sexta-feira, 4 de abril de 2014

Direto da lixeira: histórias abortadas



Já pensou se seu passado não existisse, fosse apenas uma invenção da mente para cobrir um buraco? Já pensou? O cérebro prega peças, constrói suposições falsas, arrasta coisas do presente para trás e as transforma em lembranças remotas. Pode fazer o contrário, dai parece que foi ontem, mas o que interessa mesmo é a possibilidade de seu passado não ter existido. Não existiu, tenho quase certeza, pois sempre estive a seu lado.  Não existiu nem amor nem aventura, como você conta, cheia de detalhes. Não existiu a infância daquele jeito e acho que o personagem tomou conta de você –  enfiou outro roteiro em sua cabeça...



Nunca mais ouvimos falar de um vizinho dos anos oitenta e da menina que engolia fogo. Nem no ganhador da loteria nem do meio campista da Ponte nem da moça que andava nua no apartamento. Alguns podem estar mortos ou na miséria; outros mudaram de país ou voltaram para o interior. Ninguém sabe.  São pessoas que tiveram um momento da minha convivência, desapareceram  e  por falta de curiosidade ou disposição deixei de procurá‐las...



A nova família se forma aos poucos. A principio é apenas um ajuntamento de pessoas para dividir o aluguel. Pode ser pessoas conhecidas ou não.  De qualquer forma, existe um clima de reatity show no início. Uma quer mostrar ser boa gente;  outra lava pratas que não sao seus. Um dia atrás do outro, o desleixo aparece, ainda sinais fracos,  o papel dentro do vaso, por exemplo. Foi ou não foi acidente? Não importa. Aquele momento marca o início da discreta beligêrancia e só não engrossa porque, feitas as contas, um tanto para uma,  um tanto para outra, as coisas pesam pro lado da economia...



O corpo é o templo onde sacrificamos animais em rituais sacânicos. Politeísmo no centro da mesa, diante da tela imensa e no altar dos prazeres. Adoração a qualquer diaba em figura de gente, mesmo sem a presença desta, pois o sacrifício é simbólico, embora exija esforço manual, textos e imagens. O empenho das mãos produz o verdadeiro êxtase religioso – o jorro no final do culto. Nenhuma religião oferece tamanho espetáculo. Não cobramos dízimos; apenas as despesas com banda larga e itens de higiene...




Ao longo das décadas, às vezes séculos, as cidades passam por transformações importantes. Raramente ocorrem do dia para a noite, como ocorreu aqui, na semana passada, enquanto eu ainda dormia. Acordei e não havia água. Descia um líquido viscoso e vermelho da torneira. Liguei a TV, estava em preto e branco. Telefone estava mudo. O fogão não acendia. Foi só o começo...



Sempre pensei em viajar no tempo e sempre disseram ser impossível da forma como pretendia: voltar ao passado, esconder-me em algum lugar na década de 50 e ficar por ali, começando tudo de novo, tentando entender melhor o mundo em sua evolução até hoje. Chegaria ao século passado munido dos conhecimentos atuais, prevenido contra as ocorrências históricas e domésticas, mas sem influir em nada para não desvirtuar o futuro. Aqui e ali haveria umas alterações. Como estou necessitado na presente data, poderia abrir um escritório de previsões por volta de 1952 e investiria na bolsa, apostando em empresas emergentes nas áreas de petróleo e siderurgia. Minha profissão seria futurólogo, igual ao Herman Khan, que não deu certo porque ele não esteve em hoje, como eu estive...

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