quarta-feira, 30 de março de 2011

quarta-feira, 23 de março de 2011

Rebotalhos


No início deste ano, lancei o livro “Todo dia me Atiro do Térreo”. Alguns trechos ficaram ruins ou não se encaixavam no encadeamento da história. Nem no blog entraram. Aos poucos, vou soltar os refugos da #tuiteira. Apenas para não deixar este espaço vazio. Segue, junto com as desculpas do autor:



@ Nem venha dizer “você não segura a onda do mundo hostil lá fora, minha filha”, porque eu não vou acreditar. Quer mundo mais hostil do que esta casa? Até meu quarto é um lugar perigoso. É lá que eu penso e só penso besteira. Quantas vezes esse negócio de matar a família não me passou pela cabeça? Você e meu pai são uns trastes, vivem resmungando pelos cantos, um contra o outro e os dois contra mim. Pra vocês, não faço nada que preste e meu pai tem sempre que entrar em cena para dizer que aquilo não foi nada, pois em 1959 ele fez muito melhor e em condições bem piores. Tudo foi mais bacana no passado, nada presta hoje em dia, inclusive computadores, porque vocês são ranzinzas ordinários que não se contentam em combater a juventude dos filhos e a juventude em geral e parte para esculhambar todo que é moderno. Então, vão pro anos 50, com suas geladeiras de querosene, carros poluidores, TV em preto e branco cheia de chuvisquinhos, papas de maisena, paralisia infantil e outras merdas. Vão se fuder. Eu não fico nem mais um minuto nesta porcaria de casa.
@ Foi mais uma discussão com minha mãe depois da segunda volta à casa dos pais. Sabe como é. A crise apertou para todo mundo e não foi só pra mim. Veja os Estados Unidos em petição de miséria. Resumindo: voltei e voltei para ficar por muito tempo.
@ Apesar dos pequenos entreveros domésticos, família tem sempre um lado de carinho, apoio, conforto. Embora isso seja raro aqui, existe. Meu único medo é que um dia aconteça uma cena que já me apareceu em sonhos: minha mãe, que deverá viver uns 200 anos, trocando minhas fraldas pela segunda vez na vida. Só que as fraldas nos sonhos, são geriátricas.
@ Não tenho jeito para filha pródiga – nem meus pais querem isso. Eles querem notícias dos filhos – boas, de preferência – e não um encosto diário cheio de manias: eu. Mas procuro me preservar. Tranco o quarto. Já bati alguns recordes de permanência no quarto quando morava sozinha. É moleza. Leve um bom estoque de biscoitos, duas garrafas de vodka, uma cartela de rivotril e maconha a gosto. Dá para uma semana.
@ Uma TV ajuda. Já me especializei nas falas de toda a série Bourne, que é repetida no canal a cabo como uma missa. Tem todo dia, várias vezes (pelo menos era assim em 2010). Mesmo assim é legal porque uma hora o cara está em Paris, noutra aparece em Moscou, daqui a pouco desembarca nas Bahamas. Doidona, viajo junto. Só que o Matt Demom está fugindo da CIA; eu estou fugindo de mim.

PS: em abril o livro será lançado no Rio. Aviso.

domingo, 13 de março de 2011

Terra perigosa


A tragédia do Japão ainda é tratada como resultado da interferência do homem na natureza. Na verdade, antes de existir vida humana na Terra os tremores eram ainda mais terríveis. Está certo que o progresso causa o aquecimento global, mas quente, mesmo, é o centro do planeta – ferro e níquel sempre em combustão, com temperaturas que chegam a cinco mil graus Celsius. Não há muito que fazer, por enquanto, para evitar desgraças vindas das profundezes. Mesmo porque as informações sobre essa mecânica ainda são precárias.

Em seu livro “Breve História de quase tudo” (Companhia das Letras, 2007), o jornalista Bill Bryson observa que sabemos mais sobre o que se passa no centro do Sol do que no centro da terra. Para ele, é inacreditável que, quando Ford começou a fabricar automóveis, ainda não soubéssemos que Terra possui um núcleo. “A idéia de que os continentes flutuam na superfície como ninféia só se tornou um conhecimento comum há menos de uma geração”.

De certa forma, Bryson coloca também em dúvida a tese de que a exploração petrolífera e as minas podem provocar terremotos, como afirmaram com alguma convicção cientistas ouvidos pela TV sobre a tragédia japonesa. A distância entre a Terra e o seu centro é de 7.370 quilômetros. Nem a Petrobrás chegou ou chegará a tanto com o pré-sal. “Se o Planeta fosse uma maçã ainda não teríamos rompido a casca”, afirma o autor.

Claro que diante de tantas energias em ação, Bryson especula sobre o fim do mundo. A este respeito, ele tem a boa notícia de que é muito difícil extinguir uma espécie. Mas há o outro lado: “a má notícia é que não podemos nos fiar na boa notícia”. Segundo ele, não é preciso olhar para o espaço em busca do perigo petrificante. “A Terra, sozinha, pode oferecer perigo suficiente”.

@_lulafalcao

terça-feira, 8 de março de 2011

Notas desconexas




Passava na TV um documentário sobre o fim do mundo em 2012 quando desabou um temporal em São Paulo. Logo caiu o sinal da TV a cabo, em seguida a Internet e finalmente a energia elétrica. Um amigo apocalíptico, que andou lendo a Veja, anunciou que o problema tinha origem numa tempestade solar. Segundo ele, o Sol vai explodir em 2013. Boa notícia: teremos mais um ano.

-o-

Em todos os carnavais, Salvador apresenta uma dança nova. Impiedosamente parecida com a anterior. Mudam os movimentos, mas a fixação anal é recorrente. Pior: a música é praticamente a mesma. 2012-2013 teria pelo menos o mérito de encerrar esse ciclo.

-o-

No Recife, a praga é Vassourinhas. Tantos frevos maravilhosos e a TV só mostra o hit de Matias da Rocha e Joana Batista Ramos, composto em 1909. Só pode ser boicote.

-o-

A bunda sempre foi uma preferência nacional, como gostam de dizer aqueles que se jactam da nossa trindade mulher-samba-futebol. O problema é que as bundas foram crescendo, crescendo e se transformaram em anomalias físicas daquelas mostradas pelo Discovery Channel. Mulher Melancia, Mulher Melão, Valeska Popuzuda e outras tantas continuam em processo de expansão do derrière até descobrirem que são apenas gordas, como bem observou uma moça no twitter.

-o-

Até o fechamento desta edição, como afirmam os jornais, Kadafi ainda não tinha caído. Mas não importa. A questão é o comportamento de certos setores políticos e jornalísticos sobre a revolta na Líbia. No caso do Egito e de seu aliado norte-americano Hosni Mubarak, todos torceram pela queda. Com o ditador da líbia, que já peitou os EUA, as reações foram mais moderadas. Afinal, trata-se (ou tratava-se) de um revolucionário, o reitor dos governantes árabes, o Imã de todos os imãs.

-o-

A outra face da moeda. Muita gente ainda encara os conflitos no Oriente Médio como um choque de civilizações, à moda de Samuel Huntington. Cultura cristã contra a cultura islâmica. No fundo, um tremendo banzo da guerra fria.

@_lulafalcao

domingo, 6 de março de 2011

Galo da Madrugada, mito e apartheid social



Por Homero Fonseca


Na terça-feira passada, 1º de março, os jornais do Recife publicaram um Comunicado do Clube de Máscaras O Galo da Madrugada posicionando-se no sentido de “salvaguardar direitos e obrigações inerentes ao uso da marca Galo da Madrugada”.
Assinada pelo presidente da agremiação, a nota adverte: “a utilização de suas marcas em quaisquer meios de comunicação, propagandas, festas, camarotes, eventos e afins, em quaisquer de suas modalidades, escrita, imagem, falada ou reproduzida, de forma integral ou parcial, sem a prévia e expressa autorização do seu titular, constitui violação” à Constituição e à Lei de Propriedade Industrial. Vazada em autêntico juridiquês, a nota detalha as interdições ao uso comercial da valiosa marca. A parte aspeada sugere até uma inibição ao noticiário, coisa, além de absurda, inócua e que, se lograsse êxito, seria totalmente contraproducente, pois o que seria do Galo sem a mídia?

É um documento curioso, merecedor de análise e registro por historiadores, pesquisadores e instituições de pesquisa social.

Na realidade, escancara uma realidade sabida de todos: como o futebol, a música popular e qualquer atividade que reúna grandes massas, o Carnaval é movido a dinheiro. É inescapável. Sempre foi assim, isto é, desde que o Carnaval assumiu, entre nós, as feições atuais, a partir das primeiras décadas do século passado, convivendo, essa inserção no mercado, com iniciativas basicamente lúdicas, mas integradas, afinal, ao gigantesco sistema. O que mudou é a escala e a franqueza expostas no comunicado.

[Lembremo-nos de que, desde épocas recuadas, mesmo as chamadas agremiações populares sempre dependeram de subvenções governamentais para desfilar, o que veio a determinar um crescente dirigismo dos festejos pelas instâncias estatais, substituindo o cassetete pelas verbas e induzindo por completo a formatação da festa, especialmente a partir da década de 1930. Hoje o poder público, consciente do trunfo mercadológico em mãos, vai em busca de patrocínios privados, como as grandes cervejarias, por exemplo, repassando parte da receita às agremiações. Os meios de comunicação completam o circuito, dedicando espaços mais que generosos à folia, arrecadando os tubos em publicidade. É a roda da fortuna girando a todo vapor.]

Fundado em 1978, quando exatamente 75 foliões, devidamente fantasiados de almas penadas, sacolejaram ao ritmo do frevo pelas ruas estreitas dos bairros de São José e Santo Antônio, às primeiras horas do Sábado de Zé Pereira, o clube cresceu de uma maneira vertiginosa por uma série de fatores, espontâneos ou planejados à luz das ferramentas do marketing. Era realmente uma sacudida renovadora nos festejos de rua no Recife, à época definhando pelo abusivo controle policial-militar-ideológico imposto pelo regime de 1964.

Nos anos 80, o Galo, vitaminado pela adesão constante de mais e mais foliões, já se tornara robusto e se apresentava com várias orquestras em cima de caminhões. Dois anos depois – conforme o saite do clube – “já era impossível o som das orquestras alcançarem ‘naturalmente’ a multidão” e recorreu-se à fórmula dos trios elétricos.

E aí, salvo engano, ocorreu um fato que seria fundamental para a explosão dos números: competindo por espaços nos noticiários nacionais, os setores de jornalismo da Rede Globo da Bahia e de Pernambuco fizeram um curioso leilão de público, a cada ano aumentando delirantemente o tamanho da festa no Recife e em Salvador (isto rendia mais prestígio e faturamento para as emissoras locais). Obviamente que todos se beneficiavam dessa emulação: o próprio clube, as prefeituras, o patriotismo bairrista. Então, as coisas deixaram de ser espontâneas e viraram uma jazida explorada em todos os seus filões. E, em 1991, chegou-se ao número mágico: o Galo arrastara “mais de um milhão de foliões”! Daí para chegar ao Guinness Book, em 1994, foi moleza. E a marca consolidou-se definitivamente como “o maior bloco de Carnaval do planeta” (desconfio de que, se a corrida espacial houve avançado mais, chegaríamos às raias do sistema solar).

Nada contra. Assim caminha a humanidade. Apenas creio ser necessário “contar o caso como o caso foi”.

[Um adendo: em 1996 ou 97, quando eu chefiava a redação de um jornal recifense, comecei a desconfiar do coro da Maria-vai-com-as-outras, trombeteando, como já se fazia, que o colossal desfile já ultrapassava o número de um milhão e meio de pessoas. Ora, o Recife contava com pouco mais de um milhão e duzentos mil habitantes, ou seja, tinha mais gente no Galo do que a população da cidade! Tudo bem, vem o pessoal da região metropolitana e os turistas, mas também é preciso descontar quem não gosta de Carnaval, os evangélicos, os católicos que fazem retiro, as crianças de berço, os muitos velhos, os que fogem para as praias e as serras, os doidos internados, os doentes, os presos etc. Há ainda o problema do espaço físico. Estávamos no campo dos mitos. Chamei um engenheiro e pedi-lhe para, em cima de um mapa da região por onde o clube se espraiava, e levando em conta os parâmetros para cálculo de multidões, aferir o público do desfile. Ele fez um estudo preliminar cujo resultado apontava algo como 350 mil pessoas, no máximo 400 mil (o que é gente pra caramba). A disparidade era tão grande em relação ao número mítico (menos de um terço) que resolvi suspender a pesquisa. Não valia a pena entrar em choque com o “resto do mundo” (rssss) e virar um inimigo do povo. Mas fiz uma recomendação expressa à redação: nada de falar em milhões e que tais – a cobertura seria a mesma, com o mesmo destaque de sempre, mas registrando “a grande multidão”, sem dimensionar o número exato, que aliás ninguém conhece com certeza. Ir de encontro a mitos é um pouco como combater moinhos de vento e essa não era minha prioridade.]

O que me incomoda substantivamente é o ‘apartheid social’ evidenciado no Carnaval: as multidões embaixo, como coadjuvante, e a elite nos camarotes refrigerados tietando celebridades vazias e efêmeras. Claro que desde o entrudo, povo e elite nunca se misturaram completamente na festa, apesar do seu razoável caráter democrático e da oportunidade mais ou menos consentida de inversão de papéis sociais (e até sexuais, vejam as “Virgens”). Brinquei uma vez no Galo, em fins dos anos 80, lá embaixo, no asfalto, apenas evitando o corredor polonês da Rua da Concórdia, o que exigia mais saúde e menos juízo do que eu tenho. Foi bom, mas depois se tornou impraticável. Para quem tem disposição demais, certamente continua valendo a pena.

Mas fora isso, viva o Galo! E viva também “quem é de fato bom pernambucano espera um ano e se mete na brincadeira”, como não faço mais, por comodismo, velhice chegando ou porque, morando na praia de Barra Grande, talvez eu tenha virado alagoano. Bom Carnaval para todos.

EM TEMPO (06/03/11)
Leio nos jornais que o Bola Preta, do Rio, superou o Galo, ao levar para as ruas DOIS MILHÕES de foliões. O dado basea-se numa avaliação genérica da PM do Rio (hum!). Pelos mesmos motivos que desconfio dos números mágicos do Galo, também intuo que a "superação do recorde" pelo simpático Bola Preta, num crescimento ainda mais vertiginoso e espantoso, carece de comprovação científica e tudo indicar situar-se no vaporoso terreno do marketing.