quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Tuiteira: Caros amigos

@ Vou confessar uma coisa: já dei para amigos. Muito. Até por filantropia e muito mais para manter a amizade e o clima de festa. Bastava satisfazer certos requisitos e o fato estava consumado. Por que deixar o amigo em dificuldades, não é mesmo?

@ Nesse tempo, meu círculo de amizades masculinas só fazia crescer. Nego se aproximava sabendo dessas prerrogativas e com um mês já queria resultado. Aos poucos fui deixando, afrouxando um pouco as regras e os prazos para o ingresso no clube. Dependendo do cara, se fosse bonito, uma semana já era mais do que suficiente. Eu vivia sem namorado. Cercada de amigos por todos os lados.

@ Minha glória com novos amigos se dava nas viagens ao Nordeste - tão em voga nos anos 80 - ao pisar distraída naquelas praias semi-desertas e de mãos dadas com um nativo que mal sabia assinar o nome. Na época, parecia encantador namorar pescadores, artistas naif, argentinos que fazem pulseirinha, maconheiros em tempo integral e capoeristas. Eu não fugia à regra. Os locais sempre tinham preferência. Se eles não tomassem a iniciativa, eu tomava. Mistura de tesão e solidariedade social – quase um bolsa sexo para as camadas mais carentes da sociedade.

@ E assim se passaram dez anos. Até que dois fenômenos mudaram minha vida. O primeiro, na verdade, mudou meu corpo. Os amigos já não compareciam com a mesma freqüência porque cervejas atuam numa área bastante sensível da anatomia – a cintura. O segundo, foi o surgimento da Internet. Daquele ponto em diante, a rede seria meu refúgio. Adeus biquínis e idílios marinhos. Adeus corpete de gatinha. Ao voltar para a cidade eu estava com sete quilos a mais e, de resto, tudo de menos: dinheiro, auto-estima e saúde.

@ Saudades desse tempo? Nenhuma. Repetir tudo aquilo? Nunca. Passou, fudeu, só se repete como farsa. Pelo menos nisso Marx estava certo. Seria ridículo ver uma mulher da minha idade e peso perambulando por praias e arruados litorâneos cheia de amor para dar. Pior ainda: acompanhada de um séquito de amigos que não tinha mais nada a dizer a não ser “aê,ô” e “bródi”. O jeito era encarar a nova vida. Só que eu não tinha o menor pendor para a realidade.

@ Desde então, minha vida sexual é quase toda online. Mas não deixei os amigos de lado. Eles agora eles são virtuais. Estão no twitter, no MSN, no facebook. Pego um deles todos os dias.

@_lulafalcao

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Carreira Solo

@ Descobri minha homossexualidade aos 16 anos e aos 17 a heterossexualidade. Fiquei com as duas. Era mais prático e, melhor de tudo, mais amplo. Não ficava por ai reclamando da falta de homens.

@ No início foi divertido, usei meus super poderes até o talo, mas o tempo se encarregou de estragar tudo. Bastou uma leve embarangada e os meninos e meninas sumiram.

@ Por sorte, não sou carente ou nem tanto. Assim, transformei minha vida sexual numa questão de fórum íntimo, ou seja, faço sexo comigo mesma. Como, aliás, vocês já sabem. Então, ficar na mão deixou de ter aquele sentido figurado ruim, sinônimo de abandono e solidão. Quase sempre fico na mão e é satisfatório. No meu caso, é o único processo de auto-ajuda que funciona. Também é menos tenso. Se quiser mais, tem mais; se não quiser, não preciso inventar uma dor de cabeça. O melhor: não há risco de procriação.

@ A carreira solo, portanto, vai bem. Tenho obtido excelentes resultados com as bolinhas explosivas da Loja do Prazer e o sex toy and the city, um dos 6.500 itens da Desejo Oculto. Nada disso deixa sequelas. Durmo comigo e acordo comigo. Posso beber à vontade sem perigo de encontrar um estranho na minha cama ou, mais grave, terminar na cama de um estranho, como acontecia com frequência. Não eram estranhos porque eram desconhecidos – isso é o de menos. Eram estranhos porque não tinham nada a ver com nada.

@ Mas sexo não é tudo. Mesmo para um animal eternamente no cio como eu. Tenho contas a pagar e cada mês acaba sendo um desafio. Nesse ponto, procuro ver a coisa como um jogo. Só que tenho que ganhar sempre porque a derrota é punida com despejo e conseqüente corte da banda larga. Como já tentei quase tudo no mercado de trabalho, formal e informal, sobrou-me a pouco nobre tarefa de cabo eleitoral. Não sabia que todo o meu saber político desaguaria nisso. Cabo eleitoral. Convenço as pessoas a votar num deputado (estadual) que detesto, especialmente porque é um homem de aparência suja até quando aparece no horário eleitoral da TV. Sua muita, engole os plurais, mente.

@ Minhas novas funções envolvem ainda a agenda do candidato, a logística e, num grau menor de importância, o programa de atuação parlamentar. Eu que escrevi. Botei na cabeça um político europeu vagamente socialista, terno bem cortado, e passei a tracejar uma monografia cheia de citações de Bobbio, Nabuco, tudo isso praquele merda. O deputado, coitado, empacou no primeiro grau, não iria entender nada. Mas gostou. Tanto gostou que leu aquilo como discurso, foi muito aplaudido, embora nem ele nem a platéia tenham a mínima ideia do que a junção dessas palavras representa. Sai de lá, nesse dia, até um pouco satisfeita com meu texto. “Pelo menos tenho ritmo”, pensei.

@ Iria acabar essa lengalenga de meses com algo mais bombástico: casei, enriqueci, morri, por exemplo. Sugeriram até suicídio. Nada disso. A vida continua o mesmo mar de lágrimas no qual aprendi a surfar. Não mudei quase nada e tudo em volta continua igual. Ainda bem.

@_lulafalcao

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Um flash eleitoral

@ Não entendo porque as pessoas se envolvem tanto com política a ponto de brigar umas com as outras. Ao vivo ou até pela Internet. Sei que o futuro do País está em jogo, essas coisas, mas não justifica alguém se esgoelar por um candidato se depois da eleição o ganhador fará igualzinho ao anterior e vice-versa. Acho que as pessoas entram nessa parada porque se sentem sozinhas. Escolhem um lado e ficam por ali, trocando idéias sobre programas de governo e torcendo para rolar um programa mais legal para esta noite – tipo bar, beijo na boca e motel. Então eu acho que política é só mais uma diversão. Não precisava ser tão violenta.

@ Esse começo não pega. Vão me chamar de alienada e, mais uma vez, corro o risco de terminar sem ninguém, como quase sempre. O jeito é pesquisar. Quem gosta mais de sexo? A esquerda ou a direita? Também não é por ai. Se você entrar na discussão tem que ter elementos, precisa ler jornais e isso eu não consigo porque me distraio muito, bebo muito e durmo muito. Perco a noção do tempo. Foi assim com o resultado da eleição. Só na segunda, quase noite, ouvi comentários na padaria e ainda assim precisei fazer umas sinapses: ontem+eleição=segundo turno. Também me esqueci de votar. Mais precisamente, dormi durante o pleito. Essa justificativa eles não aceitam.

@ Mas o de estar meio alheia nesta semana não significa qualquer desprezo pela democracia. Pelo contrário. Pode perguntar pra mim: posso fazer isso? Posso fazer aquilo. Sempre respondo: pode. Democracia é isso. No meu entender. Permitir tudo, menos coisas que fatalmente vão dar em merda, como pular deste prédio agora. Não é que não pode; não deve.

@ Mas, pense bem, não votar tem seu lado positivo. Você chega ao twitter e está lá o pessoal todo empolgado com o candidato A. Hora de entrar na festa. O mesmo pode fazer com a turma do candidato B. Sem nenhuma culpa. Não votei, foda-se. E se tivesse votado seria na Marina, com o único objetivo de evitar aquele mal-estar com a galera da oposição ou a galera do governo. O pessoal olha pra você meio chateado, mas não com ódio. Eu acho.

@_lulafalcao

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

A felicidade, portanto, é um perigo

@ A felicidade me deixa ansiosa porque sei que depois dela melhor não fica. A tendência é de baixa. Volta-se estaca zero ou cai-se numa pior ainda. Felicidade, portanto, é um negócio arriscado. Melhor manter a média, com algumas oscilações, dentro da margem de erro.

@ Por isso prefiro euforia e prazer. São sensações sob controle. Controle químico, na maioria dos casos, mas controle. Tomo umas, vem a ressaca; tomo outras, ela se vai. Uma pessoa pode viver assim durante muito tempo ou pelo menos enquanto fígado ainda estiver na garantia.

@ Depois, com a velhice, o que vier lucro. A velhice se satisfaz com pouco. De repente uma papinha pode ganhar a importância e o sabor de uma dose dupla de Absolut. Tudo é relativo. Pessoas que correm num campo aberto, feito a noviça rebelde, podem de fato estar felizes. Mas imagine ficar assim o tempo inteiro. Logo ela percebe o ridículo, cai na real e se deprime.

@ Antes da velhice total – a cadeira de balanço, o olhar perdido – existe uma coisa muito interessante para alguns: o pleno exercício da vaidade. Especialmente vaidade intelectual. Vaidade é legal. Por isso as pessoas escrevem, fazem filmes, entram na política. Gente gosta de ser admirada. Adora elogios. Depois de certa idade, então, é só isso que resta.

@ Eu sei, tem o amor. Você se apaixona por alguém que se apaixona por você. Perfeito. Os primeiros momentos são deliciosos, mas eis que o tempo passa, o barato se perde e até o sabor do beijo se perde também. O amor acaba ou, pior, se acaba só para um dos lados; o outro desaba, pede pra morrer, se desespera. Prevendo isso, nem tento. Atualmente, amor só comigo mesma. E olha que até assim tenho tido algumas decepções.

@ Da morte, no entanto, eu tenho medo, não vou mentir. A morte deixa a gente eternamente off-line. Doenças como o mal de Alzheimer também. Você esquece as senhas do twitter e do Facebook e mesmo quando entra neles não sabe o que está fazendo lá dentro. Mais grave: não sabe como sair nem porque entrou. Não sabe nem o que é aquilo.

@ A religião tem lá suas vantagens. Morreu, tudo bem, haverá um novo começo não sei onde. Um paraíso pra uns; uma reencarnação pra outros. Mas isso é pra quem tem fé. Eu tenho dificuldade em acreditar em vida antes da morte, quanto mais depois dela.


@_lulafalcao

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Literatura: reações adversas

@ Há um mês sonhei que metade dos voos de um aeroporto não vingava. Os aviões explodiam no final da pista. O pior é que todo mundo achava a coisa quase normal. Um aborrecimento a mais. Os jornais cobriam os acidentes no dia a dia como se tratassem de um problema aéreo qualquer. Como atrasos nas partidas ou overbooking. Os familiares dos mortos simplesmente deixavam suas reclamações na Agência de Aviação e iam embora, meio contrariados, esperando pelo menos receber o dinheiro da passagem de volta. Acordei e li a bula, na parte das reações adversas: inquietação, agitação, agressividade, delírios, alucinações, comportamento inadequado e, claro, pesadelos. Depois li o principal: evitar a ingestão concomitante com álcool. Na noite anterior, eu havia tomado meia garrafa de vodka e um comprimido para dormir que nem lembro o nome (pelo visto essa mistura também provoca amnésia). Resolvi então parar de beber.

@ Primeiro dia: não bebi nem tomei remédio. Nem dormi. Passei a noite inteira com taquicardia, suando frio e sob novos pesadelos terríveis. Mesmo assim, prometi a mim mesma resistir à crise de abstinência. Segundo dia: a mesma coisa. Terceiro dia: voltei a beber. Mas sem comprimidos. Quarto dia: eu sou uma pessoa fraca, entrei em depressão. Preciso de um remédio. Quarto dia: não bebi, mas tomei um remedinho pra dormir. Quinto dia: passei a tratar a questão sem muito drama. Apenas como escolha: optei pelo álcool.

@ “Por que as pessoas bebem? Por que tomam remédios? No primeiro caso, é para tornar as outras pessoas mais interessantes, segundo Natan. Em relação aos remédios, para se diferenciar dos animais, conforme disse Orson Welles. Mas ai surge outra pergunta: por que devo basear minha vida em frases de efeito? “ Assim era o início da história que tentei escrever. É uma merda. Mas tem a ver com o que disse lá em cima e sobre o que vai ai embaixo.

@ Pior do que escrever doidona é acordar no dia seguinte, tecnicamente lúcida, olhar para aquilo que escreveu e dizer: “Muito bom”. Com aquela entonação típica das vezes em que nos elogiamos em voz alta. Mas, passa o dia, o texto vai perdendo contexto, substância, estilo, ritmo e por fim morre por volta das 17 horas de uma tarde totalmente melancólica. Não há mais nada. Nem de você nem do texto.

@ Por isso, nesses momentos, só penso em beber. Anestesia o pensamento e no meu caso até levanta a auto-estima por alguns minutos. Se não sou assim tão boa para escrever um livro, posso então me compensar com um corpo ainda em bom estado de conservação. Quer dizer: mais ou menos. Penso e vou adiante: se não consigo seduzir leitores, seduzirei homens. É um bom começo.

@ Depois eles vão achar você incrivelmente talentosa, a curva chega ao ápice, mas começa a descer e no final das contas já não veem tanto talento assim em você, começam a ter vergonha de sua verborragia e por fim vão embora. Está explicado porque tenho dado prioridade à literatura. Mas ela também me deprime e não é só no final. No início e no meio também. Daí a vodka, os remédios, os pesadelos.


@_lulafalcao