terça-feira, 7 de junho de 2011

Cinema sonhado

O homem sonhava da forma mais cinematográfica possível. Eram sonhos editados e com legendas em português no caso de histórias formadas por lembranças estrangeiras. No final, descia o letreiro, com nomes dos participantes - atores e técnicos, além dos patrocinadores. Sonhos independentes, cenas soltas, trailers, grandes produções, curtas metragens. Alguns traziam logos da Lei Rouanet, da Petrobras e do BNDES.

Uma noite veio Brasília, o Congresso Nacional. Coisa triste. Gabinetes transformados em clínicas de aborto, lugares que vendem ouro, consultórios dentários, lotéricas, bingos clandestinos, camelôs, produtos chineses, sex shops, bancas de revistas usadas e homens-sanduíche circulando pelos corredores outrora legislativos. Cheiro de urina.

Em outra noite, acordou suando frio. O sonho-filme era sobre ele mesmo, o velho e sua vida amorosa. Aparecia a mulher de meia idade, sua companheira imaginária. Eles não faziam sexo, mas ficavam juntos, abraçados, para aplacar a carência. Com as outras, mais jovens, não. Era obrigado a um esforço sobre-humano, principalmente com Júlia, 26 anos, que sempre aparecia nas horas mais esquisitas, como às três da manhã. Dar conta do recado era um suplício: dor no peito, orgasmo com sintomas de enfarte, morte rondando o quarto abafado.

Quanto mais velho o sonhador de filmes ficava, mais dolorosos eram os roteiros. Finais infelizes, entre a inação e o desespero. A história de um homem cuja velhice ninguém mais agüentava. Nem ele mesmo. A vida numa ilha, a solidão e alguns diálogos internos bem sofridos. Ao retomar o sono, a custa de comprimidos, finalmente o tempo clareava num ponto perdido do Atlântico, com brilhante fotografia de Jean Manzon. Ai as musas desciam de árvores ao som de “La Engañadora”, trilha de Enrique Jorrín e sua Orquestra América.

@_lulafalcao

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