sábado, 22 de agosto de 2015

O livro de Ateneo



Quando contei que estava escrevendo um romance sobre 1979, ele simplesmente mudou de assunto. Sua aparente falta de curiosidade escondia uma coisa grave, pois já sei como o animal se comporta nessas horas. O assunto puxado por ele era irrelevante e apareceu assim, numa tomada de fôlego, apenas para substituir o anterior, mostrando como Ateneo se assustara com minha revelação. Pensei: volto ou não volto ao meu livro? Estou pronto para uma avaliação de quarenta anos de amizade?

A princípio, a preguiça contou mais. Seria uma conversa dolorida, cheia de reclamações, e isso termina até afetando sua relação consigo mesmo. Mas Ateneo parecia tão desconcertado, sem saber o que dizer; ele estava pálido. Então resolvi enfrentar o animal, como enfrentei outras vezes, na infância e adolescência, quando passamos a nos chamar um a outro de animal.

O negócio foi se esclarecendo. Ateneo tinha pensado o mesmo livro, que nasceu de nossas conversas em 1979 sobre o universo das partículas e as histórias bizarras da física quântica - como o fato de um nêutron estar em vários lugares ao mesmo tempo. O enredo se mesclava com pessoas que conhecemos na época e cada uma delas fazia parte do Modelo Padrão – teoria quântica de campos desenvolvida entre 1970 e 1973. Nós, os personagens, éramos as partículas fundamentais da matéria.

Estudante de Física, ele se achava dono de mais de cinquenta por cento dessas conversas, emitia mais informações, e, portanto eu não poderia começar a escrever um livro sobre o assunto à sua revelia. Mais: ele se achava o coautor natural de um romance que estava nas primeiras linhas. Quanto ao seu próprio romance, Ateneo garantiu que estava amadurecendo a ideia e quando esta amadurecesse me chamaria para um trabalho a quatro mãos.

A partir daí nos deixamos de falar.

Mais tarde, fiquei sabendo que Ateneo também tinha escrito o livro, enquanto fiquei só no início, travado com nossa última conversa. Eu, na verdade, era o enganado, e entendi finalmente sua reação naquele dia. Ateneo não se sentia traído, ou, pelo contrário, não sentia culpa.  Seu desespero e sua fúria eram apenas pelo risco de não ser mais inédito. 
Resultado: Ateneo editou o livro, com seus próprios recursos, porque nenhuma editora se interessou. Depois disso, só silêncio da crítica e desprezo do público. Ele terminou seus dias cercado de exemplares encalhados.


Tantos anos sem vê-lo, a raiva havia cedido. Recebi o desfecho com imensa tristeza, não apenas por ele, mas por todos nós, personagens do livro sobre 1979. O nosso modelo padrão havia desabado na teoria e na prática. Era só uma ideia pretenciosa e perdemos muito com isso.

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