quinta-feira, 30 de agosto de 2012

O aliterato




Resolveu terminar o texto com uma frase redondinha na forma e dúbia no conteúdo. Se buscasse lá dentro, acharia palavras mais fortes, mas seguiu adiante, em busca de estética, porque lhe faltava tutano e vontade de mergulhar no inferno. O fecho do pequeno conto seria entregue a um público prudente o bastante para não arriscar comentários mais esmiuçados. Ante o jogo de palavras na medida, o leitor mediano se esforçaria no máximo em um comentário sobre a própria estrutura da frase, sem entrar muito no conteúdo, algo como... “maravilhosa aliteração”. O autor ficaria alegre com o elogio, públicado em seu blog, embora nunca estivesse satisfeito.

O aliterato em questão - se é que existem aliteratos - sempre constrói frases que se enlaçam em si próprias, boas até de olhar de tão simétricas, mas o autor lamenta-se com frequência – “por que não pensei nisso antes?” -, ou bem antes, e gostaria de ter escrito Em horas inda louras, lindas\ Clorindas e Belindas, brandas\ Brincam nos tempos das Berlindas,\ As vindas vendo das varandas. Só que Fernando Pessoa foi um século mais rápido. Ele não pensou porque vive escondido na técnica, preso à gramática, e quando consegue alguma coisa, perfeita na aparência, vê-se ali apenas um monte de palavras bem postas, mas num conjunto sem alma. Então ele sai atrás de raridades dos outros, em seu computador e em seus livros, e encontra, por exemplo, o início de Anna Karenina e repete e repete “por que não pensei nisso antes?”

Tinha consciência crítica de seu trabalho e enxergava em seus textos o que os especialistas da cidade não percebiam ou, em caso de dúvida sobre o que pensar sobre aquilo, preferiam saudá-lo como original. É uma tendência terrível achar bom o que não entendemos e assim funciona para seus alunos na universidade e para seus amigos do jornal local. Menos para o autor, cada vez mais impaciente por substância, atrás de um parágrafo ao mesmo tempo perfeito na forma e na essência, uma interessante contribuição ao pensamento ocidental, por supuesto.

Por essas outras, evita expor-se além das fronteiras da província, mostrar sua escrita para os grandes suplementos literários do País, pois sente que haverá ali um distanciamento e um monte de gente capaz de destruir-lhe a obra, ou pior, ignorá-la. Para consumo interno, tinha outro discurso. Aos seus admiradores dizia que “meu mundo literário é aqui”, coisas do gênero, agradáveis ao suave bairrismo reinante.  Então, ele será e será ali, em sua cidade, uma instituição, membro da academia, e inteiramente entregue aos confortos de um mundo onde todos se conhecem, às vezes muito bem.

E seguirá adiante, sem entender direito por que é assim, e ele apenas olhará o mundo horizontalmente em cima do muro, sem entrar na caverna sem fundo, pois talvez não saiba onde ela fica. O próprio drama interno poderia dar-lhe algum material para o texto perfeito, sem saber que essa conjunção sem o sacrifício de uma das partes não é freqüente. Estilo, só para firulas na entrada da área, dribles elegantes e nenhum gol.  

sábado, 18 de agosto de 2012

Sinais (in) decifráveis




Difícil explicar em poucas palavras, ou em muitas, aquilo ainda não moldado, só uma ideia vaga, uma teoria não escrita e ainda em fase de estar sendo pensada. O autor sabe que é uma boa sacada, conduz a alguma coisa, praticamente resume o sentido da vida ou de parte dela, mas não foi ao papel, nem mesmo saiu do cérebro, apenas mandou um flash, um tuíte. É difícil juntar as peças e, mais do que isso, obtê-las. Não existe um projeto a ser montado, nem isso; só a vontade dirigida para algum sinal vindo de dentro.

E aí? Ai ocorre um negócio interessante. A necessidade de explicar um sentimento termina virando a necessidade de expor um mistério. A grande ideia não identificada é apenas um mote para se escrever sobre a grande ideia não identificada. Então, as ruminações mais subjetivas ficam acima do roteiro e de seus personagens. O narrador dá as cartas e, terminado o romance, descobre que a história é bem fraquinha, mas está cheia de vozes interiores muito bem elaboradas ou pelo menos curiosas.  Não há motivo para preocupações. Segundo os padrões atuais da crítica literária poderia estar ali um novo modelo de escrita, sem necessidade do enredo típico de romances, apenas um discurso.

Em muitos casos, é isso mesmo. Histórias são contadas de forma mais eficiente pelo cinema e a TV, enquanto o mundo dessas ideias, especialmente o das mais desconexas, é um universo único, onde as histórias são a história das ideias, e cabe ao escritor abordá-las – no sentido de cercar-se e de versar - de maneira original e ordenada. Mas sem trama. Talvez seja resultado de um fenômeno, ainda não denominado, em que um determinado sujeito, em um dia, pensa, de modo rarefeito, em boa parte da produção literária mundial. Só não consegue normatizar, alinhar com começo meio e fim e proceder a julgamentos. Em algumas pessoas, há romances às dúzias rondando o juízo dia e noite. Não estão prontos porque, como se disse no início, são apenas lampejos. Às vezes você cata um desses pensamentos imperfeitos, senta e escreve um livro. Às vezes, não. O jorro, mesmo assim, continua, e só uns poucos conseguem construir uma escrita absoluta, um emaranhado de nós perfeitos, entranhado em Filosofia Pura.

Em contraponto existem os grandes comentaristas sociais, cujo melhor exemplo é o pessoal do Novo Jornalismo.  Escreveram e escrevem realmente bem e se comparam aos gigantes do século XIX, Balzac, entre outros, conforme Marc Weingarten (A Turma que não escrevia direito). Tom Wolf, Hunter Thompson, Joan Jimmy Breslin, John Sack e Michael Herr, não necessariamente nessa ordem, estremeceram o mundo com reportagens carregadas de ruminações e trouxeram a incrível novidade de o repórter-escritor meter-se no caso que está apurando a ponto de tornar-se o personagem principal, vide o gonzo Thompson, capaz de transformar a cobertura de um encontro de policiais num tratado sobre drogas e putarias variadas.  Os novos jornalistas não eram tão novos assim. Antes deles, houve Dickens, com suas reportagens para o Morning Chronicle, e talvez tenha começado no século XV nas chamadas “Informações Públicas”, tremendamente censurada na Era Tudor, como observa Weingarten. Apesar disso, não há por que contrapor-se à ideia de que a turma do new jorunalism representa o que houve de melhor no século XX em termos de texto e conteúdo, atenadíssima para grandes transformações e para pequenos gestos.

A diferença é que o material desses escritores vem de fora, em sua maior parte, e os sentimentos gerados são voltados para situações específicas, como uma corrida de Stock Car ou uma luta de boxe. Quase tudo é dado pela realidade. Mais complicado, não sei se mais inteterresante, é a escrita nascida de confusões metafísicas ou vinda do nada. Mesmo assim, ao fim das contas, o romance, até o mais intimista, não deixa de ser uma reportagem. Uma viagem pelo pensamento ou uma viagem pela África podem dar no mesmo.  Para esclarecer, ou complicar ainda mais, segue um comentário do filósofo Gilles Deleuze: “escrever nada tem a ver com significar, mas com agrimensar, cartografar, mesmo que sejam regiões ainda por vir”.

domingo, 12 de agosto de 2012

Nos anos 70, ele parou





Nos anos 70, Rio de Janeiro, cumpríamos alguns ritos ditados pela música. Ainda não existia dormir na grama do aterro sob o Céu, mas íamos a Niterói, na barca, em direção a um show de um amigo nosso, inteiramente desconhecido na cidade, não importava, era amigo nosso, por sinal o mais aparelhado para ficar famoso na metrópole. Tínhamos uma enorme certeza disso, porque nos sentíamos acima da média, bem acima, e um dia nosso cantor vingaria, como de fato vingou.

Passados tantos anos, uma mudança de século no meio, e um dos nossos olha para trás de um jeito nostálgico. Não consegue se livrar da vontade de caminhar contra o vento, andar por ai, acampar em praias ou casas de amigos. Lembrou da festa contínua. Dormíamos, festa, acordávamos, festa. Não que houvesse gente dançando, nem havia música, era só o clima entre as pessoas, a natural sensualidade, a falta de pressa, essas recordações todas voltavam para ele junto com a dificuldade de descobrir por que aqueles tempos provocaram tantas sensações agradáveis e provocam as mesmas sensações até hoje, só de lembrar. Mas ele se enquadrou. Virou publicitário.

O fato de estar com vinte poucos anos, observando estrelas, namorando com o coração na boca e cultivando utopias poderia explicar tudo. Hoje também é assim, só que a gente não participa, observou um dos nossos, e ainda retrucou a tese de que os 70 foram anos especiais. Não foram, segundo ele, porque vivíamos divididos entre a porrloquice e a necessidade de entrar num partido clandestino para derrubar a ditadura.  Maconheiro e militante ao mesmo tempo, essa era a confusão, não daria certo. Então oscilávamos entre a música de protesto e as letras mais viajantes dos Novos Baianos. Ele argumentou ainda que, nos dias atuais, não há risco de ser morto a tiros por razões políticas, então a partir daí fica mais fácil se preocupar com coisas mais importantes, como a tecnologia e a Psicanálise.

Outro pulou na conversa com ideia contrária, listando o blá-blá-blá contra a falta de sentido do novo século, a começar pela vida virtual estabelecida, quase tão necessária quanto a real, segundo ele. “Antes da Internet os sentimentos eram mais genuínos, curtia-se um barato e não o Facebook”, disse ele, saudoso como um Jabor. O amigo tinha um olhar especial para sua década e parecia vivê-la hoje, ou pelo menos tentava, e no fundo sentia desprezo pelas formalidades do presente e por amigos integrados, incluindo o publicitário e o cantor famoso, agora mais famoso e mais distante. Um velho calção de banho, um dia pra vadiar. Vivia assim, entre a praia e o boteco, num Rio imaginário, recriado a partir do rock paulêra, como se dizia nos 70’, a essência da MPB e o batuque dos ritmos populares.

No finzinho da década, ele celebrou a anistia fumando um baseado e intuiu que dali em diante não precisaria mais se meter em política, pois bastava a democracia e assim estaria perfeito, o sufoco acabara, era o momento de aproveitar a vida da forma linda, leve e solta como sempre sonhou. Mas vieram novas complicações, sinais de anos difíceis e confusões de sua própria juventude em fim de feira, como a necessidade de arranjar um emprego, quem sabe casar e ter filhos, como fez a maioria de seus amigos. No entanto, ele resolveu manter-se na mesma, no lugar comum, beira do mar, ainda pensando em sua honey baby, ouvindo Gal, vendo pôr do sol no Posto nove. Ficava ali, naquele fim de década mentalmente reprisado, como um cão sem dono, ou num eterno retorno a lugares já descobertos pelos comuns, vagando por Arembepe, Olinda, Trindade e assim por diante.

Hoje tem cabelos brancos compridos, com rabo de cavalo.  Continua sem trabalho, a não ser em projetos, faz umas fotos, escreve poemas marginais tardios, e corre atrás de fogueiras em praias e mocas mais novas que usam saias indianas e gostam de reggae. Com o dinheiro da pequena herança da família, vai levando, sempre com a cabeça lá atrás, nos anos 70, e ainda se tranca no quarto para ouvir Pink Floyd nas alturas, béque aceso, um olhar perdido em 2012, mas plenamente ajustado à época que escolheu para viver, ao lado de seus vinis de Beto Guedes, livros de Carlos Castanheira e seu casaco de general.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Sobre fracos e fortes


“Ele era uma moça”, como se dizia, sobre homens dóceis, educados, incapazes de matar um pernilongo. Muito antes das marombadas, fortonas, com pernas do lateral Roberto Carlos, se pensava assim, sobre a natural docilidade da mulher exportada para o homem.  A questão é mais geral, acho, e se refere à inevitável convivência entre pessoas fortes e pessoas frágeis, sejam mulheres ou homens, sensíveis ou não.

Guardamos uma fragilidade em algum lugar do corpo, no aspecto ou na mente, uma sensação de estar, e de que estará para sempre, numa posição inferior. Ele era assim, ainda é, não sei, nunca mais vi. Mas sua fragilidade era também sua grande arma, entrando por algum canal do cérebro e saindo de lá transformada num estranho sentimento de auto-estima. A razão de sua existência seria então contrapor-se à força, e dessa forma ganhar uma melhor razão para viver, razão superior à do próprio forte e poderoso, que é apenas a de manter-se onde está.

Depois desse toque de auto-ajuda, vamos todos de mãos dadas às considerações preliminares e ao mesmo tempo finais: em Física não é diferente. É excesso de força contra falta de força o tempo inteiro. No universo é assim e é assim na esquina e na política. O forte quase sempre vence, exceto quando há uma fusão inesperada de fragilidade e audácia com um bocado de sorte, e o fraco triunfa, mas isso acontece raramente.

É insólito, mas acontece. O frágil rapaz, quase uma moça, alcança o canto dos poderosos com ajuda dessa tal conexão de ocorrências e, detalhes de lado, o fraquinho logo se fortifica e torna-se igual aos Todos Poderosos, ganhando um sentimento novo e arrebatador, mas mesmo assim de segunda em relação ao que sentia antes. Por lei universal, ninguém quer de volta sua fraqueza e ele continuará dessa forma, evitando a queda, vivendo a infelicidade típica dos fortes, até que um dia cairá no mundo dos fracos, de novo, e se descobrirá pequeno e sutil como era e tudo seguirá nesse moto, mas acho que só para ele e uns poucos.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

O desterrado




Já andam pela cidade, faz algum tempo, senão anos, os típicos seres desterrados por opção. Pegando-se como exemplo um conhecido meu vagamente argentino, sem lugar para dormir, cheio de ideias anarquistas, muitas reformuladas pela Internet, temos o tipo mais característico da espécie. Aparece em sua casa em companhia de companhias mais apresentáveis, poucos e bons que entendem a palavra de ordem de trocar a revolução pelo levante e a militância pelo puro ativismo. Pois bem. No último sábado ele esteve na casa de um amigo, molhado de chuva, mas imperturbável. Logo tomou o centro da sala para a longa pregação que seria o único assunto da noite.

Veio pelo mais difícil: a defesa do analfabetismo, suscitando em algumas moças a imponderabilidade de um rapaz tão culto defender justamente a ausência da educação. Houve então um pequeno comício porque as pessoas já estavam meio bêbadas e queriam a sua vez de falar. Enquanto ele tratava da desnecessidade dos políticos, ou de qualquer esquema de poder, outros retrucavam o caráter antidemocrático dessa afirmação. Mais o vagamente argentino retomou o controle e atiçou a galera com outros temas polêmicos, como a sonegação afirmativa dos impostos e o fim da família nuclear.

Mais tarde, talvez com certo atraso, um livrinho trouxe-me as mesmas argumentações, sem tirar nem por. A tribo, eu não tinha conhecimento, já possui uma pequena bibliografia a seu respeito. Minha impressão é a existência de gente assim em todo o mundo, comungando as mesmas ideias pela Internet e isso de forma alguma me assusta. Não por especial simpatia por algumas dessas teses, mas pelo prazer de observar o surgimento de uma discussão bem mais profunda do que as questões parlamentares. Se não for tão profunda, pelo menos anima o ambiente.

Dito isto, volto ao pregador. Suas ponderações, quase profecias, surtiram efeito em parte da plateia e nessa noite, o ativista vagamente argentino dormiu ali mesmo, na sala, com a mulher que meu amigo desejou a festa inteira. O poder é afrodisíaco, mas a ausência total de poder também começa a ganhar um inesperado apelo sexual.




sábado, 4 de agosto de 2012

Quase famoso




Estava sem dinheiro e pedi vinte paus emprestados. Deu só pro maço de cigarros e duas cervejas. Acabou. Ainda bem que entrei de graça na festa porque eu era convidado vip. Quase todo mundo me imagina rico ou remediado. Quase ninguém sabe que padeço da falta de dinheiro, falta crônica e grave, pois ganho apenas R$ 1,2 mil,  divido o apartamento com uma galera e não ando de táxi. Mesmo assim, eu sou famoso.

A festa estava animada, todo mundo conhecido, e quem não me conhecia pessoalmente, só de ouvir falar, queria conhecer. “Você é o Lara?”, sempre perguntam. Tem muita gente assim, parecida comigo - é celebridade num determinado mundinho sem nunca ter saído no jornal. Só blogs e no boca a boca. Espalham, e eu gosto, histórias sobre minha vida e minha obra e elas terminam propiciando situações engraçadas. Outro dia, num bar, ouvi um sujeito se gabando de ser meu amigo íntimo. Nunca fui descrito com tantos detalhes. Dada a precisão do desconhecido, fiquei escutando a conversa, interessado, não estraguei a dele. Aliás, pouco tempo depois entrei no papo, contei que também conhecia o Lara, um cara legal, inteligente, fino, artista dos bons, grande conhecedor da alma humana, conquistador de mulheres inesquecíveis, o ban-ban-ban da zona etc. Eu sobre mim mesmo para um amigo do peito completamente estranho.

Sempre me chamam para almoços e jantares. Na hora de pagar a conta é um suplício. Um monte de cartões de crédito em cima da mesa. Jogo o meu, de débito, e espero pelo esperado. Não tem saldo. As maquininhas, no entanto, são discretas, acusam apenas falta de conexão com minha agência ou coisa parecida. Nenhum puto, eu sei, e todos pulam para resolver o problema, com certa satisfação. Outras vezes faço cena, “porra, esqueci a carteira”, sem dramas, acreditam. “O Lara é desligado”, dizem. “Artistas são assim mesmo”, acrescentam. Magnólia, minha namorada, sabe dessas agruras. Atua com intensa cumplicidade. Também vive dura. É produtora free-lancer. Nessas ocasiões, a coitada mente, “obrigada, já comi”. Depois, vamos os dois à padaria, e ali Magnólia devora um misto quente. Não reclama. O ketchup escorre pelos cantos da boca e ela me olha, com admiração. “Gosto tanto de você”, diz, ainda mastigando o sanduíche.

Meus trabalhos saem na brodagem. O primeiro filme foi assim, um curta, com equipamento emprestado, atores amigos, e Magnólia na produção. Também escrevo roteiros para quadrinhos, fanzines, e dou expediente na agência, uma agência pobre e legal.  Às quatro nos reunimos no terraço para fumar um e até o dono vai. O dono é quase tão pobre quanto eu. Pensa que estou na agência por hobby, pois conheço gente importante, poderia ser diretor de criação num lugar melhor, com salário de gente.

Só os mais chegados viram meu filme, a maior parte integrante do cast, como a belíssima atriz Maria Isabela. Quase fiquei com ela. Não quis trair Magnólia e por isso não fiquei. Mulheres não são interesseiras, pelo menos as que conheço. Há as que têm atração por homens sem dinheiro. Basta ser engraçado, espirituoso, bacana. No meu caso, há o acréscimo da fama - semifama, que seja. Antes de Magnólia, peguei quase todas, embora eu não seja um exemplo de beleza masculina. Curioso, isso.

Algumas raras vezes, minha amiga Etiene, a rainha dos malabares, coisinha linda, pergunta por que não arranjo um bom emprego. Teria competência e currículo para estar numa multinacional, brigando no mercado, competindo com colegas escrotos, dando rasteiras por cargos, usando paletó e gravata. A mesma conversa do dono da agência. Respondo com clichês e mais clichês, pensando em Magnólia, correndo para abraçá-la, fungando em seu cangote, que tem cheiro de sexo por fazer.

De vez em quando não sei lidar com a intensa felicidade do reconhecimento, a acolhida deste pequeno público cativo do bairro, desses pequenos círculos de outras cidades ou dos botecos ainda freqüentáveis. Vem um nó na garganta, muita ansiedade, a obrigação de dar um retorno, em forma de espírito leve, jeito desdenhoso e frases de efeito. O cara, além de gênio, é legal, devem pensar de mim, assim eu acho, e sempre ao lembrar-me disso sinto um estranho deslocamento nos ambientes em que reino absoluto.

Então saio para o âmbito da cidade enorme, perco-me na nas ruas como anônimo, mas o horror de não ver rostos conhecidos e, mais, não ser reconhecido - “olha o Lara”, ninguém diz -, me leva de volta ao seio da pequena fama, onde estão Etiene, a grega dona da pensão Contrastes, o ativista da Internet, as meninas do curso de comunicação, o velho Falcão e principalmente Magnólia.