quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O ódio me cai bem

@ Catei uma frase boa agora na TV: “O ódio é melhor do que o medo. Pelo menos você não fica assustada”. Frase B, é certo, mas bastante útil para meu atual estado de espírito. Era num filme com pássaros atacando pessoas, imitação barata de Hitchcock. Só que me trouxe à mente uma série de questões que estão me prendendo a garganta há muito tempo. Refiro-me ao fato de umas pessoas terem mais do que as outras. Muitas possuem coisas em exagero; outras não têm nada. Antes que venham acusar-me de comunista, explico que tendo a ver a vida com um olhar enviesado, pois a primeira dúvida que me ocorre é a seguinte: será que estou apenas com inveja dessas pessoas? Pode ser até que elas mereçam mesmo. O problema é que eu também quero.

@ Igual naquele livro, o Cobrador, começo a almejar uma vida mais confortável e igualmente agitada nos momentos certos. Preciso. Não é justo que a gente só tenha uma vida e esta seja gasta na pobreza. Vá lá que exista outra, mas só posso falar da que estou vivendo. Não vou perder tempo com uma merda dessas, pois é mais útil ver o que está acontecendo agora, enquanto estamos vivos. E agora não está acontecendo porra nenhuma. Esse é o nó.

@ Não estou querendo associar a boa vida com dinheiro. Mesmo se estivesse estaria baseada num ângulo razoável. A grana é número, medida, não dá pra contestar. O dinheiro compra tudo. Com dinheiro, você tem uma loja de conveniência a seus pés. Pode chamar um táxi ou levar uma vodka de melhor qualidade. Como dá pra ver nem quero tanto.

@ Para provar que não estou puxando a sardinha só pro meu lado, posso incluir todo mundo nessa história de igualdade social. Posso, mas não sei se devo. Se colocar todo mundo, não vai dar pra quem quer. Se entrar sozinha na parada vão me chamar de egoísta, quando não de corrupta. O ódio nasce exatamente nesse ponto – nesse beco sem saída. Restaria então recuar e tentar atingir alguma meta no competitivo mercado de trabalho. Competitivo principalmente para quem acha essa correria um nojo: eu. O trabalho que me tirou do recesso do lar é um tormento de dois expedientes. Não fui feita para o setor formal da economia.

@ Volto pra casa abatida (*Vanzolini) e me debruço sobre esse ódio que é, como disse no início, uma forma de não ficar assustada. Gastei o salário por um lapso. Esqueci de incluir o aluguel no orçamento e estava com medo da imobiliária. Agora, não, agora eu estou é com ódio.

@ Sem entrar em detalhes do emprego, que já falei até demais sobre ele (eram outros, mas tudo é a mesma merda), vou apenas mostrar que meu dia está tão repetitivo que, se fosse um só eu não sentiria a menor falta dos outros. Bastaria viver um dia, como exemplo, e pronto. Nesse caso, os rebeldes entram em combate, mas gente da minha raça prefere o caminho do esquecimento. Bebe. Não sei se ainda existem intelectuais de esquerda que bebem, mas esse povo pelo menos consegue ou conseguia fazer duas coisas. Eu não. Só bebo.

@ Antes que eu me esqueça – e isso está me acontecendo frequência – quero dizer que não estou fazendo apologia contra o álcool. Do mesmo jeito que não faço apologia contra as drogas. Não estou aqui pra defender ou atacar. É outra coisa mais importante. É o significado de tudo isso, de acordar-comer-trabalhar-beber-dormir sem qualquer glamour. No mais profundo anonimato.

@ No momento vejo como única saída a literatura. Não quero mais emprego. Caso falhe nessa de escrever, não respondo mais por mim. Darei por encerrada minha participação nesta vida. Não com suicídio, claro. Deixarei rolar, entregarei os pontos, cairei nas calçadas. Não digo que morrerei aos poucos (todos morrem assim), porque o negócio será um pouquinho mais acelerado.

@ Para escrever, preciso ler mais. Estou escrevendo muita besteira sobre qualquer assunto que aparece na minha frente sem a menor base, sem a menor cerimônia e com a maior cara de pau. Chego, dou um palpite, caio fora, como se fosse assim, fácil. Não dá. Quero virar uma escritora de verdade. Como? Eis o miolo do drama. Entendo de sexo e álcool, um pouco de Internet, uma coisinha de nada de história. A partir daí saio despejando um monte de teorias que só surgem nos momentos mais doidões – ou de “expansão da mente”, como dizem os otimistas em relação ao efeito de certas substâncias.

@ Porque tem uma fase da vida em que não dá mais pra recuperar o tempo perdido. Tempo perdido é tempo perdido. Principalmente para pessoas mais ou menos fúteis em termos intelectuais. Eu, por exemplo. Então, se não li Sartre não lerei mais porque ninguém quer mais saber se Sartre. Saiu de moda. Marx saiu de moda. Acho até que esses teóricos da Internet também saíram de moda. O que resta? Ler os cadernos de cultura atrás de pensadores obscuros, catar uns nomes no The New York Review of Books para salpicar em minhas historietas ou simplesmente ir ao Google Academics. Quero pelo menos citar bem. Se não tenho um pensamento aprumado, recorrerei a terceiros, chupando um pedacinho aqui, outro acolá, mas sempre dando nomes aos bois. Não porque me considere tão intelectualmente honesta. Coloco esses autores para enfeitar. Não vou entregar ninguém, mas muita gente boa usa esse truque.

@ É isso. Se não me tornar escritora nos próximos meses – escritora de sucesso, bem entendido – cairei no submundo mais abjeto desta cidade. Virarei uma sem-teto e esbanjarei o bolsa família com álcool. Quem sabe dai não sai um livro?

*Não se trata de remédio novo contra insônia. Mas do grande mestre Paulo Vanzolini, compositor paulistano que cuida de répteis.

@_lulafalcao

domingo, 26 de setembro de 2010

Estilhaços do discurso amoroso

@ Até agora não entendi o amor e por isso algumas pessoas acham que sempre substituo sentimentos por prazeres imediatos. Mas queria que vocês pensassem um pouco sobre o significado de alguém ficar inteiramente baqueado em função do outro - a ponto de perder a fome e às vezes a vida. “É porque você nunca se apaixonou”, dizem. Se provoca tantos sintomas ruins, como uma dengue, deus me livre. Acho até que já aconteceu comigo, mas nunca dessa forma tão drástica. Gostei de ficar com outros e outras e quando foram embora, ou eu fui, tratei a situação como quem muda de assunto. Sem choro nem vela. Já tomei rivotril por coisas banais. Nunca por amor.

@ O amor pode ser uma coisa que não nasceu com a pessoa. O amor romântico - e isso eu vi no Google - só existe há uns 800 anos. Quer dizer que antes disso ninguém se apaixonava no sentido em que conhecemos hoje. Então, foi criado como uma espécie de marca que, concordemos ou não, pegou. Como o twitter e a Smirnoff. O negócio, lá pelo ano mil, era procriação e pronto. Agora só resta saber, quem entrou na jogada para incluir, entre o sexo e a fecundação, essa história de trocar umas idéias, discutir afinidades e sair para jantar. Seja quem for, era um gênio. Bom, tudo isso é mais uma teoria.

@ Existe também a possibilidade de o amor estar no DNA, mas que só foi ativado no dado momento da história em que, por exemplo, a literatura tornou-se mais difundida no Planeta. Não dava para escrever um livro só com trepadas e guerras. Era preciso, como direi, romancear aquilo tudo. O amor veio então a calhar porque já estava incubado nos terminais nervosos da gente e bastava aparecer um cara como Shakespeare para apertar o botão.

@ Como sempre existe a possibilidade de eu estar errada, nos dois casos, sigo em frente com outra especulação, a mais provável: sou uma pobre coitada que não conheceu o verdadeiro amor e estou condenada a uma vida solitária, sem perspectivas de encontrar no outro as respostas para minhas exasperações, dilemas e dúvidas.
@Ou pior: não tenho isso no DNA, o que seria mais grave, um defeito genético, uma mutação que pode mesmo servir para se chegar a uma conclusão terrível, ou seja, tecnicamente não pertenço à raça humana. Ai é viagem demais.

@ Mas você nunca sentiu aquele friozinho na barriga? Digo: já. É fraco diante da propaganda que fazem. Tome duas doses de vodka de gut-gut e você sentirá coisa muito melhor. O amor pode ser apenas uma questão de reação física edulcorada pelo comercio varejista, com o objetivo de vender produtos como perfumes, anéis, vestidos de noiva e CDs. E pode ser tudo que falei junto, mais forte, só que ainda não experimentei como experimentei o orgasmo, este sim, um barato bastante satisfatório. Ocorre que neste caso, não é preciso outra pessoa. Pode até ajudar, mas tem vezes que atrapalha.

@ Os apaixonados carregam outro problema. Tanto aqueles que estão transbordando de alegria quanto os que levaram um pé na bunda. Eles querem contar isso pra alguém. Quando descubro que a conversa se encaminha nesse sentido, costumo cair fora. Nem sempre é possível e nos dois casos me sinto sufocada. Com a alegria dos felizes ou com as lágrimas dos abandonados e traídos. Não sei o que é pior. O jeito é ouvir calada e, ao final, se chegarmos lá, dizer que a vida é assim mesmo. Existe até um poema do Drumonnd que fala disso: “hoje ama, amanhã não ama” e por ai vai.

@ Não que eu esteja tratando o amor romântico como cientista social ou psicóloga. Longe de mim tal pretensão. O problema é que ele não se sustenta sozinho. Tire o sexo, ele some. Sem sexo, vira amizade, e ai passa a fazer parte de outra história. Quero dizer que frases bonitas, flores e fragmentos do discurso amoroso – mesmo aqueles Barthes - só sustentam com uma boa ereção ou algo parecido.

@ Repito: posso estar errada. Em tudo. Por isso, essa história de hoje termina com uma pergunta: o que vocês acham?

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Galera: vida e morte

@ Andaram estranhando porque tenho mudando muito de idéia e de assunto de uma história pra outra. Querem o que? Um continuísta? Não dá, meu. As coisas estão seguindo seu rumo na medida do possível, embora eu não garanta clímax. Nem sei fazer isso. Posso terminar como mãe de propaganda de Margarina (apud @AnaAragao) ou como interna numa clínica em Sorocaba. Posso até nem terminar. Ou dizer: acabou aqui. Fim de papo.

@ Posso tudo, então. Posso, por exemplo, tentar pôr ordem no enredo e, ajeitar, a meu modo, um final satisfatório para ambas as partes – eu e você. O primeiro passo é um esqueletinho básico, que começa comigo e termina comigo também. Vamos lá: moça de bairro intermediário – subúrbio, mas de classe média – resolve sair com uns caras diferentes, começa a receber informações diferentes e acaba uma pessoa bem diferente das outras. Para o bem e para o mal.

@ Você passa não achar a menor graça na vizinhança e empenha a vida em viagens de ônibus até o centro ou outras bandas. Os amigos de verdade moram longe. Pode se considerar um episódio que só acontece em cada trilhão o encontro dessa galera. Afinal, tem pouca grana para se locomover, mas resolve mesmo assim viver em outra dimensão da cidade, onde estão os seus, e gostar exatamente das mesmíssimas coisas. Todas, obviamente, esquisitas. A reunião dessas pessoas é que é esse milagre. Por que se encontram? Por que são daquele jeito? Esse encontro e esse jeito é que não pode ser explicado só como um mero acaso.

@ Ocorre que a partir dai, você (me incluo nessa) passa a imaginar que o mundo é assim, da sua maneira, e o resto é caretice. Quando descobre que os caretas estão em maior número, sua reação é achar bom. Tenta, a todo custo, manter o estilo longe de contaminações patricinhas, longe do axé e da Vila Olímpia. O lugarzinho onde mora diz tudo: sofazinho carmim – nos casos mais graves, almofadas no chão -, fotos PB de gente como Paul Bowles ou e. e. cummings, discos de Bezerra da Silva e Mahler. Essa é a parte deliciosa da vida.

@ Há a ruim também. O tempo passa e aos poucos você começa a ter uma vida mais ou menos entrelaçada com o universo careta, porque é lá que trabalha, estuda ou simplesmente freqüenta a padaria. A turma continua a mesma. Só que agora está assustada com o mundo exterior porque lá existem muitas regras e convenções e ela não foi treinada pra isso. Acha absolutamente normal ser assim. Os outros não acham.

@ Por isso, é aquela história: o emprego formal deixa de ter valor, serve apenas como fonte precária de sustento, e você perambula por ai com profissões anunciadas de atriz a produtora de vídeos - duas atividades que inflacionam as noites desta cidade e que não rendem nada no final do mês. Outra alternativa é ser gestora de mídias sociais – um nome bonito para tuiteira de terceiros. Com raríssimas exceções, essas turmas sempre trazem em sua bagagem um terço de meninas envolvidas – pelo menos emocionalmente - com a chamada produção audiovisual.

@ Ai corta-se abruptamente para os dias de hoje e você está diante do computador, com uma garrafa de vodka de um lado, o baseado do outro, e uma pergunta que não lhe sai da cabeça: por que eu sou assim? A pergunta, sem resposta, anda com você dia e noite e de repente você e aquela pergunta são uma coisa só. A convivência torna os dois animais muito íntimos e essa junção vira seu símbolo e o de sua roda de amigos íntimos.

@ A situação é confortável, mas tem seu preço. Como nem o almoço na casa da mãe é grátis, é preciso manter a vida funcionando e para mantê-la, mesmo à base de miojo, é preciso dinheiro. Assim, mais dia menos dia, você desemboca em um trabalho chato – o lado hostil deste folhetim. Trabalhar numa empresa, com expediente, como estou cansada de repetir aqui, é um beco sem saída: ou você adere a eles, o que quase significa assumir outra identidade e virar uma mulher-vagem como no filme “Invasores de corpos”; ou fica do seu modinho alternativo e acaba demitida, prestes a morrer de fome. A escolha certa, naquele momento, é a segunda opção. Claro.

@ Mas de repente, a turma some. Você está sozinha, apenas com a herança cultural daqueles tempos. Vive no difícil equilíbrio entre a loucura e a formalidade. Alguns amigos passaram para o outro lado, via concurso público ou outro tipo de cooptação; Você está no limbo, tentando sobreviver como free-lancer de qualquer natureza: posou nua pra pintor, trabalhou em loja do Shopping no fim do ano, fez figuração em comercial e até pesquisou pro Datafolha. O meu caso foi mais sério: malhei até em sex shop e em projetos de incentivo à cultura. O resultado é que os 30 anos chegam, apontando para os 40, e você nem mais pergunta por que é assim. Você pergunta: o que é que eu faço agora?

@_lulafalcao

terça-feira, 21 de setembro de 2010

O melhor já passou

@ De vez em quando, aliás, sempre, fico pensando qual é a pior coisa do mundo. Já fiz uma listinha dessas aqui e, portanto, a pior coisa do mundo poderia ser ficar repetindo isso. Mas agora é um caso concreto ou pelo menos imagino que seja. No meu entender, a pior coisa do mundo é que tudo passa. Por exemplo: seus pais fizeram super 8 e você está aqui, diante do twitter, crente que está arrasando. O problema é que o super 8 passou e o twitter vai passar. Vai passar seu amor por alguém ou amor de alguém por você. Hoje é uma coisa, amanhã é outra. Enfim, esse pensamento me angustia mais do que a morte e a TPM.

@ Vejam se não é absurdo: meu tio era poeta marginal, passou. Meu irmão gostava de Atari, passou. Meu melhor amigo era marxista, passou também. Do mesmo jeito que meu vizinho deixou de fumar maconha. Enjoou. Outra droga é deixar de gostar de certas coisas mesmo enquanto elas ainda estão no auge. Aconteceu comigo e He Man. Comigo e Ivanildo. Nesse último caso, eu sabia que não ia dar certo mesmo. Nunca me imaginei com uma pessoa chamada Ivanildo. Mesmo assim, não sentir a menor falta de He Man ou de Ivanildo me deixa intrigada.

@ A vantagem – ou desvantagem, sei lá - é que a maioria só acha ruim pensar que tudo passa no presente momento. Quando passa mesmo, a pessoa termina nem se importando muito com o que tinha lá atrás e embarcando noutra sem a menor cerimônia. Também há pessoas que se importam demais - e ai a merda é completa. Não ter saudade do que se gostava muito é esquisito. Ter muita saudade é mais esquisito ainda.

@ O gosto é comandado pela moda, pela tecnologia e pelo cérebro. Nessa linha de raciocínio, penso que a bebida é a única coisa do mundo que vou gostar para sempre, especialmente de vodka. Porque o álcool é uma questão do fígado. Só quando o médico disser não dá mais, o fígado já era, ai sim, eu paro. Pode ser mais uma teoria errada. Sou mestre nisso. Mas só porque uma teoria está errada não significa que ela não tenha lá a sua graça. Cheguei até a essa idade à base de idéias que os outros consideram meio absurdas. Mesmo assim, estou viva. Quer dizer, eu acho.

@ Só sei que apesar de tudo continuo acreditando que o que passou, passou, porque não existe pior chato do que o nostálgico. Para este, o passado nunca passa, sempre está voltando, cada dia mais estragado, em forma de lembranças, diluído pelos passar dos anos. Lembranças vão ficando piores a cada dia e só interessam ao dono delas. Exceto, claro, se o sujeito for historiador. Estou me referindo àquele que fica o dia inteiro dizendo que bom mesmo era no seu tempo. Não era. Podia ser para ele, porque estava na juventude, mas nunca tive vontade de viver nos anos 70, sem twitter, facebook e vídeo de sacanagem.

@ O caso é que todo nostálgico é velho e bêbado e quanto mais velho e bêbado mais nostálgico. Pode ser natural, mas é estranho. O cara fica falando de 1950 como se fosse ontem e de ontem como um dia que ele nunca viveu. Aliás, esqueceu como foi.

@ Será que daqui a três décadas, estarei num canto de bar remoendo saudades dos anos 90? É bem provável.

@_lulafalcao

sábado, 18 de setembro de 2010

No buraco do Coelho

@ Esqueçam o que escrevi. Tudo não passou de mero exercício literário. Ficção. Tentativa de ficção. #Fail. Não sou assim, ou melhor, não sou tão assim ou não consegui me descrever direito. Agora, quase no final, vou tentar pôr as coisas no devido lugar, matar o suspense, estragar a festa. O que se passou aqui, metade é mentira, metade eu inventei. Sim, existe diferença. A mentira saia com mais jeito, enquanto a invenção parecia mentira. Não convencia. Portando sou outra pessoa. Quem? Boa pergunta.

@ Posso continuar sendo ela, Maria Alice, mas teria a última chance de embarcar em outra história, caso tivesse algum talento. Nisso me pareço com ela. Nisso e em outras coisas. Talvez eu seja mesmo Maria Alice de alguma forma ou fui me tornando ela com o tempo. Mudar de idéia é a cara dela. A minha também. Alice que cresce e diminui, como a do livro. Entrei no buraco do coelho e não quero mais sair.

@ Vão dizer: é bipolar. Não. Tem muito mais entes envolvidos na minha vida, dentro da minha cabeça. Bipolar é pouco. Manejo uma variedade de tipos e eles vão se misturando para se tornar uma coisa só no final das contas. O mais grave é que acho que o mundo inteiro é assim, as pessoas são um agrupamento de personalidades que se encontram de vez em quando, quase sempre ou todo dia. Jamais, por exemplo, eu poderia pertencer a um partido político. Já dormi completamente de direita e acordei à esquerda do PSTU.

@ Preocupada com o aluguel atrasado? Estou. Mas o que atormenta mesmo, muitas vezes mais, é o vocabulário escasso, a vontade de abarcar o mundo com uma frase. A vantagem é que, diante das pessoas, costumo ficar calada. Não é falta do que dizer – é como dizer. Por sorte, mulher calada, hoje em dia, é um produto raro e de grande aceitação no mercado. Passo certo mistério, mas na maioria das vezes é dificuldade de entender ou o tédio de participar. Conversas longas, sobre um mesmo tema, me chateiam. Prefiro papos blocadinhos, em pílulas, 140 caracteres. Por isso vou mudar de assunto.

@ Comecei a ler O Novum Organum, de Bacon, para ver se fico mais profunda e filosófica. A tentação intelectual está me matando. Mais do que álcool. Nos dois casos, bebo em boas fontes, mas o álcool desce melhor, redondo, enquanto os livros às vezes batem na trave. Já leu Wittgenstein? Tentei. No dia seguinte amanheci com gosto de cabo de guarda-chuva tautológico na boca. Não entendimento também dá ressaca.

@ Acontece que comecei a pensar na posteridade. Logo eu, a sem planejamento, sem futuro, sem ter onde cair morta. Preciso deixar alguma coisa escrita que não seja carta de suicida. Uma coisinha mais charmosa, capaz de comover um ou dois críticos literários da grande imprensa. Não me importa que se lambuzem na minha vida desregrada. Quero aparecer, ficar famosa, nem que seja post-mortem.

@ Perai. Depois de morta, não. O negócio é agora. Vou baixar a bola. Quero um pouco de fama logo. Ter uma coluna na Folha, encher a cara em outro patamar, formar um entourage de admiradores e um repertório de citações que atraiam lindos e lindas. Quero pegar pelo intelecto. O corpo anda meio derrubado.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Tormentas do ser

@ Aprisionada pela culpa e condenada à solidão, sou uma personagem atormentada em busca de saídas. Ouvi isso ontem num canal de TV. Não deixa de ser verdade, no meu caso, mas não gosto de dramatizar as coisas. Convivo muito bem com a solidão. Já a culpa é difusa demais para se transformar em preocupação cotidiana. A depressão é outra coisa, mas isso se resolve com medicina ou álcool. Comigo tem sido mais álcool do que medicina, pois perdi o plano de saúde por falta de pagamento.

@ A solução, pois, é transformar tudo em divertimento. Por isso não choro nunca. Rio. Às gargalhadas, com certa dose de histeria, mas pelo menos evito me humilhar diante de mim mesma. O riso é superior, mesmo sendo patológico. Bom, é mais um chute. Não entendo nada de psicanálise nem pretendo transformar isso aqui num muro de lamentações.

@ O que quero dizer, afinal, é que o importante de hoje pode não importar amanhã. Diante dessa realidade, qualquer tipo de programação é furada. Foi o que me tirou da empresa: não dou o menor valor a estratégias para o futuro porque quando o tal futuro chega a situação já pode ser outra, independente do que se pensou lá atrás. Então faço tudo de improviso. Sem planejamento, pelo amor de Deus, porque em vez de planejar você poderia estar realizando uma coisa que quer agora e que só presta se for feita agora. Os americanos, por exemplo, se planejam demais e por isso muitos deles são infelizes. “Temos um jantar na casa dos Watson daqui a seis meses”, não é assim que dizem nos filmes? Porra, daqui a seis meses os Watson podem estar mortos.

@ Preciso esclarecer que não sei se estou certa. Sei que sou assim e pronto. Vejo lógica nisso. Defendo meu ponto de vista. Mas a empresa, claro, achou o contrário. O chefe simplesmente tratou meus argumentos como sinal de loucura, embora no fundo tenha pensado a mesma coisa e ao invés de me abraçar, aos prantos, e dizer que eu tinha razão, resolveu seguir as normas corporativas. Senti isso nele. Coloquei em xeque sua fé religiosa em divindades como market share, mas ele não cedeu. Vai contar o caso pros amigos como piada sem saber que aquilo deu um nó em sua vida de merda.

@ Exagero. Ele disse que assim não dava, não discuti mais e fui tomar umas na esquina. O mais legal nisso tudo é que as colegas esperavam que eu saísse da sala chorando. Sai flutuando. No bar, a Kovak tinha gosto de Absolut.

@ Em suma: voltei àquela vidinha de sempre. Continuo em férias de fato há mais de um mês. Só que não torro o FGTS em baladas. Gasto só comigo. O problema é que mesmo assim as despesas aumentaram, muito, porque resolvi me endividar comprando uma TV que cobre toda parede do meu quarto. Sai do bar direto para o cinema. De lá, só trouxe a vodka. O negócio, agora, é ficar em casa. O mundo lá fora é perigoso, eu sou perigosa e o melhor que tenho a fazer é evitar esse confronto.

@_lulafalcao

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Meu nome é Maria Alice

@ Meu nome é legal. Maria Alice. Meus pais devem ter achado o máximo porque para eles parecia nome de gente da alta sociedade. Mais tarde descobriram que Maria Alice tinha alguma coisa de Nelson Rodrigues. Maria Alice é Nelson Rodrigues puro e se Nelson nunca usou esse nome em alguma de suas histórias foi por excesso de pudor. Maria Alice trai, mente, esconde-se, seduz e faz um monte de outras coisinhas típicas de mau caráter. Naturalmente não sou nem o terço da Maria Alice que tenho na cabeça. Muitas vezes faço tudo ao contrário: espero, cumpro as leis dentro do possível e tento devolver tudo que deram pra mim. De fogão a gás a abraço. Resumindo: o nome Maria Alice não quer dizer porra nenhuma.

@ O problema agora, neste momento em que estou escrevendo, é que tenho sacadas que considero brilhantes e, aos poucos, vou achando alguns buracos, alguns que inviabilizam a frase como idéia e graça. Quando vejo que ninguém retuitou, entro em depressão.

@ Nas frases e na vida, sempre creio ser sutil (esse é o desejo de toda moça da minha espécie) e acho que o caminho é esse. O estilo, no entanto, não se refere a um estado meu, natural, inerente. É tudo pose. O mais chato é chegar à conclusão que quase todas são assim. Mas aquilo que parece falsidade é só um jogo de corpo usado no momento certo. Fora disso, minha filha, você é um desmantelo. Quando se está sozinha, a sutileza vai pro espaço.

@ Para evitar que a conversa entre em lugares em que eu possa me afogar, vou deixando o resto pra amanhã (13/09). (14/09) Hoje: melhor não ler o que está escrito lá em cima e partir daqui. É uma experiência. Esperei completar essa merda lúcida, mas no dia seguinte estou bêbada de novo. Então vamos pelo menos tratar das diferenças entre a bêbada de ontem e a bêbada de hoje. Ontem, se não me engano, eu fazia um modelito cafajeste. Hoje sou uma indiferente – uma indiferença de dar pena.

@ Não me iludo com nada, mas ao mesmo tempo irradio um alto astral, uma coisa que as pessoas confundem com felicidade. Neste ponto é igual à ontem. Pose. Não planejada, mas pose. Mesmo escrevendo as maiores barbaridades sobre minha vida procuro não perder a pose. Se você ler, por exemplo, uma frase em francês, daqueles que enfeitam o texto, pode estar certo: peguei no Google. Por isso muita gente pensa que sei falar francês e inglês e eu não desminto.

@ O que aconteceu de fato é que fui demitida (a resposta correta é “começo dois”). Estou, portanto, de férias. Qualquer pessoa no meu estado estaria procurando emprego. Eu, não. Nunca cheguei a completar tempo suficiente num trabalho para ter direito a férias. Assim, decretei esse recesso, vou aproveitar e depois, quando acabar a grana, improviso. O primeiro passo, nesses casos, é programar seu dia: café da manhã numa padaria chique, lendo revista importada, catando milho na leitura em inglês, e de olho no rapaz que está sentado na frente. Chegou alguém. Ela é linda. Sem problemas, caio fora para o estágio seguinte: um bar. Começo com chope pra disfarçar, porque ainda são 11 horas e tem gente que acha feio beber de manhã, mesmo que às 11 horas. Como chope pra mim não é bebida, tome chope. Uma da tarde, a primeira vodka. Daí em diante as coisas deixam de ter sentido. Nem eu quero que tenham.

@ O bar vai fechar e eu já estou entrosada com um grupo de pessoas que trabalham em ONGs. Parecem bacanas, só um pouco discursivas, mas não se pode querer tudo. Partimos em busca de lugares abertos ou que estão abrindo e de repente me vejo num puteiro de verdade. O pessoal da ONG fazendo isso, que loucura, mas é fim de noite, estamos doidos. Só que os ongueiros são velhos freqüentadores do estabelecimento. Esqueci de dizer que todos eram homens. Isso não vem muito ao caso porque é mais espantoso pensar que alguém de uma ONG fosse sócio atleta de lugar daqueles. Mas como tem ONG pra tudo, tirei por menos. Tanto tirei por menos que só sai de lá dois dias depois. Afinal, estou de férias.

@ Nesse tempo de desintoxicação daquela empresa, nada de ficar em casa tuitando. Rua. Chega de tédio e indiferença. No dia em que voltei pra casa só dormi duas horas e já estava de olho numa festinha daquelas de pessoas de 30 anos ou menos que gostam de ouvir os Novos Baianos. Depois dos Novos Baianos vem Clara Nunes. Nunca passou pela minha cabeça que aquela turma ouvisse Clara Nunes, principalmente porque na sequência colocaram umas bandas estranhas, acho que da Croácia, e passaram a conversar sobre história em quadrinhos. Tai um assunto que eu não domino. Preferia escalar time (sei alguns) do que segurar aquela conversa infinita sobre X-Men. Dei bola prum cara durante umas duas horas e ele não desligava da rodinha onde se realizava, solenemente, um seminário internacional sobre a obra de Frank Miller. Sim, internacional. Em casa que toca Novos Baianos, hoje em dia, sempre tem um equatoriano por perto. Especialista em Cumbia – e em Frank Miller.

@ Arrastada a uma ferinha de verduras biológicas, com sol a pino, começo a pensar seriamente em abandonar aquela galera e procurar outra. Não foi tão esquisito como foi com o pessoal das ONGs, Mas, aqui pra nós: como é que alguém passa a noite inteira conversando sobre história em quadrinhos e no dia seguinte, virado, está numa feira de produtos naturais? Não combina. Se essa é a idéia que eles têm de saúde, o Brasil vai terminar com metade da população daqui a uns anos. Sai dali.

@ Chega de galeras, chega de gente. Bêbada, com sono, descobri nessa hora a importância do FGTS. Cartão e dinheiro no bolso, peguei um táxi. Estar naquele táxi talvez tenha sido o melhor de tudo nesse After Hours de segunda em que me meti. Pedi para o motorista ligar o GPS, dei o endereço e capotei. A vantagem do GPS é que muitos taxistas já não perguntam tanto qual o caminho de sua preferência. Eu só queria minha casa e o aparelhinho tratou de me levar até lá enquanto eu dormia.

@ Abrir a porta do apartamento foi como abrir a grade da cadeia. Eu estava presa do lado de fora e a liberdade é aqui, trancada, sem ninguém por perto e duas garrafas de vodka pra mais tarde porque agora eu vou vomitar e dormir.

@_lulafalcao

domingo, 12 de setembro de 2010

Começos

@ Hoje acordei numa ressaca horrorosa e não consigo sair do primeiro parágrafo. Aliás, escrevi vários inícios para uma história que não tem meio nem fim. Travei. Vai assim mesmo.

@ Começo um. Continuo na merda desse trabalho. Mas só até tirar meu nome do SPC e do Serasa, pagar o agiota e comprar um laptop novo. O meu quebrou. Não tem conserto. A pior coisa que pode acontecer a uma pessoa, depois da morte, é ficar sem computador em casa. Pense: chego do trabalho e a única coisa que me resta é dormir. Antes de dormir, claro, eu bebo. Mas o velho hábito vodka & twitter só no fim de semana, na casa do Valdeci, em Itaquera. Sim, encontrei alguém no trabalho que me entende. Valdeci, 22 anos, motoboy. Ainda bem que ele não roda no sábado. Estaria morto. Nesse dia, enchemos a cara, fumamos vários e conversamos sobre futebol. Valdeci é cheio de contradições. Corintiano e gay, quebra meu galho de vez em quando. Trepa direitinho com mulher.

@ Começo dois. Fui demitida. O chefe me chamou na sala e perguntou quando eu terminaria a planilha. Respondi: nunca. A cara dele era uma perplexidade só. Ficou procurando palavras, não achou nenhuma por perto, e resolveu sair dali direto para o departamento de pessoal. Deve ter dito: demita aquela doida. Dito e feito. Fui ao RH e me encaminharam para uma psicóloga. Ela perguntou se eu sabia a razão de estar sendo afastada do emprego. Eu disse: essa empresa é um cu, o chefe é um cu e senhora é um cu. É por isso.

@ Começo três. Mudei de emprego. Agora estou numa empresa de eventos. Não é tão escrota quanto a anterior, mas o clima é tenso. Somos encarregados de levar celebridades para festas, mas quase nunca conseguimos emplacar alguém de peso, tipo Caras, e os clientes sempre terminam insatisfeitos. “Mas cadê o Gianecchini?”, pergunta o dono da festa, meio educado, meio puto da vida. Sempre a gente responde que o cara teve um problema de última hora. Só que ninguém na empresa conseguiu entrar em contato com Gianecchini. Trouxemos a Beyoncé de Paulista, uma moça de Pernambuco que em nada deixa a dever à original, e uma ex-BBB que agora faz filme pornô. Mas, não. Eles só querem saber desse povo da Globo.

@ Começo quatro. Sai do emprego e fui morar numa comunidade do Daime, no Acre... Perai, isso é meio absurdo. O chá é bom (já tomei), mas não gosto de rituais religiosos. Sou uma drogada laica. Corta.

@ Começo cinco. Pedi demissão. Tentei uma vaga na Farm, da Vila Madalena, mas me acharam um pouco passada para o cargo de vendedora. Não disseram. Senti. Bastou olhar em volta pra meninas que trabalham lá. Com mais de 30 anos, a mulher fica num limbo nessa área do comercio varejista chique. Ou você é dona ou nada feito. Até a gerente parece com a Cléo Pires. A outra opção: garçonete. O mesmo problema. Também querem gatinhas. Além disso, muitos bares agora estão tomados por garçons tradicionais, de terno, como antigamente. Eu até gosto, como freguesa. Falar nisso, vou sentar aqui e pedir uma. O FGTS saiu e procurar emprego é tão desgastante quanto trabalhar. Joaquim, traz uma vodka. Pura.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O mundo do trabalho

@ De repente, me vejo de volta à vida offline. Arrumei um emprego. Desses de ir lá, sentar numa mesa, conversar com colegas, tomar café, contar oito horas e ir embora. Não é fácil. Espero o fim de semana como um crente espera a volta do Salvador. Mal comecei e já sonho com as férias. Tem carteira assinada, plano de saúde e vale-transporte. Muitas pessoas dão o rabo para obter tais privilégios. Eu simplesmente me sinto morta, num purgatório, esperando as férias, juntando FGTS e dormindo no banheiro.

@ O ruim do emprego convencional é essa chateação diária de acordar com hora marcada, pegar metrô, almoçar no quilo, pegar metrô, voltar pra casa, botar despertador, acordar e repetir essa rotina anos a fio. A empresa, na verdade, é uma prisão semi-aberta. Especialmente a que trabalho. Exigem resultados, fazem avaliações de desempenho e ainda colocam você naqueles joguinhos motivacionais panacas do RH: integração, trabalho em equipe, superação e a puta que o pariu. Além disso, tem as normas. Um dia disseram que minha roupa não era adequada ao ambiente. Só porque eu estava pagando peitinho. Por essas e outras é que muita gente termina se entregando às drogas ou ao comunismo.

@ Por enquanto, como já disse, um dos melhores lugares da empresa é o banheiro. Dá pra tirar uma soneca de uns 15 minutos ou fazer coisas ainda mais interessantes. Quando volto pra sala, suada, todo mundo pensa que estou passando mal. Mentira. Só nesses momentos fico mais ou menos bem. Um pouco relaxada. Ajuda a segurar a chatice do chefe. Aquilo não é um ser humano. Só existe pra trabalhar. Um dia colocam um robô no lugar dele e ele se mata. Deus queira.

@ O pior: não pode tuitar. Nem entrar no Facebook. A pessoa quer ver um site pornô, por exemplo, não pode também. Dá até demissão. Jogar paciência, nem pensar. É o dia todo preenchendo espacinho em planilha do Excel. Ai eu fico me perguntando: pra que instalaram Internet nessa merda?

@ Mais chato do que o trabalho é festa do pessoal do trabalho. Primeiro que o assunto é um só: trabalho. Depois não pode beber muito. Tem que ser umas duas ou três doses e olha lá. E ainda tem gente querendo ser melhor do que as outras e só toma guaraná. Dar um tapinha, como acontece em toda festa, está fora de cogitação. Qualquer exagero, fudeu. Então eu fico lá, calada, com cara de cu, só esperando a hora de terminar. Na saída, paro no primeiro boteco e me vingo daquilo tudo com meia garrafa de vodka.

@ Qual é então a vantagem de não levar uma vida virtual, como a minha vinha sendo, se coisas como sexo criam o maior constrangimento no chamado mundo do trabalho? Tem até um cara até que escreveu um livro, sobre o ócio, mas que não pegou. Acho que não é só de ócio. As empresas, no futuro, vão descobrir que uma esborniazinha de vez quando pode até influir na produtividade. É uma idéia.

@ Estou aqui há mês e pouco, mas parece que estou há anos. Não tenho o menor tesão por esse emprego e se continuo no calvário é porque preciso pagar o aluguel atrasado e quitar o pendura com o agiota, que andou me ameaçando. Mas qualquer dia vão me dizer: “você está demitida”. Na verdade, sonho com isso quase todos os dias. É como se abrissem a porta da cadeia.

domingo, 5 de setembro de 2010

Vida e dinheiro

@ Vida é um negócio que um dia vai dar errado. Queira ou não, tem um monte de coisas conspirando contra você. E olha que nem estou falando de morte. Ainda. Então, pense: desemprego, doença, invalidez, falência, pé na bunda, traição, dívida, ressaca... A lista de adversidades é enorme. Por isso não faço planos. O cara se planeja o tempo todo, mas não conta com o acaso, a merda que vem na frente, e depois reclama. Eu não reclamo. Já sei que e tudo isso é um inferno. O que vier é lucro.

@ Mesmo assim, tenho que ter o mínimo de cuidado. Senão com o futuro, pelo menos com amanhã. É sempre onde pretendo chegar, todo dia, nada além disso. Quero o mínimo e o mínimo é dinheiro. Por falta de grana, vivo em constante estado de alerta. Ontem mesmo vendi livros velhos num sebo para comprar vodka.

@ Pagar o aluguel, então, é uma epopéia. Na maioria das vezes recorria àqueles empréstimos que não exigem comprovação de renda. São uns assaltantes. Agora, só agiota, é o jeito. Meu nome está no Serasa, no SPC e em uma porrada de outras lugares do governo e da iniciativa privada. O CPF já era. Nem lembro o número. O problema do agiota é que você tem que pagar. Eu pago. Os juros. Pensei em decretar a moratória, mas abaixo do agiota não tem mais nada.

@ Essas coisas preocupam. Eu poderia escrever com mais tranqüilidade se o dinheiro das tuitagens desse para cobrir o estrago. Poderia ser uma Clarice Lispector, cheia de vida interior, toda etérea, sutil e frágil. Mas não. Tenho que lidar com um bando de cobradores, síndicos, pequenos traficantes, aloprados de toda espécie, e não consigo virar nem um Rubem Fonseca – o que já estava de bom tamanho.

@ Eu disse que sou de reclamar, não vou reclamar. Pior do que isso seria ter uma caderneta, com tudo anotado, trabalhar de dia e ver TV à noite. Dormir, acordar. Não sei como tem gente que consegue viver assim, sem aditivos, apenas fazendo contas para a receita bater com a despesa. Isso não é vida; é um escritório de contabilidade.

@ Ai eu gasto o que não tenho e às vezes me pego em situações altamente constrangedoras, como catar bagas no chão em show de rock, tomar 51 com o porteiro e ir pro motel com um cara que nem conheço direito só por causa da TV a cabo.

@ Ah, sim. Aquela história de viagem ao futuro, minha vida em 2040 e outras merdas já passou. Aliás, o efeito passou. Nunca mais tomo aquilo.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A última viagem

@ Estamos em 2040. Cheguei com o passar do tempo e quem ficou ai atrás também pode estar aqui, a menos que tenha morrido. Eu sei, é muita confusão para quem vê a vida com a perspectiva de décadas de atraso. O certo – vocês não vão entender – é que agora é possível mandar uns recadinhos para o passado – e até dar um rolê nostálgico de vez em quando por ai. O que se pretende, nesta despedida, é contar um pedaço do fim do filme.

@ Vivemos mais, o mundo não acabou - o que é uma pena -, mas mergulhamos numa vida tediosa, com quase uma única diversão: retroceder no tempo. Posso, enfim, entrar no twitter de hoje e escrever para o de ontem. O equipamento é bom, embora a viagem não seja lá muito garantida. Dizem até que esse vício – o de voltar – acaba com o organismo da pessoa. Só que já sobrevivi a viagens muito piores. Eu e o Ozzy. Não sei como atravessei esses anos todos. Como diz o Neil Young: "queria arder, não durar." Tal projeto, como se vê, não deu certo.

@ Vamos lá. Sobre 2014, por exemplo, posso dizer que o Brasil ganhou a Copa. Mas pra que? Pra nada. Houve uma apatia geral no País, como se fosse a vitória de um mauricinho brasileiro qualquer numa competição da hípica. Falar nisso, não existem mais cavalos.

@ O que vocês chamam de futuro é meio chato, cheio de regras, ninguém pode beber, a burocracia estatal tomou conta do mundo das drogas virtuais e o que era rotina pra mim tornou-se exceção. Até o sexo ficou démodé. Acelero umas partículas de vez em quando. Dá um baratinho. Rápido. O que faço, então? Viajo para o passado. Caio quietinha, encho a cara, pego o primeiro lindo e volto. Mesmo assim, isso cansa.

@ Bom, nem vou poder revelar muita coisa além do que já disse. Hoje tem aula de Yoga (outra que sobrou) e não posso estar em dois lugares ao mesmo tempo. Ou posso? Posso. Mas preciso ir. Antes só queria dizer que algumas coisas continuam na mesma e outras evoluíram bastante. Ou seja, ainda tem pobre e PMDB, mas o I-Phone acabou de lançar seu milésimo modelo, cujas propriedades prefiro declinar porque, como escrevi lá em cima, vocês não vão entender. (ou “iriam”, sei lá, depende de onde estamos, pois Física e Linguística se tornaram uma coisa só).

@ Talvez o mundo do futuro nem seja tão enfadonho assim. Eu é que estou ficando velha. Dois filhos, marido, netos – todos feitos por inseminação artificial, inclusive o marido -, um monte de coisas que no fim da década de 10 soavam meio absurdas para mim. Mais absurdas até do que as novidades de hoje (ou amanhã, passa essa parte). Basta dizer que bafômetro ainda resiste, mas ele é implantado nas crianças, na hora do nascimento. Quem não viaja no tempo como eu, nasce, cresce e morre abstêmio. Pense que desgraça.

@ Chega. Vou pegar meu lugar na fila da yoga. Posso voltar amanhã ou não posso voltar nunca mais. Tudo tem chance de mudar, inclusive o futuro. Mas deixa como está, aliás, como estará. Melhor não correr esse risco. Dizer que o mundo dá muitas voltas pode ter sido meio óbvio no passado. No meu tempo, lá adiante, não. Houve um probleminha quântico e o planeta deu uma parada. Resultado: uma parte é dia; outra parte é noite. O tempo todo. Por azar, deu-se que a vida noturna no Ocidente já era (ou já foi). Aqui, é sempre claro, enquanto parte do Oriente, como o Nepal, virou uma espécie de Rua Augusta mundial.

@ Vou-me embora antes que apareça um monte de físicos e psiquiatras dizendo que isso é impossível, que não é viagem no tempo, é viagem de ácido e já estou de teoria das cordas até o pescoço. E se eles tiverem razão? E se for só uma bad trip? Pouco provável. Trouxe meu tíquete. De vinda e ida. Melhor cair fora (ou dentro), deixar todo mundo em paz, até porque esse espaço-tempo é meio abafado. Ah, ia esquecendo. Não tem mais Lua. Foi encolhendo, encolhendo, igualzinho diziam (dizem) no History Channel e sumiu. Sorte que os caras fizeram uma gambiarra que até funciona direitinho.

@ Encerro por aqui. Até 2040.

FIM


@_lulafalcao

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Apareceu um balde? Eu chuto

@ Você escreve um monte de merda sem se dar conta que pode estar sendo lida por gente capaz de tudo. Até de despachar uma ordem de prisão pelo twitter. Por isso, quanto mais seguidores, mais risco. No meio deve haver um juiz, um cara do Ministério Público, um delegado ou alguém do governo. Pensar que opinião é só opinião entra por um ouvido e sai pelo outro, é a maior bobeira. Existe uma multidão querendo pegar o nego pela palavra. Falar o que se pensa, sem uma filtrada antes, é muito perigoso. Fazer isso depois de uma garrafa de vodka é quase suicídio. Meu problema é esse: quanto mais bebo, mais sincera vou me tornando, a ponto de revelar segredos que nem eu mesma conhecia. Se é que isso é possível. Acho que é.

@ A tática para evitar confusão, mesmo depois de dez copões de sminorff, é dizer para quem me contesta: “você tem razão”. Outro dia, um cara ficou indignado e perguntou por que eu estava concordando se acabara de escrever uma coisa que ele não aceitava. Digo, com a maior sem cerimônia: mudei de ideia. “Tão rápido assim?”, insite o cidadão. Ai, quando vejo que ele quer continuar a história, criar caso, me mudo pro Facebook. Lá todo mundo curte o que você escreve - “lindo”, “adorei”, essas coisas.

@ O caldo entorna mesmo quando, na madrugada, esquerda e direita vão pro ringue. Em tempo de eleição, enquanto todo mundo lá fora não está nem ai, o pessoal da política entra numas. O pior: nessas horas é que eu me meto. Não para tomar partido de um lado ou de outro, mas para dizer um terceiro troço, bem fora de propósito, que só serve para unir as duas partes contra meus posts. Mas apareceu um balde, eu chuto. Ontem mesmo, só porque escrevi “paunocu do Hugo Chávez” toda esquerda latino-americana desabou sobre minha cabeça. Também não pode xingar a direita porque nesse caso você passa por ignorante e dinossaura. Não acho que não entenda de política; a política é que não entende nada de mim.

@ Profissionalmente, sigo tuitando para instituições não muito respeitáveis. Quem pergunta, hoje, o que faço, respondo: “sou ghost twitter”. Não é lá grande coisa, mas pelo menos não preciso sair de casa. Ocorre que às vezes, no meio do trabalho, resolvo dar uma relaxada com o vaporizador holandês e começo entrar em assuntos que não são da minha conta. Até agora, nenhuma reclamação grave. Tenho medo de perder esse emprego. Quer dizer, essa ocupação. Chamar isso de emprego é meio exagerado.

@ Tomei uma decisão: deixei de fumar cigarro. Guardarei o pulmão para fumaças mais inebriantes. A decisão dois é encerrar essa história na semana que vem, com uma conversa mole de despedida. Cansei de mim.


@_lulafalcao