável, mas tentativas de encontrar
uma saída – a interrupção da queda, o despertar de um pesadelo, a revelação de
que tudo não passava de uma brincadeira – uma pegadinha da TV, embora muitos já
estivessem acostumados à queda e procuravam levar a vida como se nada demais
estivesse acontecendo. Despertavam, no entanto, quando vinham as partes mais difíceis
do processo: pesadelos vívidos e realidade num só bloco, situações tão
assombrosas que faziam o sonhador preferir voltar à queda regular do dia a dia.
A velocidade era igual para todos na mesma
linha de queda e nesse ritmo as mesmas coisas e pessoas estavam num mesmo
plano, como a banca de revista, que cai junto com a mulher que compra um
jornal, sendo que mais adiante – ou mais embaixo, que seja – não existem mais jornais
nem revistas.
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