terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Tradição familiar





E a senhora saiu disposta como sempre, em busca de um jovem fino e naturalmente lindo porque assim era seu jeito e dinheiro não era problema. Não buscava michês, queria gente de verdade capaz de encenar com ela uma situação mais próxima do amor romântico. “Vou namorar”, ela dizia, ao sair de casa, pronta para tudo. Uma atitude polêmica para seu mundo social, mas elogiável para uma mulher passada dos sessenta e ainda ativíssima no desfrute de carnes novas, como, aliás, faziam sem censuras os amigos de sua idade. A diferença é que a senhora não queria apenas sexo.

A filha mais nova detestava, pois a senhora não fazia nada às escondidas e vez por outra levava um dos rapazes para casa. Não apenas para tê-lo no jantar e na cama, mas para apresentá-lo à família como namorado e em condições de freqüentar sua aristocrática residência. A família, não tão conservadora, mas preocupada com a imagem, experimentava certo mal-estar, certamente incentivado pela mais nova - uma jovem esbelta, elegante e gostosa sob todos os padrões existentes. Os parentes, no entanto, assentavam com o ritual, participando da conversas com o moço da ocasião, crivando-o de perguntas pertinentes e impertinentes, embora nunca agressivas.

A mais nova detestava por uma razão simples. Não estava preocupada com a reputação da mãe. Apenas tinha a tendência de sentir-se atraída por todos os namoradores trazidos pela senhora. O último deles, um tipo tosco e bem vestido, chamou sua atenção especialmente pelo olhar entre faceiro e safado e uns ombros largos, quase proporcionais ao resto do corpo, além de um saudável tórax revelado sob a camisa social, de mangas compridas, abotoadas até o pescoço. Não caberia em tais cerimônias domésticas um rapaz descuidado com o guarda-roupa. Ela mesma, a senhora, tratava de vesti-los, nas melhores lojas, antes de levá-lo ao seio da família. A filha achava que tudo havia sido preparado para testar seus limites.

Tinha certa dose de razão. A mãe sabia dos tesões reprimidos de sua caçula e tinha o hábito de até dar uma força para que se consumasse um triângulo amoroso e, sendo assim, a menina não poderia mais reclamar. Poderia até ficar com o sujeito só para ela. A mãe tinha um estoque inesgotável desses jovens – todos muito educados e bilíngües. O marido da senhora, por sua vez, não reclamava. Liberou a mulher para seus casos depois de uma malsucedida cirurgia de próstata e costumava resignar-se com certo cinismo e piadas sobre si próprio.

Enfim, a sociedade estava mudando numa rapidez terrível e a senhora não queria perder tempo com moralidades, mesmo vivendo numa pequena capital. O colunismo social também se acostumou ao fato e, aos poucos, estava a publicar freqüentes fotos da poderosa senhora com seus amores momentâneos. A filha mais velha sofria. Enquanto os bons partidos da cidade disputavam à tapa a sua atenção, ela só tinha olhos para as aquisições da mãe.  

O ruim dessas histórias curtas é que não há espaço para sutilezas e havia muitas, no caso da senhora e sua filha e nos rapazes na flor da idade – especialmente vingança e culpa. Além disso, outra pessoa poderia descrever a situação de maneira literariamente mais densa. Dar até um toque inglês, se quisesse, pois essas coisas normalmente ocorriam na Inglaterra, ou pelo menos nos livros de Jane Austen. Os franceses fariam um tratado psicanalítico.

O tempo passa. A senhora chega a uma idade em que gostos antigos perdem importância e não havia mais condições físicas ou emocionais para encarar o amor, mesmo um amor falso. A filha também já estava madura, solteira e imensamente contrariada em seguir os mesmos passos da mãe, quase como uma tradição familiar, mas sem o gosto arejado da senhora nesses casos. Com ela, breves namoros pagos de forma indireta, por presentes e outros mimos, tinha apenas a tensão do sexo. Poderia obter prazeres por outros meios, mas sempre caía nessa modalidade de relacionamento.

No longo período de compartilhamento dos namorados da senhora ela teve uma filha, hoje adolescente. A menina apresenta os mesmos sintomas da mãe.  

2 comentários:

John August Who disse...

E acredito que isto nunca terá um fim até que de uma das futuras mães nasça um único filho homem.

Lula Falcão disse...

Ou não. O filho homem pode gostar dos namorados da mãe.

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