Na cabine, trabalho e atenção; lá ficam os
controles, controladores e técnicos. Três turnos de oito horas no comando da
nave, como manda a lei trabalhista; pleno emprego a bordo, sem contar a vida
social ativa e incentivada. Fora do expediente, cada um faz o que quer,
observando apenas o bom senso e a segurança da viagem. No final turno, muitos
deixam seus postos e vão direto para a destilaria, que trabalha com matéria-prima
colhida na nuvem Sagittarius B2 – aquela com cheiro de rum e sabor de framboesa.
Ali servem um dos melhores mojitos do universo conhecido.
Basta atravessar alguns metros de
corredores, em esteiras rolantes, e tudo parecerá festa permanente: casais de
mãos dadas, brigas e bebedeiras, casas de shows iluminadas, bares temáticos e
cassinos em que nada se perde e nada se ganha. Estão cheios de gente e de apostas
imaginárias. Nesse cenário, passageiros
e funcionários enchem as ruas, falam alto e riem por qualquer coisinha.
A tentativa é reconstruir uma pequena
cidade terrena, com suas atrações e desejos, a não sei quantos milhões de anos
luz, em que o tempo deixou um tanto de importar e as pessoas cumprem seus
papéis num eterno agora ou quase isso.
Mas basta olhar pelas raras janelas para a ver a leve mudança da
paisagem, ou pelo menos um pequeno cometa cruzando a estibordo, de vez em
quando Acontece quando a nave reduz sua velocidade, em oásis no meio do nada, e
então é possível ter ideia do lado de fora. A regra é a nave deslizar no espaço
a quase 299 792 458 metros por segundo.
Os personagens passam por todos os
processos de uma viagem demorada. Dormem em casulos e acordam noventa anos
depois – como nos filmes -, enjoam em nebulosas turbulentas, mas a missão tem o
objetivo principal de promover a diversão e eliminar o tédio nesse passeio praticamente
sem fim. Muito tempo fora de casa. Quando voltarem – se voltarem – encontrarão
seus trinetos em clínicas geriátricas. Enquanto o tempo a bordo de arrasta
devagar, conforme prevê a física, a base terrestre envelhece e muda, ou talvez
deixe de existir entre a partida e eventual chegada. Pensar nisso entristece
tripulantes e passageiros e só a balada permanente garante a paz de espírito.
Caso o som fosse ouvido no vácuo – e
tivesse alguém para ouvi-lo – o bate-estaca das boates, os churrascos e pagodes
competiriam com os motores de antimatéria da animada espaçonave turística. Eis
a narrativa do cosmo: balas aceleradas de silício lá fora, e cá, entre as
paredes titânicas, um ambiente urbano, com direito ao ócio – redes e cadeiras
de cruzeiro marítimo - e esplendidamente posto a serviço lazer, com pornografia
para todos, traficantes de drogas recém-descobertas, sons imitando buzinas de
cidades deixadas no chamado grupo local - endereço da remota Via Láctea. Tudo
perfeito para a dissipação, enquanto não vem novo sono entre colunas reforçadas
e vidros a prova de saídas precoces. Uma nau estelar urbana, em que jovens
centenários circulam com garrafas de Bourbon, roupinhas curtas e provocantes, e
a necessária alegria estampada na cara porque não haveria outro jeito de
resistir à aparente eternidade da situação.
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