terça-feira, 7 de outubro de 2014

O poço




Eu repetia vamos em frente, avante, essas coisas motivadoras, frases de cunho político, mãos cerradas para o exército de homens arrastando o peso  enorme  do fundo até a borda, numa distância já transatlântica, caso o cansaço fosse  medido  em quilômetros. Todos estavam no limite de suas resistências, mas reagiam à minha liderança, empenhando mais esforço, mais energia, numa jornada sem rumo. Enquanto eu pedia coragem, prumo, paciência, palavras de ordem com ponto de exclamação, o suor  do primeiro escorria no segundo e assim por diante, até chegar aos últimos da fila vertical, lá embaixo,  em forma de chuva de janeiro.

O pensamento desses homens moía o tempo  em lembranças tiradas a pulso, numa situação em que difícil pensar e se não pensassem não sairiam do canto, num quase paradoxo a ser resolvido com  valentia, pois ali estavam os últimos de nós, escalando o imenso buraco em que fomos nos meter. Gente de toda espécie, alguns conjecturando, em lampejos, sobre assuntos diversos para não se atar apenas à tarefa a ser cumprida, uma questão de vida ou morte, aliás.  A situação era extrema, o tempo todo, pois as paredes do poço eram gosmentas e  escorregadias,


Eu era o da frente, levando o peso da autoridade e mais não sei quantos corpos exaustos da subida, sem contar os que os que caíram pelo caminho e de tão fundo o poço muitos ainda estão caindo até hoje. Durante o percurso tentei contar histórias aos gritos, além das minhas possibilidades, para manter a tropa entretida e atenta e sem perder tempo com saudade ou pena dos que ficaram. Então eu contava a história do condenado a repetir a mesma empreitada de empurrar uma pedra até o topo de uma montanha, mas quando ele chegava ao topo a pedra rolava  e a tarefa teria de ser repetida, mesmo sendo um desperdício. Os homens ouviam o Mito de Sísifo e perguntavam se em nosso caso seria igual - rolaríamos abaixo como a pedra antes de ver a luz do dia no fim do poço. Eu dizia: não; nosso enredo é diferente, talvez encontrássemos a explicação, embora não soubesse nem mesmo se aquilo iria terminar um dia, como  de fato não terminou ainda.

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