quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Literatura: reações adversas

@ Há um mês sonhei que metade dos voos de um aeroporto não vingava. Os aviões explodiam no final da pista. O pior é que todo mundo achava a coisa quase normal. Um aborrecimento a mais. Os jornais cobriam os acidentes no dia a dia como se tratassem de um problema aéreo qualquer. Como atrasos nas partidas ou overbooking. Os familiares dos mortos simplesmente deixavam suas reclamações na Agência de Aviação e iam embora, meio contrariados, esperando pelo menos receber o dinheiro da passagem de volta. Acordei e li a bula, na parte das reações adversas: inquietação, agitação, agressividade, delírios, alucinações, comportamento inadequado e, claro, pesadelos. Depois li o principal: evitar a ingestão concomitante com álcool. Na noite anterior, eu havia tomado meia garrafa de vodka e um comprimido para dormir que nem lembro o nome (pelo visto essa mistura também provoca amnésia). Resolvi então parar de beber.

@ Primeiro dia: não bebi nem tomei remédio. Nem dormi. Passei a noite inteira com taquicardia, suando frio e sob novos pesadelos terríveis. Mesmo assim, prometi a mim mesma resistir à crise de abstinência. Segundo dia: a mesma coisa. Terceiro dia: voltei a beber. Mas sem comprimidos. Quarto dia: eu sou uma pessoa fraca, entrei em depressão. Preciso de um remédio. Quarto dia: não bebi, mas tomei um remedinho pra dormir. Quinto dia: passei a tratar a questão sem muito drama. Apenas como escolha: optei pelo álcool.

@ “Por que as pessoas bebem? Por que tomam remédios? No primeiro caso, é para tornar as outras pessoas mais interessantes, segundo Natan. Em relação aos remédios, para se diferenciar dos animais, conforme disse Orson Welles. Mas ai surge outra pergunta: por que devo basear minha vida em frases de efeito? “ Assim era o início da história que tentei escrever. É uma merda. Mas tem a ver com o que disse lá em cima e sobre o que vai ai embaixo.

@ Pior do que escrever doidona é acordar no dia seguinte, tecnicamente lúcida, olhar para aquilo que escreveu e dizer: “Muito bom”. Com aquela entonação típica das vezes em que nos elogiamos em voz alta. Mas, passa o dia, o texto vai perdendo contexto, substância, estilo, ritmo e por fim morre por volta das 17 horas de uma tarde totalmente melancólica. Não há mais nada. Nem de você nem do texto.

@ Por isso, nesses momentos, só penso em beber. Anestesia o pensamento e no meu caso até levanta a auto-estima por alguns minutos. Se não sou assim tão boa para escrever um livro, posso então me compensar com um corpo ainda em bom estado de conservação. Quer dizer: mais ou menos. Penso e vou adiante: se não consigo seduzir leitores, seduzirei homens. É um bom começo.

@ Depois eles vão achar você incrivelmente talentosa, a curva chega ao ápice, mas começa a descer e no final das contas já não veem tanto talento assim em você, começam a ter vergonha de sua verborragia e por fim vão embora. Está explicado porque tenho dado prioridade à literatura. Mas ela também me deprime e não é só no final. No início e no meio também. Daí a vodka, os remédios, os pesadelos.


@_lulafalcao

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