segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Corporativês

Ao ingressar no fabuloso mundo corporativo, o primeiro passo é aprender mais uma língua. Não é propriamente o inglês. É o corporativês - idioma composto por palavras estrangeiras, siglas, verbos que não existem nos dicionários e clichês como “agregar valor”, “impactar nos negócios” ou “otimizar” qualquer coisa. Nesse ambiente, você precisa ser proativo, saber fazer um “approach” (abordagem) e um “Business Plan” (plano de negócios) , além de entender o “Core business” (negócio principal da empresa). Em caso de dúvida, procure uma Coaching (sessão de aconselhamento) “as soon as possible” (o quanto antes). Só assim, você terá um “Consumer understanding” (conhecimento profundo do cliente) e ganhará um elogio do “CKO - chief knowledge officer” (o gestor do capital intelectual da companhia).

Se você entender o “briefing” (informações necessárias para uma ação) e estiver em “sinergia” com seus “parteners”, talvez consiga um “Breakthrough” (avanço em determinada área) e, no futuro, crie um “case” (caso de estudo da empresa) ou, pensando mais alto, chegue ao cargo de “CEO” que, no dialeto das empresas, significa “chief executive officer”.

Agora, se o “clima organizacional” não estiver legal, o “budget” (orçamento) for ruim, o “Break even point” (a explicação é longa; vá ao Google) não rolar e o “Business Unit” (unidade de negócios) der para trás, você será chamado pelo “CHRO - chief human resources officer”, que se encarregará da “descontinuidade” de seu contrato de trabalho, ou seja, da sua demissão. Nesse caso, você pode fazer um “Counseling” (aconselhamento de carreira) e decidir que seu negócio é mesmo um concurso público para fiscal do IBAMA.

_lulafalcão


PS: texto publicado em 16 de abril. Em 2011, o blog volta à sua programação normal.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Jornal de ontem 1

Na preparação da Copa de 1978, na Granja Comary, o jornalista Eduardo Bueno (Peninha), hoje conhecido por seus livros sobre a história do Brasil, organizou um jogo de futebol entre jornalistas e a comissão técnica da Seleção Brasileira. Resultado: 4 x 0 para o pessoal da antiga CBD, presidida na época pelo brigadeiro Heleno Nunes. Peninha, no entanto, reuniu os colegas para deliberar um resultado menos vergonhoso a ser divulgado. Goleada não. Escolhemos 1 x 1 e assim saiu na imprensa. O assistente técnico Admildo Chirol ficou uma fera, especialmente quando viu, pregado no quadro de aviso do Hotel Higino, a análise das atuações. Os jornalistas apareciam como craques e os craques como pernas de pau. Peninha, goleiro, destacou sobre si próprio: “Mais inspiração do que Rimbaud no auge da adolescência”.

******

Varadero, Cuba, 1994. Um grupo de jornalistas estrangeiros – brasileiros inclusive - foi convidado para uma coletiva com Hosmany Cienfuegos, ministro do Turismo, no Hotel Meliá. Eu estava no Estadão e faria uma série de matérias sobre política e comportamento na ilha. Feita a entrevista com Hosmani, recebemos, no dia seguinte, mais um convite para nova entrevista com o ministro. Quase ninguém quis ir. Os poucos que foram deram sorte. De repente, no parlatório, vestido com seu tradicional uniforme militar, aparece Fidel Castro. Quase três horas de entrevista e delírio de alguns jornalistas, que batiam palmas a cada fala do comandante. Mais emocionada, uma repórter espanhola, reagiu de forma desconcertante diante da presença do ídolo: fez xixi nas calças.

******

Queda do o Boeing 737-200 da Varig no dia 3 de setembro de 1989. O local era de difícil acesso. Da imprensa, eu e o fotógrafo Antônio Ribeiro, então colega da Veja, fomos os primeiros a chegar à clareira aberta numa área de floresta perto de São José do Xingu, na Serra do Cachimbo. O comandante do avião errou a rota, no voo Marabá-Belém, e teve que fazer um pouso forçado às 21h0h, no meio das árvores. O impacto contra as árvores causou a morte de 12 ocupantes e ferimentos em outros 42. Na chegada, o susto. Passageiros encostados em árvores, gemendo de dor, cheiro de morte vindo de dentro do avião e alguns pedaços da fuselagem espalhados no matagal. O comandante Garcez, autor da mancada e da façanha, já tinha ido embora. Ficou uma parte da tripulação. No meio da tragédia, uma imagem difícil de definir: uma jovem e bela aeromoça, de biquíni, tomava banho no rio das proximidades.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Thomaz Perina

Reservado, mas sempre disposto a uma boa conversa, o artista plástico Thomaz Perina viveu e trabalhou em Campinas, onde nasceu em 23 de maio de 1921 e morreu em novembro de 2009, aos 88 anos. Embora tenha obtido reconhecimento local e certa projeção no cenário nacional, para os críticos, ele sempre mereceu ocupar um lugar de maior destaque nas artes plásticas do País. No dia 27, foi dado um importante passo para o reconhecimento mais amplo do artista com a inauguração da sede própria do Instituto Thomaz Perina (TTP). Para celebrar a abertura da sede foram organizadas duas exposições: “Retratos de Perina – Olhares sob forma de arte” - uma seleção de vários retratos de Perina, realizados por seus amigos, e de livros de artistas inspirados em sua obra. Entre os autores estão Bernardo Caro, Helio Lete, E. Beckers, Maria Helena Mota Paes, Silvia Matos, Gildo, Tadeu, Paulo Branco, Cecília Perina Mazon, João Antonio Buttrer, Sebastião Guimarães, Mauricio Squarisi, Dayz Peixoto, Roger, Geraldo Porto, Victor Fiegert, Rafaela Azevedo, Vera Ferro e Joel Luiz Bueno.

O acervo acumulado pelo artista durante seis décadas de trabalho e pesquisas é composto de mais de duas mil peças e esta organizado em três coleções: produção, documentação e Aquisição. Os trabalhos de inventário e organização do acervo foram realizados pelo ITP, sob a coordenação da historiadora Sônia Fardin, contou com a intensa participação de Thomaz Perina e foi parcialmente registrado em vídeo, material com o qual foi produzido o documentário “Eu Quero o Mínimo Pra Falar (Timbro Filmes - 2009), com direção de Camilo Cassoli. Exposição homônima foi realizada pelo instituto, na CPFL Cultura no mesmo ano. Com o falecimento de Perina, em novembro de 2009, iniciou-se o transferência das mesmas para a sede própria do instituto. O ITP, vem cuidando de preservar das obras e das lições de vida que a trajetória de Perina legou.

No ITP, o público também terá acesso a outra exposição, “O Restauro do Livrão”, que apresenta ao público detalhes do trabalho de restauro realizado uma das mais importantes peças do acervo, o Livrão, livro de artista de Thomaz Perina. A peça é composta por documentos datados entre 1925 e 1999. Seu conteúdo é constituído de recortes de imprensa, fotografias, convites, catálogos, cartazes, diplomas. O Livrão é uma obra trabalhada pelo artista no período de 1949 a 1999. Programas, folhetos, calendário, envelopes e revista, totalizando 614 itens distribuídos em 341 páginas. A elaboração do livro foi iniciada por Perina no final da década de 1940, quando suas obras começaram a receber premiações. “Ao ampliarmos o estudo da dimensão estética e aprofundarmos a análise de sua plasticidade, identificamos o Livrão de Thomaz Perina como uma obra da categoria Livro de Artista e, principalmente, como parte integrante de seu processo de criação artística”, observa a historiadora Sônia Fardin, coordenadora da restauração e curadora do ITP.

Trajetória

A trajetória de Perina tem momentos de grande significado. Nascido em 1921, ele morou toda a sua vida na Vila Industrial de Campinas. Aos 10 anos de idade, já desenhava, utilizava carvão de cozinha para desenhar figuras nas calçadas de sua rua. Também desenhava nas lousas da escola e em papéis, com lápis de cor. Ainda na adolescência, aprendeu a manusear com habilidade tintas, papéis, telas e pincéis e passou a dominar recursos e linguagens que marcaria sua arte ao longo de décadas.

Em 1944, aos 23 anos, Perina apresentou-se pela primeira vez num Salão de Artes. Foi no segundo Salão de Belas Artes de Campinas e recebeu elogios pela suavidade e o lirismo de sua pintura. Um ano depois, no III Salão, Perina recebia o 1º Prêmio, na categoria Pastel, com seu trabalho "Vestido Branco".

Mas Thomaz Perina não se prendeu ao estilo acadêmico e logo seu trabalho seria marcado pela economia de elementos. Surgia ali a matriz de sua obra vindoura: cores rebaixadas, quase neutras, que não mais induziam à presença humana. Como artista sempre a procura de novidades, Perina visitava livrarias e exposições e estava sempre experimentando novas composições. O grande salto de sua obra, no entanto, se deu quando ele visitou a I Bienal de Arte Moderna de São Paulo, em 1951. “Foi um impacto”, lembrou o artista. “A partir dali descobri que deveria ousar mais em minhas experiências”.

Segundo suas declarações, sua trajetória divide-se em duas fases: a de artista acadêmico, com a qual rompeu no final da década de 1950, e a posterior, com sua pesquisa marcada pela busca de uma autonomia técnica e estética na exploração dos limites entre figurativo e abstrato, pois “queria moldar um estilo próprio, todo meu”. Nesse percurso, deixou de dar aulas na escola de desenho e pintura acadêmica, pois “não podia mais ensinar aquilo que não mais acreditava”. Começou a produzir muitos esboços e a dedicar-se exclusivamente ao tema por ele denominado como “síntese da paisagem”. Também passou a dar o título PAISAGEM a todas as suas obras: “a paisagem sempre foi o meu tema”.

A partir da visita à primeira Bienal, impactado por trabalhos como os de Picasso e Paul Klee, Thomaz iniciou uma intensa pesquisa, que resultou no início da adoção de linhas abstratas, e extremamente particulares explorando as tensões entre figurativo e abstrato.

Em 1957, Perina e um grupo de artistas realizam em Campinas a I Exposição de Arte Contemporânea, um ano depois, resolveram criar o grupo Vanguarda. O poeta concretista Décio Pignatari, que acompanhou a fase inicial do grupo, observou que os artistas campineiros, com Thomaz Perina à frente, formaram um movimento de arte que obteve projeção para além das fronteiras do Estado de São Paulo.

Paralelamente a seu trabalho com arte abstrata, também se envolveu com o desenvolvimento da decoração de interiores e a ornamentação de salões para o carnaval (atividades que exerceu profissionalmente). Nessas também extravasava seu gosto pela invenção, e competência na articulação entre os variados elementos de composição.

Prêmios

Em 1944, aos 23 anos, Perina apresentou-se pela primeira vez num Salão de Artes. Foi no segundo Salão de Belas Artes de Campinas e recebeu elogios pela suavidade e o lirismo de sua pintura. Um ano depois, no III Salão, Perina recebia o 1º Prêmio, na categoria Pastel, com seu trabalho "Vestido Branco".

Essa premiação marca a primeira fase de sua trajetória, com participações em Salões de Belas Artes (Campinas e São Paulo) - com premiações, de 1945 a 1953 - e em Salões de Arte Contemporânea (diversas cidades brasileiras), onde recebeu prêmios e de 1959 a 1966. No início dos anos 50, em companhia do amigo e pintor, Mário Bueno, Perina iniciava o processo de radicalização de sua pintura, abandonando o pastel, efetuando experiências com outras técnicas e criando estilizações para suas sínteses da paisagem.

Em 1959, Perina, por ter exposto na Galeria das Folhas, participou da exposição para o prêmio de Leirner de Arte Contemporânea (SP); em 1960, recebeu Medalha de Prata no IX Salão de Arte Paulista de Arte Moderna. E no ano seguinte, recebe o Prêmio Governador do Estado, o máximo que poderia desejar um artista naquela época. Perina teve expressiva participação no abstracionismo brasileiro, foi aclamado pelos concretistas, recebeu elogios de críticos como Décio Pignatari e Waldemar Cordeiro, e conviveu com grandes expoentes da pintura. Conjuntamente com os artistas Manabu Mabe e Arcanjo Ianelli, por exemplo, foi selecionado para participar da International Art Exhibition, em Tóquio, no ano de 1961. Sua arte, no entanto, ainda é praticamente desconhecida além das fronteiras de Campinas. As experiências formais mais ousadas de Perina permaneceram afastadas do público.

Não há com se referir a Thomaz Perina sem mencionar sua relação com o teatro. Ele participou diretamente da vida teatral ao criar cenografias e figurinos, atendendo a convites de grupos teatrais de Campinas. Também se envolveu com decoração de interiores e a ornamentação de salões para o carnaval (atividades que exerceu profissionalmente), em que extravasava seu gosto pela invenção, e competência na articulação entre os variados elementos de composição. Chegou a experimentar o desenho de fantasias, para carnaval, publicadas nos jornais da cidade nos anos 70. Mas seu grande legado foram os trabalhos abstratos, produzidos no isolamento de seu atelier em Campinas . “A solidão está presente em todos os meus trabalhos e é expressa pela falta de policromia, pela redução da cor a estado quase neutro, pois na realidade sou uma pessoa sozinha”, definia-se Perina.

SERVIÇO

Exposição Retratos de Perina – Olhares sob a forma de arte
Local: Rua Santo Antonio Claret, 229 Castelo – Campinas – SP
Data: 27 de novembro
Horário: 10h

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Anotações do Alemão

- Em 1994, o Exército tomou o Rio de Janeiro e nos deslocamos de São Paulo para lá. Quase um mês na cidade, num roteiro cotidiano do hotel em Copacabana para o Complexo do Alemão. Na época, a população achou que seria o fim do tráfico. Não foi. Em poucos dias de ocupação, presenciamos a continuação do comércio de drogas quase na frente dos militares. Um dos soldados do tráfico, numa entrevista, afirmou que a vida tinha que continuar. “Quem vai sustentar minha família?”, perguntou.


- Numa dessas incursões no complexo terminamos ficando até mais tarde e, surpresa, o Exército e os fuzileiros navais tinham ido embora. Fim do expediente. Era noite. Não havia como voltar por falta de carro. Paramos num bar para tomar cerveja. O fotógrafo Vidal Cavalcanti, colega do Estadão, puxou conversa com um mal encarado, conhecido traficante. Ele olhou para Vidal e reclamou: “vocês de São Paulo estão querendo destruir a imagem do Rio”. Vidal encarou: “E vocês?”.


- Já era noite quando Vidal resolveu dar uma passada no Morro Chapéu Mangueira para ver e fotografar – se possível - a movimentação do tráfico. Havia uma fila, grande, e um cara organizando o negócio: “branco desse lado (cocaína) e preto nesse outro”.


- Conseguimos uma vez autorização para entrar no bunker de um dos líderes do tráfico. O repórter Marco Uchoa tinha chegado primeiro. Havia um churrasco. Pedaços enormes de carne. Carreiras enormes de cocaína. Eles cheiravam, mas não perdiam o apetite.


- De uma forma geral, os moradores do Alemão e Nova Brasília aplaudiam os militares, as meninas paqueravam os soldados, mas não havia reclamação pública contra o pessoal do tráfico. Bronca mesmo, só da imprensa.

@_lulafalcão

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

As guerreiras de Tejucopapo

A luta foi desigual. Cerca de 500 holandeses, fortemente armados, saíram da Ilha de Itamaracá, em Pernambuco, para saquear a pequena aldeia de São Lourenço do Tejucopapo, hoje distrito de Goiana, a 63 quilômetros do Recife. No local, quase não havia homens para resistir ao ataque. Restava basicamente uma tropa maltrapilha de mulheres - a maioria agricultoras de origem indígena. Mesmo assim, naquele abril de 1646, travou-se ali uma batalha épica, de fortes contra fracos, que entrou para história por ter terminado com a vitória do improvisado exercito feminino e a expulsão dos invasores.

Maria Camarão, Maria Quitéria, Maria Clara e Joaquina estavam à frente desse combate e, segundo historiadores, elas e suas companheiras usaram como armas objetos rústicos: estrovengas, paus, pedras e chuços – espécie de lança para catar crustáceo. Tachos com água fervente e pimenta foram especialmente preparados para peleja. O alvo eram os olhos do inimigo. Desnorteados pela ardência da mistura, os soldados holandeses caíam estrebuchando nas roças ou na única rua do povoado.

Avisadas da invasão, as guerreiras de Tejucopapo adotaram a mesma tática de guerrilha de seus homens que, no momento da batalha, se encontravam no Recife, vendendo caranguejos, ou envolvidos em tocais em outras plagas do litoral norte pernambucano. Sozinhas, elas preparam a resistência: construíram cercas paliçadas, cavaram trincheira e planejaram emboscadas. Na hora “H” também partiram para o luta direta, aos gritos, movidas pela fé religiosa e pelo desejo de defender a terra. Mais ardorosa, a líder Maria Quitéria seguia à frente, com um crucifixo em punho, bradando orações para os santos mártires Cosme e Damião. Os holandeses, então recuaram por algum tempo, mas voltaram para vingar seus mortos. Nessa investida, com machados e alfanjes (espécie de sabre), derrubaram paliçadas e mataram um número de mulheres até hoje não calculado.

A vitória holandesa, no segundo pico das escaramuças, parecia assegurada. Mas a resistência seguiu o ritmo do primeiro ataque, com nova carga de água fervente com pimenta. Estropiados, os soldados flamengos resolveram partir em retirada, pois àquela altura alguns homens nativos já estavam a caminho de São Lourenço, com suas espadas e espingardas. No final da sangrenta batalha, que durou quase todo o dia, havia 300 cadáveres holandeses no chão. Os sobreviventes correram para o porto, em busca de suas barcas de remo e vela, deixando para trás apetrechos de guerra, mantimentos roubados e corpos ensanguentados. Nunca mais voltariam ao povoado.

De acordo com a professora Luzilá Gonçalves Ferreira, pesquisadora da história das mulheres em Pernambuco e autora do livro “Mulheres e Abolição da Escravatura no Nordeste”, os holandeses foram até o aldeamento porque, já nos estertores da dominação em Pernambuco – e sem a presença de Maurício de Nassau , que voltou à Europa em 1643 -, armazéns do Recife e de Itamaracá se encontravam vazios, pois custavam a chegar alimentos do Recife. Famintos, mas bem armados, tiveram então que procurar provimentos mais ao norte. Tejucopapo tinha um porto e era passagem para o fértil povoado de São Lourenço.

No povoado, os invasores poderiam encontrar – e saquear - plantações e engenhos. “Sabiam [os holandeses] que em seu distrito havia roçarias de mandioca em muita quantidade, por ser a terra fértil e abundante delas, e muitos legumes e frutas de espinhos; e matando os moradores desta povoação antes que pudessem ser socorridos da nossa infantaria de Igarassú e da Goiana, de que era capitão maior Zenóbio Aciole”, registra Diogo Lopes Santiago, em “História da Guerra de Pernambuco”.

A historiografia brasileira assinala 400 baixas nas linhas flamengas e dá a Maria Camarão a primazia de ter convocado as mulheres para a guerra. Para os holandeses, o número de mortos não passou de 70. Em seus escritos sobre os fatos, o viajante Joan Nieuhof (Uelsen, 1618 - Madagascar, 1672) dá a versão dos invasores. “Considerando que a escassez de provisões constituía um dos principais obstáculos a serem vencidos do nosso lado”, escreveu ele, “julgou-se necessário estabelecer um pequeno acampamento perto de São Lourenço. Na narrativa de Nieuhof, que esteve na Índia e no Ceilão a serviços da Companhia das Índias Ocidentais, o efetivo era bem menor: “para lá foram enviados os tenentes Huykquesloot e Hamel, com 35 homens cada um, o primeiro procedente de Igarassú e o último de Muribeca, bem como o Capitão Wiltschut com mais 50 homens, do Recife, e Johan Listry, comandante em chefe dos brasileiros”. Pelo relato do viajante, o destacamento holandês era assim constituído:

Companhia comandada pelo Capitão Klaes Klaesz - 9 homens;

Forte Quinquangular (Cinco Pontas) - 25 homens;

Forte dos Afogados - 25 homens;

Itamaracá, sob o Comando do Capitão Willem Lambertsz - 50 homens;

Voluntários de Itamaracá - 30 homens;

Brasileiros (nativos) - 150 homens.

De qualquer forma, pesquisadores como José Bernardo Fernandes Gama (“Memórias Históricas da Província de Pernambuco”), Antônio Joaquim de Mello (“Varões Ilustres de Pernambuco”) e Pereira da Costa (“Anais Pernambucanos”) dão ao feito o caráter de “heróico”, baseados em grande parte em relatos de “O Valoroso Lucideno”, de Frei Manuel Calado, contemporâneo de tais acontecimentos. “Não sei se podemos chamar de ‘batalha’ os combates havidos em Tejucopapo”, afirma Luzilá, “O certo é que a derrota holandesa é descrita como resultado de uma espantosa coragem das senhoras que enfrentaram o inimigo com as poucas armas que possuíam”.

Século XIX – Contudo, até o início do século XIX, a resistência contra os holandeses em Pernambucano se restringia ao heroísmo masculino, representado especialmente nos atos de bravura do senhor de engenho André Vidal de Negreiros, de João Fernandes Vieira, do afro-descendente Henrique Dias e do indígena Felipe Camarão. Tejucopapo, esquecida por quase dois séculos, só ganhou alguma referência quando o País começou a construir sua identidade nacional e, de certa forma, a escrever sua história com mais objetividade e respeito às fontes documentais, seguindo a tradição germânica.

A partir da metade do século XIX as mulheres de Tejucopapo já tinham alguma notoriedade. O historiador Antônio Joaquim de Melo lembra que ao visitar Pernambuco, em 1859, o imperador Dom Pedro II foi ao povoado de São Lourenço para ver “o lugar onde as heroínas tejucupapenses, essas amazonas que se imortalizaram na história, roubaram aos homens a glória de defenderem a pátria contra o domínio estrangeiro”.

Para Marcos Galindo, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e autor de livros sobre o período, o episódio existiu, está razoavelmente documentado, mas não teve importância significativa no conjunto da Restauração Pernambucana. Contudo, salienta Galindo, as escaramuças de Tejucopapo serviram para agregar um mito à identidade nacional. “Os mitos são tão fortes quanto à história no processo social e civilizatório”, observa. “E atendia às necessidades de consolidação da nação em construção no século XIX”, acrescenta.

Nove anos depois de Tejucopapo, as tropas comandadas por Sigismund van Schkoppe se renderiam no Recife, após a famosa Batalha dos Guararapes, encerrando 24 anos de dominação holandesa. A luta das mulheres guerreiras ficou como um episódio isolado e pouco levado em conta no contexto da chamada “Restauração Pernambucana”. Desde o século passado, no entanto, a memória dessa batalha vem sendo recuperada. “Não é um fato para ser negligenciado”, afirma o jornalista e pesquisador Marcílio Brandão, autor de um filme sobre o tema. “Foi a primeira participação de um coletivo feminino em um conflito armado no Brasil”.

@_lulafalcão

*Publicado originalmente na revista Aventuras na História (junho 2010)

domingo, 14 de novembro de 2010

A capa


O livro da #tuiteira está quase pronto. Faltam detalhes, como a revisão. Falta também aquela conversa difícil com a editora. Depois é correr para os lançamentos, em dezembro e janeiro. Expectativa de lançar em São Paulo, Rio, Recife e Santos. Acima, a capa. De Pedrinho Fonseca, que também é o autor do projeto gráfico.O prefácio é de Adriana Falcão e Xico Sá deve escrever a orelha.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Escrita

Qualquer candidato a escritor em busca do tempo perdido é capaz de tudo. Ao chegar a determinada fase da vida, escrever um livro torna-se uma urgência. A hora do tudo ou nada, é ali, por volta dos 50. Alguns buscam o difícil caminho do romance. É um erro. Fracassou nessa parada, só a morte aponta na frente. O segredo é começar por algo mais leve, compendiozinho do blog, observações sobre a vida cotidiana e até desdobramentos dos 140 caracteres do twitter. O mundo do livro tornou-se bem mais maleável.

Nesse novo universo, cabe tudo e ainda bem. Pode-se, por exemplo, passar páginas e mais páginas apenas perorando sobre a arte de escrever e no final justificar que a história da construção de um livro também é livro e é hora de correr para a publicação. Alguns amigos vão comprar, a festa prossegue num bar da esquina e parece que tudo acaba logo. Não. O autor, enfim, será confortado com o ingresso numa nova categoria: a dos escritores. Já pode, no caso de muitos, apresentar-se como escritor e jornalista, posto que a segunda profissão, embora lhe mantenha vivo, não tem de longe o glamour da primeira. Com o escritor não é assim; ele se sente um princípio da incerteza e uma singularidade num único homem – e gosta disso.

Agora ele já fala por ai que está louco para deixar o trabalho formal e dedicar-se apenas aos livros. É só desejo, mas desejo de escritor.

@_lulafalcao

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Memórias

O livro dele termina como uma ata de reunião. Tudo estava lá. Descrição minuciosa e demonstração de excelente memória. Anos e anos assentados no papel e mais tarde na tela do computador. Vida política agitada, detalhes, conversas, algumas revelações. Entra nesse emaranhado uma frase de Tocqueville, uma observação aguda de Tancredo Neves ou manchete do Correio da Manhã.

Não era o livro que ele queria ter escrito. O velho político sonhava com um romance de idéias e não com aquele amontoado de notícias e mentiras que ele protagonizou em 60 anos de carreira. Como vereador, deputado, ministro e mais tarde candidato derrotado a Presidência da República. Não havia emoção nem uma linha mestra percorrendo a história ou comentários bem postos capazes de se dissolver no texto e formar um caldo elegante.

Não era, enfim, memórias em forma de romance. Ele pensou: toda uma vida política para, no final das contas, não desaguar numa obra prima. O jeito seria começar de novo. Mais dois anos de trabalho. Só que não havia tempo. Os médicos foram taxativos: seis meses, no máximo.

@-lulafalcao

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Tuiteira em livro

Uma rápida pausa para dar um caldo na sobrevivência e acertar detalhes do diário da tuiteira (“Todo dia me atiro do Térreo), que sairá neste mês pela Bookess, com prefácio da escritora Adriana Falcão e projeto gráfico/capa de Pedrinho Fonseca. No fim de semana (7/11), o blog volta com as besteiras de sempre, algum rescaldo da eleição e outras novidades. Não sumam.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Tuiteira: Caros amigos

@ Vou confessar uma coisa: já dei para amigos. Muito. Até por filantropia e muito mais para manter a amizade e o clima de festa. Bastava satisfazer certos requisitos e o fato estava consumado. Por que deixar o amigo em dificuldades, não é mesmo?

@ Nesse tempo, meu círculo de amizades masculinas só fazia crescer. Nego se aproximava sabendo dessas prerrogativas e com um mês já queria resultado. Aos poucos fui deixando, afrouxando um pouco as regras e os prazos para o ingresso no clube. Dependendo do cara, se fosse bonito, uma semana já era mais do que suficiente. Eu vivia sem namorado. Cercada de amigos por todos os lados.

@ Minha glória com novos amigos se dava nas viagens ao Nordeste - tão em voga nos anos 80 - ao pisar distraída naquelas praias semi-desertas e de mãos dadas com um nativo que mal sabia assinar o nome. Na época, parecia encantador namorar pescadores, artistas naif, argentinos que fazem pulseirinha, maconheiros em tempo integral e capoeristas. Eu não fugia à regra. Os locais sempre tinham preferência. Se eles não tomassem a iniciativa, eu tomava. Mistura de tesão e solidariedade social – quase um bolsa sexo para as camadas mais carentes da sociedade.

@ E assim se passaram dez anos. Até que dois fenômenos mudaram minha vida. O primeiro, na verdade, mudou meu corpo. Os amigos já não compareciam com a mesma freqüência porque cervejas atuam numa área bastante sensível da anatomia – a cintura. O segundo, foi o surgimento da Internet. Daquele ponto em diante, a rede seria meu refúgio. Adeus biquínis e idílios marinhos. Adeus corpete de gatinha. Ao voltar para a cidade eu estava com sete quilos a mais e, de resto, tudo de menos: dinheiro, auto-estima e saúde.

@ Saudades desse tempo? Nenhuma. Repetir tudo aquilo? Nunca. Passou, fudeu, só se repete como farsa. Pelo menos nisso Marx estava certo. Seria ridículo ver uma mulher da minha idade e peso perambulando por praias e arruados litorâneos cheia de amor para dar. Pior ainda: acompanhada de um séquito de amigos que não tinha mais nada a dizer a não ser “aê,ô” e “bródi”. O jeito era encarar a nova vida. Só que eu não tinha o menor pendor para a realidade.

@ Desde então, minha vida sexual é quase toda online. Mas não deixei os amigos de lado. Eles agora eles são virtuais. Estão no twitter, no MSN, no facebook. Pego um deles todos os dias.

@_lulafalcao

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Carreira Solo

@ Descobri minha homossexualidade aos 16 anos e aos 17 a heterossexualidade. Fiquei com as duas. Era mais prático e, melhor de tudo, mais amplo. Não ficava por ai reclamando da falta de homens.

@ No início foi divertido, usei meus super poderes até o talo, mas o tempo se encarregou de estragar tudo. Bastou uma leve embarangada e os meninos e meninas sumiram.

@ Por sorte, não sou carente ou nem tanto. Assim, transformei minha vida sexual numa questão de fórum íntimo, ou seja, faço sexo comigo mesma. Como, aliás, vocês já sabem. Então, ficar na mão deixou de ter aquele sentido figurado ruim, sinônimo de abandono e solidão. Quase sempre fico na mão e é satisfatório. No meu caso, é o único processo de auto-ajuda que funciona. Também é menos tenso. Se quiser mais, tem mais; se não quiser, não preciso inventar uma dor de cabeça. O melhor: não há risco de procriação.

@ A carreira solo, portanto, vai bem. Tenho obtido excelentes resultados com as bolinhas explosivas da Loja do Prazer e o sex toy and the city, um dos 6.500 itens da Desejo Oculto. Nada disso deixa sequelas. Durmo comigo e acordo comigo. Posso beber à vontade sem perigo de encontrar um estranho na minha cama ou, mais grave, terminar na cama de um estranho, como acontecia com frequência. Não eram estranhos porque eram desconhecidos – isso é o de menos. Eram estranhos porque não tinham nada a ver com nada.

@ Mas sexo não é tudo. Mesmo para um animal eternamente no cio como eu. Tenho contas a pagar e cada mês acaba sendo um desafio. Nesse ponto, procuro ver a coisa como um jogo. Só que tenho que ganhar sempre porque a derrota é punida com despejo e conseqüente corte da banda larga. Como já tentei quase tudo no mercado de trabalho, formal e informal, sobrou-me a pouco nobre tarefa de cabo eleitoral. Não sabia que todo o meu saber político desaguaria nisso. Cabo eleitoral. Convenço as pessoas a votar num deputado (estadual) que detesto, especialmente porque é um homem de aparência suja até quando aparece no horário eleitoral da TV. Sua muita, engole os plurais, mente.

@ Minhas novas funções envolvem ainda a agenda do candidato, a logística e, num grau menor de importância, o programa de atuação parlamentar. Eu que escrevi. Botei na cabeça um político europeu vagamente socialista, terno bem cortado, e passei a tracejar uma monografia cheia de citações de Bobbio, Nabuco, tudo isso praquele merda. O deputado, coitado, empacou no primeiro grau, não iria entender nada. Mas gostou. Tanto gostou que leu aquilo como discurso, foi muito aplaudido, embora nem ele nem a platéia tenham a mínima ideia do que a junção dessas palavras representa. Sai de lá, nesse dia, até um pouco satisfeita com meu texto. “Pelo menos tenho ritmo”, pensei.

@ Iria acabar essa lengalenga de meses com algo mais bombástico: casei, enriqueci, morri, por exemplo. Sugeriram até suicídio. Nada disso. A vida continua o mesmo mar de lágrimas no qual aprendi a surfar. Não mudei quase nada e tudo em volta continua igual. Ainda bem.

@_lulafalcao

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Um flash eleitoral

@ Não entendo porque as pessoas se envolvem tanto com política a ponto de brigar umas com as outras. Ao vivo ou até pela Internet. Sei que o futuro do País está em jogo, essas coisas, mas não justifica alguém se esgoelar por um candidato se depois da eleição o ganhador fará igualzinho ao anterior e vice-versa. Acho que as pessoas entram nessa parada porque se sentem sozinhas. Escolhem um lado e ficam por ali, trocando idéias sobre programas de governo e torcendo para rolar um programa mais legal para esta noite – tipo bar, beijo na boca e motel. Então eu acho que política é só mais uma diversão. Não precisava ser tão violenta.

@ Esse começo não pega. Vão me chamar de alienada e, mais uma vez, corro o risco de terminar sem ninguém, como quase sempre. O jeito é pesquisar. Quem gosta mais de sexo? A esquerda ou a direita? Também não é por ai. Se você entrar na discussão tem que ter elementos, precisa ler jornais e isso eu não consigo porque me distraio muito, bebo muito e durmo muito. Perco a noção do tempo. Foi assim com o resultado da eleição. Só na segunda, quase noite, ouvi comentários na padaria e ainda assim precisei fazer umas sinapses: ontem+eleição=segundo turno. Também me esqueci de votar. Mais precisamente, dormi durante o pleito. Essa justificativa eles não aceitam.

@ Mas o de estar meio alheia nesta semana não significa qualquer desprezo pela democracia. Pelo contrário. Pode perguntar pra mim: posso fazer isso? Posso fazer aquilo. Sempre respondo: pode. Democracia é isso. No meu entender. Permitir tudo, menos coisas que fatalmente vão dar em merda, como pular deste prédio agora. Não é que não pode; não deve.

@ Mas, pense bem, não votar tem seu lado positivo. Você chega ao twitter e está lá o pessoal todo empolgado com o candidato A. Hora de entrar na festa. O mesmo pode fazer com a turma do candidato B. Sem nenhuma culpa. Não votei, foda-se. E se tivesse votado seria na Marina, com o único objetivo de evitar aquele mal-estar com a galera da oposição ou a galera do governo. O pessoal olha pra você meio chateado, mas não com ódio. Eu acho.

@_lulafalcao

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

A felicidade, portanto, é um perigo

@ A felicidade me deixa ansiosa porque sei que depois dela melhor não fica. A tendência é de baixa. Volta-se estaca zero ou cai-se numa pior ainda. Felicidade, portanto, é um negócio arriscado. Melhor manter a média, com algumas oscilações, dentro da margem de erro.

@ Por isso prefiro euforia e prazer. São sensações sob controle. Controle químico, na maioria dos casos, mas controle. Tomo umas, vem a ressaca; tomo outras, ela se vai. Uma pessoa pode viver assim durante muito tempo ou pelo menos enquanto fígado ainda estiver na garantia.

@ Depois, com a velhice, o que vier lucro. A velhice se satisfaz com pouco. De repente uma papinha pode ganhar a importância e o sabor de uma dose dupla de Absolut. Tudo é relativo. Pessoas que correm num campo aberto, feito a noviça rebelde, podem de fato estar felizes. Mas imagine ficar assim o tempo inteiro. Logo ela percebe o ridículo, cai na real e se deprime.

@ Antes da velhice total – a cadeira de balanço, o olhar perdido – existe uma coisa muito interessante para alguns: o pleno exercício da vaidade. Especialmente vaidade intelectual. Vaidade é legal. Por isso as pessoas escrevem, fazem filmes, entram na política. Gente gosta de ser admirada. Adora elogios. Depois de certa idade, então, é só isso que resta.

@ Eu sei, tem o amor. Você se apaixona por alguém que se apaixona por você. Perfeito. Os primeiros momentos são deliciosos, mas eis que o tempo passa, o barato se perde e até o sabor do beijo se perde também. O amor acaba ou, pior, se acaba só para um dos lados; o outro desaba, pede pra morrer, se desespera. Prevendo isso, nem tento. Atualmente, amor só comigo mesma. E olha que até assim tenho tido algumas decepções.

@ Da morte, no entanto, eu tenho medo, não vou mentir. A morte deixa a gente eternamente off-line. Doenças como o mal de Alzheimer também. Você esquece as senhas do twitter e do Facebook e mesmo quando entra neles não sabe o que está fazendo lá dentro. Mais grave: não sabe como sair nem porque entrou. Não sabe nem o que é aquilo.

@ A religião tem lá suas vantagens. Morreu, tudo bem, haverá um novo começo não sei onde. Um paraíso pra uns; uma reencarnação pra outros. Mas isso é pra quem tem fé. Eu tenho dificuldade em acreditar em vida antes da morte, quanto mais depois dela.


@_lulafalcao

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Literatura: reações adversas

@ Há um mês sonhei que metade dos voos de um aeroporto não vingava. Os aviões explodiam no final da pista. O pior é que todo mundo achava a coisa quase normal. Um aborrecimento a mais. Os jornais cobriam os acidentes no dia a dia como se tratassem de um problema aéreo qualquer. Como atrasos nas partidas ou overbooking. Os familiares dos mortos simplesmente deixavam suas reclamações na Agência de Aviação e iam embora, meio contrariados, esperando pelo menos receber o dinheiro da passagem de volta. Acordei e li a bula, na parte das reações adversas: inquietação, agitação, agressividade, delírios, alucinações, comportamento inadequado e, claro, pesadelos. Depois li o principal: evitar a ingestão concomitante com álcool. Na noite anterior, eu havia tomado meia garrafa de vodka e um comprimido para dormir que nem lembro o nome (pelo visto essa mistura também provoca amnésia). Resolvi então parar de beber.

@ Primeiro dia: não bebi nem tomei remédio. Nem dormi. Passei a noite inteira com taquicardia, suando frio e sob novos pesadelos terríveis. Mesmo assim, prometi a mim mesma resistir à crise de abstinência. Segundo dia: a mesma coisa. Terceiro dia: voltei a beber. Mas sem comprimidos. Quarto dia: eu sou uma pessoa fraca, entrei em depressão. Preciso de um remédio. Quarto dia: não bebi, mas tomei um remedinho pra dormir. Quinto dia: passei a tratar a questão sem muito drama. Apenas como escolha: optei pelo álcool.

@ “Por que as pessoas bebem? Por que tomam remédios? No primeiro caso, é para tornar as outras pessoas mais interessantes, segundo Natan. Em relação aos remédios, para se diferenciar dos animais, conforme disse Orson Welles. Mas ai surge outra pergunta: por que devo basear minha vida em frases de efeito? “ Assim era o início da história que tentei escrever. É uma merda. Mas tem a ver com o que disse lá em cima e sobre o que vai ai embaixo.

@ Pior do que escrever doidona é acordar no dia seguinte, tecnicamente lúcida, olhar para aquilo que escreveu e dizer: “Muito bom”. Com aquela entonação típica das vezes em que nos elogiamos em voz alta. Mas, passa o dia, o texto vai perdendo contexto, substância, estilo, ritmo e por fim morre por volta das 17 horas de uma tarde totalmente melancólica. Não há mais nada. Nem de você nem do texto.

@ Por isso, nesses momentos, só penso em beber. Anestesia o pensamento e no meu caso até levanta a auto-estima por alguns minutos. Se não sou assim tão boa para escrever um livro, posso então me compensar com um corpo ainda em bom estado de conservação. Quer dizer: mais ou menos. Penso e vou adiante: se não consigo seduzir leitores, seduzirei homens. É um bom começo.

@ Depois eles vão achar você incrivelmente talentosa, a curva chega ao ápice, mas começa a descer e no final das contas já não veem tanto talento assim em você, começam a ter vergonha de sua verborragia e por fim vão embora. Está explicado porque tenho dado prioridade à literatura. Mas ela também me deprime e não é só no final. No início e no meio também. Daí a vodka, os remédios, os pesadelos.


@_lulafalcao

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O ódio me cai bem

@ Catei uma frase boa agora na TV: “O ódio é melhor do que o medo. Pelo menos você não fica assustada”. Frase B, é certo, mas bastante útil para meu atual estado de espírito. Era num filme com pássaros atacando pessoas, imitação barata de Hitchcock. Só que me trouxe à mente uma série de questões que estão me prendendo a garganta há muito tempo. Refiro-me ao fato de umas pessoas terem mais do que as outras. Muitas possuem coisas em exagero; outras não têm nada. Antes que venham acusar-me de comunista, explico que tendo a ver a vida com um olhar enviesado, pois a primeira dúvida que me ocorre é a seguinte: será que estou apenas com inveja dessas pessoas? Pode ser até que elas mereçam mesmo. O problema é que eu também quero.

@ Igual naquele livro, o Cobrador, começo a almejar uma vida mais confortável e igualmente agitada nos momentos certos. Preciso. Não é justo que a gente só tenha uma vida e esta seja gasta na pobreza. Vá lá que exista outra, mas só posso falar da que estou vivendo. Não vou perder tempo com uma merda dessas, pois é mais útil ver o que está acontecendo agora, enquanto estamos vivos. E agora não está acontecendo porra nenhuma. Esse é o nó.

@ Não estou querendo associar a boa vida com dinheiro. Mesmo se estivesse estaria baseada num ângulo razoável. A grana é número, medida, não dá pra contestar. O dinheiro compra tudo. Com dinheiro, você tem uma loja de conveniência a seus pés. Pode chamar um táxi ou levar uma vodka de melhor qualidade. Como dá pra ver nem quero tanto.

@ Para provar que não estou puxando a sardinha só pro meu lado, posso incluir todo mundo nessa história de igualdade social. Posso, mas não sei se devo. Se colocar todo mundo, não vai dar pra quem quer. Se entrar sozinha na parada vão me chamar de egoísta, quando não de corrupta. O ódio nasce exatamente nesse ponto – nesse beco sem saída. Restaria então recuar e tentar atingir alguma meta no competitivo mercado de trabalho. Competitivo principalmente para quem acha essa correria um nojo: eu. O trabalho que me tirou do recesso do lar é um tormento de dois expedientes. Não fui feita para o setor formal da economia.

@ Volto pra casa abatida (*Vanzolini) e me debruço sobre esse ódio que é, como disse no início, uma forma de não ficar assustada. Gastei o salário por um lapso. Esqueci de incluir o aluguel no orçamento e estava com medo da imobiliária. Agora, não, agora eu estou é com ódio.

@ Sem entrar em detalhes do emprego, que já falei até demais sobre ele (eram outros, mas tudo é a mesma merda), vou apenas mostrar que meu dia está tão repetitivo que, se fosse um só eu não sentiria a menor falta dos outros. Bastaria viver um dia, como exemplo, e pronto. Nesse caso, os rebeldes entram em combate, mas gente da minha raça prefere o caminho do esquecimento. Bebe. Não sei se ainda existem intelectuais de esquerda que bebem, mas esse povo pelo menos consegue ou conseguia fazer duas coisas. Eu não. Só bebo.

@ Antes que eu me esqueça – e isso está me acontecendo frequência – quero dizer que não estou fazendo apologia contra o álcool. Do mesmo jeito que não faço apologia contra as drogas. Não estou aqui pra defender ou atacar. É outra coisa mais importante. É o significado de tudo isso, de acordar-comer-trabalhar-beber-dormir sem qualquer glamour. No mais profundo anonimato.

@ No momento vejo como única saída a literatura. Não quero mais emprego. Caso falhe nessa de escrever, não respondo mais por mim. Darei por encerrada minha participação nesta vida. Não com suicídio, claro. Deixarei rolar, entregarei os pontos, cairei nas calçadas. Não digo que morrerei aos poucos (todos morrem assim), porque o negócio será um pouquinho mais acelerado.

@ Para escrever, preciso ler mais. Estou escrevendo muita besteira sobre qualquer assunto que aparece na minha frente sem a menor base, sem a menor cerimônia e com a maior cara de pau. Chego, dou um palpite, caio fora, como se fosse assim, fácil. Não dá. Quero virar uma escritora de verdade. Como? Eis o miolo do drama. Entendo de sexo e álcool, um pouco de Internet, uma coisinha de nada de história. A partir daí saio despejando um monte de teorias que só surgem nos momentos mais doidões – ou de “expansão da mente”, como dizem os otimistas em relação ao efeito de certas substâncias.

@ Porque tem uma fase da vida em que não dá mais pra recuperar o tempo perdido. Tempo perdido é tempo perdido. Principalmente para pessoas mais ou menos fúteis em termos intelectuais. Eu, por exemplo. Então, se não li Sartre não lerei mais porque ninguém quer mais saber se Sartre. Saiu de moda. Marx saiu de moda. Acho até que esses teóricos da Internet também saíram de moda. O que resta? Ler os cadernos de cultura atrás de pensadores obscuros, catar uns nomes no The New York Review of Books para salpicar em minhas historietas ou simplesmente ir ao Google Academics. Quero pelo menos citar bem. Se não tenho um pensamento aprumado, recorrerei a terceiros, chupando um pedacinho aqui, outro acolá, mas sempre dando nomes aos bois. Não porque me considere tão intelectualmente honesta. Coloco esses autores para enfeitar. Não vou entregar ninguém, mas muita gente boa usa esse truque.

@ É isso. Se não me tornar escritora nos próximos meses – escritora de sucesso, bem entendido – cairei no submundo mais abjeto desta cidade. Virarei uma sem-teto e esbanjarei o bolsa família com álcool. Quem sabe dai não sai um livro?

*Não se trata de remédio novo contra insônia. Mas do grande mestre Paulo Vanzolini, compositor paulistano que cuida de répteis.

@_lulafalcao

domingo, 26 de setembro de 2010

Estilhaços do discurso amoroso

@ Até agora não entendi o amor e por isso algumas pessoas acham que sempre substituo sentimentos por prazeres imediatos. Mas queria que vocês pensassem um pouco sobre o significado de alguém ficar inteiramente baqueado em função do outro - a ponto de perder a fome e às vezes a vida. “É porque você nunca se apaixonou”, dizem. Se provoca tantos sintomas ruins, como uma dengue, deus me livre. Acho até que já aconteceu comigo, mas nunca dessa forma tão drástica. Gostei de ficar com outros e outras e quando foram embora, ou eu fui, tratei a situação como quem muda de assunto. Sem choro nem vela. Já tomei rivotril por coisas banais. Nunca por amor.

@ O amor pode ser uma coisa que não nasceu com a pessoa. O amor romântico - e isso eu vi no Google - só existe há uns 800 anos. Quer dizer que antes disso ninguém se apaixonava no sentido em que conhecemos hoje. Então, foi criado como uma espécie de marca que, concordemos ou não, pegou. Como o twitter e a Smirnoff. O negócio, lá pelo ano mil, era procriação e pronto. Agora só resta saber, quem entrou na jogada para incluir, entre o sexo e a fecundação, essa história de trocar umas idéias, discutir afinidades e sair para jantar. Seja quem for, era um gênio. Bom, tudo isso é mais uma teoria.

@ Existe também a possibilidade de o amor estar no DNA, mas que só foi ativado no dado momento da história em que, por exemplo, a literatura tornou-se mais difundida no Planeta. Não dava para escrever um livro só com trepadas e guerras. Era preciso, como direi, romancear aquilo tudo. O amor veio então a calhar porque já estava incubado nos terminais nervosos da gente e bastava aparecer um cara como Shakespeare para apertar o botão.

@ Como sempre existe a possibilidade de eu estar errada, nos dois casos, sigo em frente com outra especulação, a mais provável: sou uma pobre coitada que não conheceu o verdadeiro amor e estou condenada a uma vida solitária, sem perspectivas de encontrar no outro as respostas para minhas exasperações, dilemas e dúvidas.
@Ou pior: não tenho isso no DNA, o que seria mais grave, um defeito genético, uma mutação que pode mesmo servir para se chegar a uma conclusão terrível, ou seja, tecnicamente não pertenço à raça humana. Ai é viagem demais.

@ Mas você nunca sentiu aquele friozinho na barriga? Digo: já. É fraco diante da propaganda que fazem. Tome duas doses de vodka de gut-gut e você sentirá coisa muito melhor. O amor pode ser apenas uma questão de reação física edulcorada pelo comercio varejista, com o objetivo de vender produtos como perfumes, anéis, vestidos de noiva e CDs. E pode ser tudo que falei junto, mais forte, só que ainda não experimentei como experimentei o orgasmo, este sim, um barato bastante satisfatório. Ocorre que neste caso, não é preciso outra pessoa. Pode até ajudar, mas tem vezes que atrapalha.

@ Os apaixonados carregam outro problema. Tanto aqueles que estão transbordando de alegria quanto os que levaram um pé na bunda. Eles querem contar isso pra alguém. Quando descubro que a conversa se encaminha nesse sentido, costumo cair fora. Nem sempre é possível e nos dois casos me sinto sufocada. Com a alegria dos felizes ou com as lágrimas dos abandonados e traídos. Não sei o que é pior. O jeito é ouvir calada e, ao final, se chegarmos lá, dizer que a vida é assim mesmo. Existe até um poema do Drumonnd que fala disso: “hoje ama, amanhã não ama” e por ai vai.

@ Não que eu esteja tratando o amor romântico como cientista social ou psicóloga. Longe de mim tal pretensão. O problema é que ele não se sustenta sozinho. Tire o sexo, ele some. Sem sexo, vira amizade, e ai passa a fazer parte de outra história. Quero dizer que frases bonitas, flores e fragmentos do discurso amoroso – mesmo aqueles Barthes - só sustentam com uma boa ereção ou algo parecido.

@ Repito: posso estar errada. Em tudo. Por isso, essa história de hoje termina com uma pergunta: o que vocês acham?

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Galera: vida e morte

@ Andaram estranhando porque tenho mudando muito de idéia e de assunto de uma história pra outra. Querem o que? Um continuísta? Não dá, meu. As coisas estão seguindo seu rumo na medida do possível, embora eu não garanta clímax. Nem sei fazer isso. Posso terminar como mãe de propaganda de Margarina (apud @AnaAragao) ou como interna numa clínica em Sorocaba. Posso até nem terminar. Ou dizer: acabou aqui. Fim de papo.

@ Posso tudo, então. Posso, por exemplo, tentar pôr ordem no enredo e, ajeitar, a meu modo, um final satisfatório para ambas as partes – eu e você. O primeiro passo é um esqueletinho básico, que começa comigo e termina comigo também. Vamos lá: moça de bairro intermediário – subúrbio, mas de classe média – resolve sair com uns caras diferentes, começa a receber informações diferentes e acaba uma pessoa bem diferente das outras. Para o bem e para o mal.

@ Você passa não achar a menor graça na vizinhança e empenha a vida em viagens de ônibus até o centro ou outras bandas. Os amigos de verdade moram longe. Pode se considerar um episódio que só acontece em cada trilhão o encontro dessa galera. Afinal, tem pouca grana para se locomover, mas resolve mesmo assim viver em outra dimensão da cidade, onde estão os seus, e gostar exatamente das mesmíssimas coisas. Todas, obviamente, esquisitas. A reunião dessas pessoas é que é esse milagre. Por que se encontram? Por que são daquele jeito? Esse encontro e esse jeito é que não pode ser explicado só como um mero acaso.

@ Ocorre que a partir dai, você (me incluo nessa) passa a imaginar que o mundo é assim, da sua maneira, e o resto é caretice. Quando descobre que os caretas estão em maior número, sua reação é achar bom. Tenta, a todo custo, manter o estilo longe de contaminações patricinhas, longe do axé e da Vila Olímpia. O lugarzinho onde mora diz tudo: sofazinho carmim – nos casos mais graves, almofadas no chão -, fotos PB de gente como Paul Bowles ou e. e. cummings, discos de Bezerra da Silva e Mahler. Essa é a parte deliciosa da vida.

@ Há a ruim também. O tempo passa e aos poucos você começa a ter uma vida mais ou menos entrelaçada com o universo careta, porque é lá que trabalha, estuda ou simplesmente freqüenta a padaria. A turma continua a mesma. Só que agora está assustada com o mundo exterior porque lá existem muitas regras e convenções e ela não foi treinada pra isso. Acha absolutamente normal ser assim. Os outros não acham.

@ Por isso, é aquela história: o emprego formal deixa de ter valor, serve apenas como fonte precária de sustento, e você perambula por ai com profissões anunciadas de atriz a produtora de vídeos - duas atividades que inflacionam as noites desta cidade e que não rendem nada no final do mês. Outra alternativa é ser gestora de mídias sociais – um nome bonito para tuiteira de terceiros. Com raríssimas exceções, essas turmas sempre trazem em sua bagagem um terço de meninas envolvidas – pelo menos emocionalmente - com a chamada produção audiovisual.

@ Ai corta-se abruptamente para os dias de hoje e você está diante do computador, com uma garrafa de vodka de um lado, o baseado do outro, e uma pergunta que não lhe sai da cabeça: por que eu sou assim? A pergunta, sem resposta, anda com você dia e noite e de repente você e aquela pergunta são uma coisa só. A convivência torna os dois animais muito íntimos e essa junção vira seu símbolo e o de sua roda de amigos íntimos.

@ A situação é confortável, mas tem seu preço. Como nem o almoço na casa da mãe é grátis, é preciso manter a vida funcionando e para mantê-la, mesmo à base de miojo, é preciso dinheiro. Assim, mais dia menos dia, você desemboca em um trabalho chato – o lado hostil deste folhetim. Trabalhar numa empresa, com expediente, como estou cansada de repetir aqui, é um beco sem saída: ou você adere a eles, o que quase significa assumir outra identidade e virar uma mulher-vagem como no filme “Invasores de corpos”; ou fica do seu modinho alternativo e acaba demitida, prestes a morrer de fome. A escolha certa, naquele momento, é a segunda opção. Claro.

@ Mas de repente, a turma some. Você está sozinha, apenas com a herança cultural daqueles tempos. Vive no difícil equilíbrio entre a loucura e a formalidade. Alguns amigos passaram para o outro lado, via concurso público ou outro tipo de cooptação; Você está no limbo, tentando sobreviver como free-lancer de qualquer natureza: posou nua pra pintor, trabalhou em loja do Shopping no fim do ano, fez figuração em comercial e até pesquisou pro Datafolha. O meu caso foi mais sério: malhei até em sex shop e em projetos de incentivo à cultura. O resultado é que os 30 anos chegam, apontando para os 40, e você nem mais pergunta por que é assim. Você pergunta: o que é que eu faço agora?

@_lulafalcao

terça-feira, 21 de setembro de 2010

O melhor já passou

@ De vez em quando, aliás, sempre, fico pensando qual é a pior coisa do mundo. Já fiz uma listinha dessas aqui e, portanto, a pior coisa do mundo poderia ser ficar repetindo isso. Mas agora é um caso concreto ou pelo menos imagino que seja. No meu entender, a pior coisa do mundo é que tudo passa. Por exemplo: seus pais fizeram super 8 e você está aqui, diante do twitter, crente que está arrasando. O problema é que o super 8 passou e o twitter vai passar. Vai passar seu amor por alguém ou amor de alguém por você. Hoje é uma coisa, amanhã é outra. Enfim, esse pensamento me angustia mais do que a morte e a TPM.

@ Vejam se não é absurdo: meu tio era poeta marginal, passou. Meu irmão gostava de Atari, passou. Meu melhor amigo era marxista, passou também. Do mesmo jeito que meu vizinho deixou de fumar maconha. Enjoou. Outra droga é deixar de gostar de certas coisas mesmo enquanto elas ainda estão no auge. Aconteceu comigo e He Man. Comigo e Ivanildo. Nesse último caso, eu sabia que não ia dar certo mesmo. Nunca me imaginei com uma pessoa chamada Ivanildo. Mesmo assim, não sentir a menor falta de He Man ou de Ivanildo me deixa intrigada.

@ A vantagem – ou desvantagem, sei lá - é que a maioria só acha ruim pensar que tudo passa no presente momento. Quando passa mesmo, a pessoa termina nem se importando muito com o que tinha lá atrás e embarcando noutra sem a menor cerimônia. Também há pessoas que se importam demais - e ai a merda é completa. Não ter saudade do que se gostava muito é esquisito. Ter muita saudade é mais esquisito ainda.

@ O gosto é comandado pela moda, pela tecnologia e pelo cérebro. Nessa linha de raciocínio, penso que a bebida é a única coisa do mundo que vou gostar para sempre, especialmente de vodka. Porque o álcool é uma questão do fígado. Só quando o médico disser não dá mais, o fígado já era, ai sim, eu paro. Pode ser mais uma teoria errada. Sou mestre nisso. Mas só porque uma teoria está errada não significa que ela não tenha lá a sua graça. Cheguei até a essa idade à base de idéias que os outros consideram meio absurdas. Mesmo assim, estou viva. Quer dizer, eu acho.

@ Só sei que apesar de tudo continuo acreditando que o que passou, passou, porque não existe pior chato do que o nostálgico. Para este, o passado nunca passa, sempre está voltando, cada dia mais estragado, em forma de lembranças, diluído pelos passar dos anos. Lembranças vão ficando piores a cada dia e só interessam ao dono delas. Exceto, claro, se o sujeito for historiador. Estou me referindo àquele que fica o dia inteiro dizendo que bom mesmo era no seu tempo. Não era. Podia ser para ele, porque estava na juventude, mas nunca tive vontade de viver nos anos 70, sem twitter, facebook e vídeo de sacanagem.

@ O caso é que todo nostálgico é velho e bêbado e quanto mais velho e bêbado mais nostálgico. Pode ser natural, mas é estranho. O cara fica falando de 1950 como se fosse ontem e de ontem como um dia que ele nunca viveu. Aliás, esqueceu como foi.

@ Será que daqui a três décadas, estarei num canto de bar remoendo saudades dos anos 90? É bem provável.

@_lulafalcao

sábado, 18 de setembro de 2010

No buraco do Coelho

@ Esqueçam o que escrevi. Tudo não passou de mero exercício literário. Ficção. Tentativa de ficção. #Fail. Não sou assim, ou melhor, não sou tão assim ou não consegui me descrever direito. Agora, quase no final, vou tentar pôr as coisas no devido lugar, matar o suspense, estragar a festa. O que se passou aqui, metade é mentira, metade eu inventei. Sim, existe diferença. A mentira saia com mais jeito, enquanto a invenção parecia mentira. Não convencia. Portando sou outra pessoa. Quem? Boa pergunta.

@ Posso continuar sendo ela, Maria Alice, mas teria a última chance de embarcar em outra história, caso tivesse algum talento. Nisso me pareço com ela. Nisso e em outras coisas. Talvez eu seja mesmo Maria Alice de alguma forma ou fui me tornando ela com o tempo. Mudar de idéia é a cara dela. A minha também. Alice que cresce e diminui, como a do livro. Entrei no buraco do coelho e não quero mais sair.

@ Vão dizer: é bipolar. Não. Tem muito mais entes envolvidos na minha vida, dentro da minha cabeça. Bipolar é pouco. Manejo uma variedade de tipos e eles vão se misturando para se tornar uma coisa só no final das contas. O mais grave é que acho que o mundo inteiro é assim, as pessoas são um agrupamento de personalidades que se encontram de vez em quando, quase sempre ou todo dia. Jamais, por exemplo, eu poderia pertencer a um partido político. Já dormi completamente de direita e acordei à esquerda do PSTU.

@ Preocupada com o aluguel atrasado? Estou. Mas o que atormenta mesmo, muitas vezes mais, é o vocabulário escasso, a vontade de abarcar o mundo com uma frase. A vantagem é que, diante das pessoas, costumo ficar calada. Não é falta do que dizer – é como dizer. Por sorte, mulher calada, hoje em dia, é um produto raro e de grande aceitação no mercado. Passo certo mistério, mas na maioria das vezes é dificuldade de entender ou o tédio de participar. Conversas longas, sobre um mesmo tema, me chateiam. Prefiro papos blocadinhos, em pílulas, 140 caracteres. Por isso vou mudar de assunto.

@ Comecei a ler O Novum Organum, de Bacon, para ver se fico mais profunda e filosófica. A tentação intelectual está me matando. Mais do que álcool. Nos dois casos, bebo em boas fontes, mas o álcool desce melhor, redondo, enquanto os livros às vezes batem na trave. Já leu Wittgenstein? Tentei. No dia seguinte amanheci com gosto de cabo de guarda-chuva tautológico na boca. Não entendimento também dá ressaca.

@ Acontece que comecei a pensar na posteridade. Logo eu, a sem planejamento, sem futuro, sem ter onde cair morta. Preciso deixar alguma coisa escrita que não seja carta de suicida. Uma coisinha mais charmosa, capaz de comover um ou dois críticos literários da grande imprensa. Não me importa que se lambuzem na minha vida desregrada. Quero aparecer, ficar famosa, nem que seja post-mortem.

@ Perai. Depois de morta, não. O negócio é agora. Vou baixar a bola. Quero um pouco de fama logo. Ter uma coluna na Folha, encher a cara em outro patamar, formar um entourage de admiradores e um repertório de citações que atraiam lindos e lindas. Quero pegar pelo intelecto. O corpo anda meio derrubado.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Tormentas do ser

@ Aprisionada pela culpa e condenada à solidão, sou uma personagem atormentada em busca de saídas. Ouvi isso ontem num canal de TV. Não deixa de ser verdade, no meu caso, mas não gosto de dramatizar as coisas. Convivo muito bem com a solidão. Já a culpa é difusa demais para se transformar em preocupação cotidiana. A depressão é outra coisa, mas isso se resolve com medicina ou álcool. Comigo tem sido mais álcool do que medicina, pois perdi o plano de saúde por falta de pagamento.

@ A solução, pois, é transformar tudo em divertimento. Por isso não choro nunca. Rio. Às gargalhadas, com certa dose de histeria, mas pelo menos evito me humilhar diante de mim mesma. O riso é superior, mesmo sendo patológico. Bom, é mais um chute. Não entendo nada de psicanálise nem pretendo transformar isso aqui num muro de lamentações.

@ O que quero dizer, afinal, é que o importante de hoje pode não importar amanhã. Diante dessa realidade, qualquer tipo de programação é furada. Foi o que me tirou da empresa: não dou o menor valor a estratégias para o futuro porque quando o tal futuro chega a situação já pode ser outra, independente do que se pensou lá atrás. Então faço tudo de improviso. Sem planejamento, pelo amor de Deus, porque em vez de planejar você poderia estar realizando uma coisa que quer agora e que só presta se for feita agora. Os americanos, por exemplo, se planejam demais e por isso muitos deles são infelizes. “Temos um jantar na casa dos Watson daqui a seis meses”, não é assim que dizem nos filmes? Porra, daqui a seis meses os Watson podem estar mortos.

@ Preciso esclarecer que não sei se estou certa. Sei que sou assim e pronto. Vejo lógica nisso. Defendo meu ponto de vista. Mas a empresa, claro, achou o contrário. O chefe simplesmente tratou meus argumentos como sinal de loucura, embora no fundo tenha pensado a mesma coisa e ao invés de me abraçar, aos prantos, e dizer que eu tinha razão, resolveu seguir as normas corporativas. Senti isso nele. Coloquei em xeque sua fé religiosa em divindades como market share, mas ele não cedeu. Vai contar o caso pros amigos como piada sem saber que aquilo deu um nó em sua vida de merda.

@ Exagero. Ele disse que assim não dava, não discuti mais e fui tomar umas na esquina. O mais legal nisso tudo é que as colegas esperavam que eu saísse da sala chorando. Sai flutuando. No bar, a Kovak tinha gosto de Absolut.

@ Em suma: voltei àquela vidinha de sempre. Continuo em férias de fato há mais de um mês. Só que não torro o FGTS em baladas. Gasto só comigo. O problema é que mesmo assim as despesas aumentaram, muito, porque resolvi me endividar comprando uma TV que cobre toda parede do meu quarto. Sai do bar direto para o cinema. De lá, só trouxe a vodka. O negócio, agora, é ficar em casa. O mundo lá fora é perigoso, eu sou perigosa e o melhor que tenho a fazer é evitar esse confronto.

@_lulafalcao

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Meu nome é Maria Alice

@ Meu nome é legal. Maria Alice. Meus pais devem ter achado o máximo porque para eles parecia nome de gente da alta sociedade. Mais tarde descobriram que Maria Alice tinha alguma coisa de Nelson Rodrigues. Maria Alice é Nelson Rodrigues puro e se Nelson nunca usou esse nome em alguma de suas histórias foi por excesso de pudor. Maria Alice trai, mente, esconde-se, seduz e faz um monte de outras coisinhas típicas de mau caráter. Naturalmente não sou nem o terço da Maria Alice que tenho na cabeça. Muitas vezes faço tudo ao contrário: espero, cumpro as leis dentro do possível e tento devolver tudo que deram pra mim. De fogão a gás a abraço. Resumindo: o nome Maria Alice não quer dizer porra nenhuma.

@ O problema agora, neste momento em que estou escrevendo, é que tenho sacadas que considero brilhantes e, aos poucos, vou achando alguns buracos, alguns que inviabilizam a frase como idéia e graça. Quando vejo que ninguém retuitou, entro em depressão.

@ Nas frases e na vida, sempre creio ser sutil (esse é o desejo de toda moça da minha espécie) e acho que o caminho é esse. O estilo, no entanto, não se refere a um estado meu, natural, inerente. É tudo pose. O mais chato é chegar à conclusão que quase todas são assim. Mas aquilo que parece falsidade é só um jogo de corpo usado no momento certo. Fora disso, minha filha, você é um desmantelo. Quando se está sozinha, a sutileza vai pro espaço.

@ Para evitar que a conversa entre em lugares em que eu possa me afogar, vou deixando o resto pra amanhã (13/09). (14/09) Hoje: melhor não ler o que está escrito lá em cima e partir daqui. É uma experiência. Esperei completar essa merda lúcida, mas no dia seguinte estou bêbada de novo. Então vamos pelo menos tratar das diferenças entre a bêbada de ontem e a bêbada de hoje. Ontem, se não me engano, eu fazia um modelito cafajeste. Hoje sou uma indiferente – uma indiferença de dar pena.

@ Não me iludo com nada, mas ao mesmo tempo irradio um alto astral, uma coisa que as pessoas confundem com felicidade. Neste ponto é igual à ontem. Pose. Não planejada, mas pose. Mesmo escrevendo as maiores barbaridades sobre minha vida procuro não perder a pose. Se você ler, por exemplo, uma frase em francês, daqueles que enfeitam o texto, pode estar certo: peguei no Google. Por isso muita gente pensa que sei falar francês e inglês e eu não desminto.

@ O que aconteceu de fato é que fui demitida (a resposta correta é “começo dois”). Estou, portanto, de férias. Qualquer pessoa no meu estado estaria procurando emprego. Eu, não. Nunca cheguei a completar tempo suficiente num trabalho para ter direito a férias. Assim, decretei esse recesso, vou aproveitar e depois, quando acabar a grana, improviso. O primeiro passo, nesses casos, é programar seu dia: café da manhã numa padaria chique, lendo revista importada, catando milho na leitura em inglês, e de olho no rapaz que está sentado na frente. Chegou alguém. Ela é linda. Sem problemas, caio fora para o estágio seguinte: um bar. Começo com chope pra disfarçar, porque ainda são 11 horas e tem gente que acha feio beber de manhã, mesmo que às 11 horas. Como chope pra mim não é bebida, tome chope. Uma da tarde, a primeira vodka. Daí em diante as coisas deixam de ter sentido. Nem eu quero que tenham.

@ O bar vai fechar e eu já estou entrosada com um grupo de pessoas que trabalham em ONGs. Parecem bacanas, só um pouco discursivas, mas não se pode querer tudo. Partimos em busca de lugares abertos ou que estão abrindo e de repente me vejo num puteiro de verdade. O pessoal da ONG fazendo isso, que loucura, mas é fim de noite, estamos doidos. Só que os ongueiros são velhos freqüentadores do estabelecimento. Esqueci de dizer que todos eram homens. Isso não vem muito ao caso porque é mais espantoso pensar que alguém de uma ONG fosse sócio atleta de lugar daqueles. Mas como tem ONG pra tudo, tirei por menos. Tanto tirei por menos que só sai de lá dois dias depois. Afinal, estou de férias.

@ Nesse tempo de desintoxicação daquela empresa, nada de ficar em casa tuitando. Rua. Chega de tédio e indiferença. No dia em que voltei pra casa só dormi duas horas e já estava de olho numa festinha daquelas de pessoas de 30 anos ou menos que gostam de ouvir os Novos Baianos. Depois dos Novos Baianos vem Clara Nunes. Nunca passou pela minha cabeça que aquela turma ouvisse Clara Nunes, principalmente porque na sequência colocaram umas bandas estranhas, acho que da Croácia, e passaram a conversar sobre história em quadrinhos. Tai um assunto que eu não domino. Preferia escalar time (sei alguns) do que segurar aquela conversa infinita sobre X-Men. Dei bola prum cara durante umas duas horas e ele não desligava da rodinha onde se realizava, solenemente, um seminário internacional sobre a obra de Frank Miller. Sim, internacional. Em casa que toca Novos Baianos, hoje em dia, sempre tem um equatoriano por perto. Especialista em Cumbia – e em Frank Miller.

@ Arrastada a uma ferinha de verduras biológicas, com sol a pino, começo a pensar seriamente em abandonar aquela galera e procurar outra. Não foi tão esquisito como foi com o pessoal das ONGs, Mas, aqui pra nós: como é que alguém passa a noite inteira conversando sobre história em quadrinhos e no dia seguinte, virado, está numa feira de produtos naturais? Não combina. Se essa é a idéia que eles têm de saúde, o Brasil vai terminar com metade da população daqui a uns anos. Sai dali.

@ Chega de galeras, chega de gente. Bêbada, com sono, descobri nessa hora a importância do FGTS. Cartão e dinheiro no bolso, peguei um táxi. Estar naquele táxi talvez tenha sido o melhor de tudo nesse After Hours de segunda em que me meti. Pedi para o motorista ligar o GPS, dei o endereço e capotei. A vantagem do GPS é que muitos taxistas já não perguntam tanto qual o caminho de sua preferência. Eu só queria minha casa e o aparelhinho tratou de me levar até lá enquanto eu dormia.

@ Abrir a porta do apartamento foi como abrir a grade da cadeia. Eu estava presa do lado de fora e a liberdade é aqui, trancada, sem ninguém por perto e duas garrafas de vodka pra mais tarde porque agora eu vou vomitar e dormir.

@_lulafalcao

domingo, 12 de setembro de 2010

Começos

@ Hoje acordei numa ressaca horrorosa e não consigo sair do primeiro parágrafo. Aliás, escrevi vários inícios para uma história que não tem meio nem fim. Travei. Vai assim mesmo.

@ Começo um. Continuo na merda desse trabalho. Mas só até tirar meu nome do SPC e do Serasa, pagar o agiota e comprar um laptop novo. O meu quebrou. Não tem conserto. A pior coisa que pode acontecer a uma pessoa, depois da morte, é ficar sem computador em casa. Pense: chego do trabalho e a única coisa que me resta é dormir. Antes de dormir, claro, eu bebo. Mas o velho hábito vodka & twitter só no fim de semana, na casa do Valdeci, em Itaquera. Sim, encontrei alguém no trabalho que me entende. Valdeci, 22 anos, motoboy. Ainda bem que ele não roda no sábado. Estaria morto. Nesse dia, enchemos a cara, fumamos vários e conversamos sobre futebol. Valdeci é cheio de contradições. Corintiano e gay, quebra meu galho de vez em quando. Trepa direitinho com mulher.

@ Começo dois. Fui demitida. O chefe me chamou na sala e perguntou quando eu terminaria a planilha. Respondi: nunca. A cara dele era uma perplexidade só. Ficou procurando palavras, não achou nenhuma por perto, e resolveu sair dali direto para o departamento de pessoal. Deve ter dito: demita aquela doida. Dito e feito. Fui ao RH e me encaminharam para uma psicóloga. Ela perguntou se eu sabia a razão de estar sendo afastada do emprego. Eu disse: essa empresa é um cu, o chefe é um cu e senhora é um cu. É por isso.

@ Começo três. Mudei de emprego. Agora estou numa empresa de eventos. Não é tão escrota quanto a anterior, mas o clima é tenso. Somos encarregados de levar celebridades para festas, mas quase nunca conseguimos emplacar alguém de peso, tipo Caras, e os clientes sempre terminam insatisfeitos. “Mas cadê o Gianecchini?”, pergunta o dono da festa, meio educado, meio puto da vida. Sempre a gente responde que o cara teve um problema de última hora. Só que ninguém na empresa conseguiu entrar em contato com Gianecchini. Trouxemos a Beyoncé de Paulista, uma moça de Pernambuco que em nada deixa a dever à original, e uma ex-BBB que agora faz filme pornô. Mas, não. Eles só querem saber desse povo da Globo.

@ Começo quatro. Sai do emprego e fui morar numa comunidade do Daime, no Acre... Perai, isso é meio absurdo. O chá é bom (já tomei), mas não gosto de rituais religiosos. Sou uma drogada laica. Corta.

@ Começo cinco. Pedi demissão. Tentei uma vaga na Farm, da Vila Madalena, mas me acharam um pouco passada para o cargo de vendedora. Não disseram. Senti. Bastou olhar em volta pra meninas que trabalham lá. Com mais de 30 anos, a mulher fica num limbo nessa área do comercio varejista chique. Ou você é dona ou nada feito. Até a gerente parece com a Cléo Pires. A outra opção: garçonete. O mesmo problema. Também querem gatinhas. Além disso, muitos bares agora estão tomados por garçons tradicionais, de terno, como antigamente. Eu até gosto, como freguesa. Falar nisso, vou sentar aqui e pedir uma. O FGTS saiu e procurar emprego é tão desgastante quanto trabalhar. Joaquim, traz uma vodka. Pura.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O mundo do trabalho

@ De repente, me vejo de volta à vida offline. Arrumei um emprego. Desses de ir lá, sentar numa mesa, conversar com colegas, tomar café, contar oito horas e ir embora. Não é fácil. Espero o fim de semana como um crente espera a volta do Salvador. Mal comecei e já sonho com as férias. Tem carteira assinada, plano de saúde e vale-transporte. Muitas pessoas dão o rabo para obter tais privilégios. Eu simplesmente me sinto morta, num purgatório, esperando as férias, juntando FGTS e dormindo no banheiro.

@ O ruim do emprego convencional é essa chateação diária de acordar com hora marcada, pegar metrô, almoçar no quilo, pegar metrô, voltar pra casa, botar despertador, acordar e repetir essa rotina anos a fio. A empresa, na verdade, é uma prisão semi-aberta. Especialmente a que trabalho. Exigem resultados, fazem avaliações de desempenho e ainda colocam você naqueles joguinhos motivacionais panacas do RH: integração, trabalho em equipe, superação e a puta que o pariu. Além disso, tem as normas. Um dia disseram que minha roupa não era adequada ao ambiente. Só porque eu estava pagando peitinho. Por essas e outras é que muita gente termina se entregando às drogas ou ao comunismo.

@ Por enquanto, como já disse, um dos melhores lugares da empresa é o banheiro. Dá pra tirar uma soneca de uns 15 minutos ou fazer coisas ainda mais interessantes. Quando volto pra sala, suada, todo mundo pensa que estou passando mal. Mentira. Só nesses momentos fico mais ou menos bem. Um pouco relaxada. Ajuda a segurar a chatice do chefe. Aquilo não é um ser humano. Só existe pra trabalhar. Um dia colocam um robô no lugar dele e ele se mata. Deus queira.

@ O pior: não pode tuitar. Nem entrar no Facebook. A pessoa quer ver um site pornô, por exemplo, não pode também. Dá até demissão. Jogar paciência, nem pensar. É o dia todo preenchendo espacinho em planilha do Excel. Ai eu fico me perguntando: pra que instalaram Internet nessa merda?

@ Mais chato do que o trabalho é festa do pessoal do trabalho. Primeiro que o assunto é um só: trabalho. Depois não pode beber muito. Tem que ser umas duas ou três doses e olha lá. E ainda tem gente querendo ser melhor do que as outras e só toma guaraná. Dar um tapinha, como acontece em toda festa, está fora de cogitação. Qualquer exagero, fudeu. Então eu fico lá, calada, com cara de cu, só esperando a hora de terminar. Na saída, paro no primeiro boteco e me vingo daquilo tudo com meia garrafa de vodka.

@ Qual é então a vantagem de não levar uma vida virtual, como a minha vinha sendo, se coisas como sexo criam o maior constrangimento no chamado mundo do trabalho? Tem até um cara até que escreveu um livro, sobre o ócio, mas que não pegou. Acho que não é só de ócio. As empresas, no futuro, vão descobrir que uma esborniazinha de vez quando pode até influir na produtividade. É uma idéia.

@ Estou aqui há mês e pouco, mas parece que estou há anos. Não tenho o menor tesão por esse emprego e se continuo no calvário é porque preciso pagar o aluguel atrasado e quitar o pendura com o agiota, que andou me ameaçando. Mas qualquer dia vão me dizer: “você está demitida”. Na verdade, sonho com isso quase todos os dias. É como se abrissem a porta da cadeia.

domingo, 5 de setembro de 2010

Vida e dinheiro

@ Vida é um negócio que um dia vai dar errado. Queira ou não, tem um monte de coisas conspirando contra você. E olha que nem estou falando de morte. Ainda. Então, pense: desemprego, doença, invalidez, falência, pé na bunda, traição, dívida, ressaca... A lista de adversidades é enorme. Por isso não faço planos. O cara se planeja o tempo todo, mas não conta com o acaso, a merda que vem na frente, e depois reclama. Eu não reclamo. Já sei que e tudo isso é um inferno. O que vier é lucro.

@ Mesmo assim, tenho que ter o mínimo de cuidado. Senão com o futuro, pelo menos com amanhã. É sempre onde pretendo chegar, todo dia, nada além disso. Quero o mínimo e o mínimo é dinheiro. Por falta de grana, vivo em constante estado de alerta. Ontem mesmo vendi livros velhos num sebo para comprar vodka.

@ Pagar o aluguel, então, é uma epopéia. Na maioria das vezes recorria àqueles empréstimos que não exigem comprovação de renda. São uns assaltantes. Agora, só agiota, é o jeito. Meu nome está no Serasa, no SPC e em uma porrada de outras lugares do governo e da iniciativa privada. O CPF já era. Nem lembro o número. O problema do agiota é que você tem que pagar. Eu pago. Os juros. Pensei em decretar a moratória, mas abaixo do agiota não tem mais nada.

@ Essas coisas preocupam. Eu poderia escrever com mais tranqüilidade se o dinheiro das tuitagens desse para cobrir o estrago. Poderia ser uma Clarice Lispector, cheia de vida interior, toda etérea, sutil e frágil. Mas não. Tenho que lidar com um bando de cobradores, síndicos, pequenos traficantes, aloprados de toda espécie, e não consigo virar nem um Rubem Fonseca – o que já estava de bom tamanho.

@ Eu disse que sou de reclamar, não vou reclamar. Pior do que isso seria ter uma caderneta, com tudo anotado, trabalhar de dia e ver TV à noite. Dormir, acordar. Não sei como tem gente que consegue viver assim, sem aditivos, apenas fazendo contas para a receita bater com a despesa. Isso não é vida; é um escritório de contabilidade.

@ Ai eu gasto o que não tenho e às vezes me pego em situações altamente constrangedoras, como catar bagas no chão em show de rock, tomar 51 com o porteiro e ir pro motel com um cara que nem conheço direito só por causa da TV a cabo.

@ Ah, sim. Aquela história de viagem ao futuro, minha vida em 2040 e outras merdas já passou. Aliás, o efeito passou. Nunca mais tomo aquilo.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A última viagem

@ Estamos em 2040. Cheguei com o passar do tempo e quem ficou ai atrás também pode estar aqui, a menos que tenha morrido. Eu sei, é muita confusão para quem vê a vida com a perspectiva de décadas de atraso. O certo – vocês não vão entender – é que agora é possível mandar uns recadinhos para o passado – e até dar um rolê nostálgico de vez em quando por ai. O que se pretende, nesta despedida, é contar um pedaço do fim do filme.

@ Vivemos mais, o mundo não acabou - o que é uma pena -, mas mergulhamos numa vida tediosa, com quase uma única diversão: retroceder no tempo. Posso, enfim, entrar no twitter de hoje e escrever para o de ontem. O equipamento é bom, embora a viagem não seja lá muito garantida. Dizem até que esse vício – o de voltar – acaba com o organismo da pessoa. Só que já sobrevivi a viagens muito piores. Eu e o Ozzy. Não sei como atravessei esses anos todos. Como diz o Neil Young: "queria arder, não durar." Tal projeto, como se vê, não deu certo.

@ Vamos lá. Sobre 2014, por exemplo, posso dizer que o Brasil ganhou a Copa. Mas pra que? Pra nada. Houve uma apatia geral no País, como se fosse a vitória de um mauricinho brasileiro qualquer numa competição da hípica. Falar nisso, não existem mais cavalos.

@ O que vocês chamam de futuro é meio chato, cheio de regras, ninguém pode beber, a burocracia estatal tomou conta do mundo das drogas virtuais e o que era rotina pra mim tornou-se exceção. Até o sexo ficou démodé. Acelero umas partículas de vez em quando. Dá um baratinho. Rápido. O que faço, então? Viajo para o passado. Caio quietinha, encho a cara, pego o primeiro lindo e volto. Mesmo assim, isso cansa.

@ Bom, nem vou poder revelar muita coisa além do que já disse. Hoje tem aula de Yoga (outra que sobrou) e não posso estar em dois lugares ao mesmo tempo. Ou posso? Posso. Mas preciso ir. Antes só queria dizer que algumas coisas continuam na mesma e outras evoluíram bastante. Ou seja, ainda tem pobre e PMDB, mas o I-Phone acabou de lançar seu milésimo modelo, cujas propriedades prefiro declinar porque, como escrevi lá em cima, vocês não vão entender. (ou “iriam”, sei lá, depende de onde estamos, pois Física e Linguística se tornaram uma coisa só).

@ Talvez o mundo do futuro nem seja tão enfadonho assim. Eu é que estou ficando velha. Dois filhos, marido, netos – todos feitos por inseminação artificial, inclusive o marido -, um monte de coisas que no fim da década de 10 soavam meio absurdas para mim. Mais absurdas até do que as novidades de hoje (ou amanhã, passa essa parte). Basta dizer que bafômetro ainda resiste, mas ele é implantado nas crianças, na hora do nascimento. Quem não viaja no tempo como eu, nasce, cresce e morre abstêmio. Pense que desgraça.

@ Chega. Vou pegar meu lugar na fila da yoga. Posso voltar amanhã ou não posso voltar nunca mais. Tudo tem chance de mudar, inclusive o futuro. Mas deixa como está, aliás, como estará. Melhor não correr esse risco. Dizer que o mundo dá muitas voltas pode ter sido meio óbvio no passado. No meu tempo, lá adiante, não. Houve um probleminha quântico e o planeta deu uma parada. Resultado: uma parte é dia; outra parte é noite. O tempo todo. Por azar, deu-se que a vida noturna no Ocidente já era (ou já foi). Aqui, é sempre claro, enquanto parte do Oriente, como o Nepal, virou uma espécie de Rua Augusta mundial.

@ Vou-me embora antes que apareça um monte de físicos e psiquiatras dizendo que isso é impossível, que não é viagem no tempo, é viagem de ácido e já estou de teoria das cordas até o pescoço. E se eles tiverem razão? E se for só uma bad trip? Pouco provável. Trouxe meu tíquete. De vinda e ida. Melhor cair fora (ou dentro), deixar todo mundo em paz, até porque esse espaço-tempo é meio abafado. Ah, ia esquecendo. Não tem mais Lua. Foi encolhendo, encolhendo, igualzinho diziam (dizem) no History Channel e sumiu. Sorte que os caras fizeram uma gambiarra que até funciona direitinho.

@ Encerro por aqui. Até 2040.

FIM


@_lulafalcao

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Apareceu um balde? Eu chuto

@ Você escreve um monte de merda sem se dar conta que pode estar sendo lida por gente capaz de tudo. Até de despachar uma ordem de prisão pelo twitter. Por isso, quanto mais seguidores, mais risco. No meio deve haver um juiz, um cara do Ministério Público, um delegado ou alguém do governo. Pensar que opinião é só opinião entra por um ouvido e sai pelo outro, é a maior bobeira. Existe uma multidão querendo pegar o nego pela palavra. Falar o que se pensa, sem uma filtrada antes, é muito perigoso. Fazer isso depois de uma garrafa de vodka é quase suicídio. Meu problema é esse: quanto mais bebo, mais sincera vou me tornando, a ponto de revelar segredos que nem eu mesma conhecia. Se é que isso é possível. Acho que é.

@ A tática para evitar confusão, mesmo depois de dez copões de sminorff, é dizer para quem me contesta: “você tem razão”. Outro dia, um cara ficou indignado e perguntou por que eu estava concordando se acabara de escrever uma coisa que ele não aceitava. Digo, com a maior sem cerimônia: mudei de ideia. “Tão rápido assim?”, insite o cidadão. Ai, quando vejo que ele quer continuar a história, criar caso, me mudo pro Facebook. Lá todo mundo curte o que você escreve - “lindo”, “adorei”, essas coisas.

@ O caldo entorna mesmo quando, na madrugada, esquerda e direita vão pro ringue. Em tempo de eleição, enquanto todo mundo lá fora não está nem ai, o pessoal da política entra numas. O pior: nessas horas é que eu me meto. Não para tomar partido de um lado ou de outro, mas para dizer um terceiro troço, bem fora de propósito, que só serve para unir as duas partes contra meus posts. Mas apareceu um balde, eu chuto. Ontem mesmo, só porque escrevi “paunocu do Hugo Chávez” toda esquerda latino-americana desabou sobre minha cabeça. Também não pode xingar a direita porque nesse caso você passa por ignorante e dinossaura. Não acho que não entenda de política; a política é que não entende nada de mim.

@ Profissionalmente, sigo tuitando para instituições não muito respeitáveis. Quem pergunta, hoje, o que faço, respondo: “sou ghost twitter”. Não é lá grande coisa, mas pelo menos não preciso sair de casa. Ocorre que às vezes, no meio do trabalho, resolvo dar uma relaxada com o vaporizador holandês e começo entrar em assuntos que não são da minha conta. Até agora, nenhuma reclamação grave. Tenho medo de perder esse emprego. Quer dizer, essa ocupação. Chamar isso de emprego é meio exagerado.

@ Tomei uma decisão: deixei de fumar cigarro. Guardarei o pulmão para fumaças mais inebriantes. A decisão dois é encerrar essa história na semana que vem, com uma conversa mole de despedida. Cansei de mim.


@_lulafalcao

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O inferno são as outras

@ A pior coisa pode acontecer é dizerem que sou “uma figura folclórica”. É como chamar uma cidade de “lugar pitoresco”. Uma bêbada aceita. Uma Rebordosa. Não. Não faço nada além do que penso. Às vezes penso e nem faço. Qual a diferença entre fazer ou só pensar? Respostas, obviamente, ficam para depois. Quando? Não sei. Talvez isso ajude a me explicar um pouco. Ou pode embaralhar tudo de vez. Não sei, você não sabe e, acima de tudo, não ele não se importa. Deixa prá lá, como convêm nessas horas.

@ O fato é que sempre quis ser outra pessoa, mas, ao mesmo tempo, continuando a ser eu mesma. Entende? Acho que, pelo grau de inveja, eu queria ser uma tipo paulista bem-intencionada em praia semideserta do Nordeste. A que anda com argentino rastafári e com o negão mais popular do pedaço. Faz bazar, tem pulseirinha no mocotó e adora a lua cheia; as que quase sempre têm no fundo a mesma história: problemas com o namorado, na metrópole, e por isso a adesão repentina a um mundo pelo menos distante da realidade. Trepadinhas com nativos (uma para cada um, se não complica) e delicadas dissimulações, na sequência.

@ Eu poderia ser também uma CDF linda enturmada. Com bolsa na universidade, capaz de discutir com os rapazes de igual para igual, enquanto mantém o ar de inatingível. Convive bem em alguns bares, mas sonha mesmo é com um jogador de pólo aquático do fluminense e com o professor de Estética, bem mais velho. Garota dos extremos, destrói o casamento do professor antes de se atirar pra valer na piscina do tricolor carioca.

@ Mas não, eu sou eu. Moradora de quitinete, bem humorada da boca pra fora, em busca do tempo perdido e nunca achado, ligeiramente alcoólatra, maconheira com limites, ex-atriz, ex-produtora, ex-fazedora de projetos pra lei de Incentivos à cultura e agora ex-escritora e ex-roteirista sem nunca ter saído da primeira página. Quando falam em fracasso, eu levanto a mão. É comigo.

@ Mas deixa pra lá (como sempre). Pelo menos ganho uns tocados tuitando para rede de faculdades que sobrevive sob a implicância do Ministério da Educação. A quitinete, continua mal. Mas casa desarrumada tem suas vantagens. Você acha tudo mais rápido. Isso porque quando desaparece alguma coisa numa casa super organizada é para sempre. Não estava onde devia estar, fudeu, sumiu de vez ou alguém roubou. Na casa bagunçada, não. A coisa pode estar em qualquer lugar. Um dia você acha.

@ Moral da história: nenhuma.

@_lulafalcao

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

A Casa caiu

@ Deitada em minha cama, olhando para o teto. Aos poucos, começo a ver algo se movendo. Era o próprio teto, daqueles de gesso, dando sinais perigosos. Vai colapsar, pensei, usando o verbo que a imprensa brasileira aprendeu em 11 de setembro de 2001. Pulei da cama a tempo de não ser atingida pela placona branca. Desabou tudo e, pior, destruiu o laptop, meu único bem material. A casa caiu e estou off-line.

@ Sem TV, rádio, teto e dinheiro para reverter o desastre, tomei a decisão que me pareceu mais adequada ao momento: fui ao bar da esquina, tomei cinco doses de vodka, e dali parti para uma das piores viagens da minha vida. Não sei de muitos detalhes, mas o que passa pela minha cabeça agora, nessa enfermaria de hospital público, é a mãe de todos os pesadelos.

@ Parei ai. Como desenvolver a porra desse roteiro se não tenho a menor idéia do que vai acontecer na sequência do porre e do hospital e especialmente porque diabos fui parar ali depois das vodkas. Por isso que gosto dos iranianos – os cineastas, bem entendido. Botam uma menininha para andar por um povoado qualquer, salpicam algumas falas bem cotidianas e pronto, está feito o filme. Quero uma história mais roliúde, mas ela só tem começo.

@ Vou até a cozinha. Vejo uma barata. Acompanho seus movimentos. O que a barata está pensando? Como será sua vida em família? O que se passa naquele universo? Baratas... Não, é meio Discovery Channel ou vão ligar a coisa ao Kafka. O roteiro, então, fica para amanhã. Mas devo reconhecer: esse fumo é muito bom.

@ Volto para o quarto – inteiro, ainda bem – e entro no twitter. A experiência de tuitar meio doidona me parece sempre interessante. Há várias pessoas que fazem isso, senão milhares. Por isso o twitter fica dividido entre o pessoal que discute política e o povo que pergunta, por exemplo, qual é a velocidade do escuro. Sou da segunda turma. Não tenho o menor saco de defender a candidatura de A ou B, mesmo porque a eleição passa e eu permaneço aqui, parada, do jeito que era no governo anterior e do jeito que serei no próximo. Não que a política não mude as coisas, muda. Eu é que não saio do canto.

@ Continuo tuitando meio lesa. Longe de mim fazer apologia das drogas – mesmo porque, apesar de usar algumas, sou contra (menos contra a cannabbis, obviamente). O álcool, no meu caso, é a droga mais pesada. Às vezes, no entanto, é a única saída. Principalmente para quem está beirando os 40 e ainda não descobriu qualquer sentido para a vida. A não ser que existe sexo, vodka e Internet. Se Deus existir, entra na lista: sexo, vodka, Internet e Deus. Nessa ordem.

@_lulafalcao

domingo, 22 de agosto de 2010

Uma intelectual por osmose

@ Nunca acreditei nas amigas que diziam que gostavam de ficar em casa lendo e ouvindo um som. Mentira. Naquela idade, eu não parava quieta. Gostava de sair. Por isso, quase toda minha cultura vem por meio de terceiros, nos bares, de gente que lia mesmo, e passava tudo de segunda mão pras meninas. Umas embarcavam, interessadas; outras caiam fora e se transformavam no que hoje chamamos de patricinhas. Para não ser patricinha é preciso ter um instinto elaborado – uma coisa anterior à inteligência. Eu tenho; as patras não têm.

@ Não li quase nada até a chegada pra valer da Internet. Sou da transição Altavista-Google. Mas posso conversar horas sobre a obra de Proust sem nunca ter aberto um livro dele. Ouvi tudo, atenta, por ai, no Brasil. Nessa marcha, fui evoluindo, passei a fazer uma estante imaginária de amigos-amigas-namorados-namoradas. Cada um era um livro vivo. De certa forma, então, eu lia neles. O tempo correu, passei a ler de verdade e hoje até compro a revista Piauí.

@ O chato é encontrar esse pessoal que faz mestrado e doutorado. Acadêmicos. Querem tudo certinho, com datas e outros pormenores, e assim a conversa fica quebrada, cheia de interrupções, só porque às vezes confundo datas, nomes e autores. Só faltam dizer: livro tal, tantas páginas, edição de mil novecentos e tanto, capa dura. Vão se fuder, né?

@ De resto, era respeitada pela turma do bar pela simples razão de ser meio intelectual, meio de esquerda, como diz o Antônio Prata. Mas acima de tudo por entender e rir de piadas, digamos sofisticadas, como aquela do Kant, I can’t e a universidade de Havard. Não vou contar aqui porque esqueci.

@ Outra coisa inevitável para gente do meu tipo é ser acompanhada por um séquito de gays durante um certo período da vida. São conselheiros sentimentais, produtores de seu dia a dia, amigos leais, mas somem ao menor sinal de bofe. Depois ressurgem, chorosos, vindos de algum insucesso amoroso. Nessas horas, dou uma assessoriazinha básica.

@ Entro nessas reminiscências enquanto encaixoto minhas coisas. O casamento acabou, o filme não saiu, mas não fiquei inteiramente no prejuízo. Uma pensãozinha alimentícia vai dar para pagar o aluguel da quitinete – mais uma -, a banda larga e o miojo de cada dia. Agora disponho de tempo integral para o twitter e para escrever sobre minha vida. Espero que meus fracassos façam algum sucesso. O leitor médio adora a desgraça alheia.

@ Em todo caso, menos mal. Estarei envolvida com minhas partes sem a interferência pouco especializada de maridos e afins. Problemas, sofrimentos? Passo uma camada de Rivotril por cima. Lidarei comigo com condescendência, sem exigir nada em troca. Exceto, claro, alguns orgasmos auto-induzidos. É o que se leva deste mundo.

@_lulafalcao

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

O casamento e o processo criativo

@ Dramas morais, corrosão do caráter, traições, desastres, reviravoltas políticas, mutações genéticas, fim dos tempos. Pensei nessas coisas para o meu filme de estreia, mas depois de alguma reflexão resolvi resumir tudo num único tema: sexo. Queria algo entre Jacques Rivette e Buttman. Algum romantismo como pano de fundo para uma sequência de orgasmos. Com trilha sonora de Philip Glass e Amado Batista. Na verdade, não sei direito o que quero. Sempre penso no efeito antes da causa. Então sonho recebendo um Kikito (não sonho tão alto, né?) antes de escrever o roteiro.

@ Tudo isso para não depender a vida toda do marido, diretor bem-sucedido, excelente pessoa, mas péssimo na cama. Casada há poucos meses, descobri que amor e sexo não combinam muito – e que casamento e sexo combinam menos ainda. São quase incompatíveis. Além disso, a maioria dos homens não sabe o que fazer com uma mulher na hora agá. Tem uns que até começam bem. O problema é que deixam a obra inacabada. Meu caso é mais grave. A obra não existe. Nem sexo nem amor.

@ Então já estou planejando a retirada. Aproveito a influência do marido para entrar no mundo do vídeo e do cinema e, na sequência, cair fora e me virar por conta própria. Muita gente faz assim nesse meio. Reconheço que é uma sacanagem aterradora. Por sorte, me perdôo com facilidade. Tenho mais pena de mim do que dele.

@ Ocorre que as idéias não se encaixam, sou dispersa demais para começo meio e fim. A última tentativa de colocar um filme no papel resultou numa mistureba sem pé nem cabeça em que só se salvavam as trepadas. Se for assim, melhor entrar na indústria pornô. Pena que lá não precisam de roteiristas.

@ Outra coisa que atrapalha é o material que eu trouxe do sex shop onde trabalhava. Faltou assunto, recorro ao meu Vibrating Divine Dolphin. O twitter também é um embasso. Estraçalho meu projeto de roteiro em pedacinhos de 140 caracteres pra ninguém retuitar.

@ Mas chego lá. O negócio é inverter totalmente as prioridades. Vou terminar o roteiro e o casamento. Não preciso de amor e carinho. Meu negócio sempre foi sexo e isso eu resolvo sozinha. Preciso de patrocinadores. Neste momento, a Petrobras e o BNDES são mais importantes.


@_lulafalcao

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

A tuiteira vira produtora de vídeo

@ Nunca tive a pretensão de escrever nada esteticamente precioso ou relevante enquanto tuitei para o sex shop do centro. Agora, como produtora de vídeo, sigo na média, num curso natural, que tem mais a ver com o meio em que passei a viver do que com talento ou qualidade do meu trabalho. Pra encurtar: adotei a mesma profissão da maioria das minhas conhecidas. Tem horas que penso que o único jeito de uma mulher com meus predicados ganhar a vida é como tuiteira ou produtora de vídeo. Faça as contas: chegue num bar desses ai e peça para quem for produtora de vídeo levantar a mão. O resultado vai surpreender.

@ As produtoras de vídeo têm incríveis capacidades. A primeira delas é a de esconder quanto ganham. Tanto as que ganham muito quanto as que ganham pouco ou quase nada. As moças do primeiro time são enigmáticas na arte da esconder a pequena fortuna. Não pagam nada pra ninguém e vivem em bocas livres. Mas só pra disfarçar. Já as do segundo time se fazem de pobres, para pensarem que elas estão fazendo gênero, quando na verdade elas são pobres mesmo. Meu caso.

@ Uma produtora pode ser simplesmente uma fazedora de projetos para lei de incentivos, como eu era antigamente. Apenas esteve no lugar certo e na hora certa para ganhar a nova patente. Pode ser viagem minha, mas não tenho encontrado muita gente que não seja produtora de vídeo ou de cinema, assessora de imprensa, gestora de mídias sociais ou animadora de festas infantis. Todas como eu enchem a cara com freqüência (diária) e conhecem as mesmas pessoas (homens na maioria dos casos) que podem dar uma mão em troca de algumas frases espirituosas ou de sexo. Nada assim, como comentam que acontece nas redes de TV (é boato, viu). É algo mais namoro-amizade em que as partes, às vezes, até sofrem de verdade.

@ As coisas melhoraram pro meu lado sem que eu tivesse que mexer uma vírgula no meu comportamento insano. Mesmo depois de ter conhecido um diretor bem-sucedido, autor de muitos comerciais que você já deve visto na TV. Certo, é varejão, mas dos bons. Aos poucos eu vou chegando lá, na casa dele. Umas pecinhas vão ficando no guarda-roupa e, logo, logo, finco minha bandeira no território do moço: calcinhas penduradas no banheiro.

@ A invasão se dá de forma sutil. Um dia ele me pergunta por que eu não durmo lá. Devolvo: “Vou vestir o que amanhã?” Não fico e, atendendo a pedidos, apareço no dia seguinte com uma pequena mudança. O laptop vai junto. Devagar, o estoque íntimo desembarca também. Até o material que ganhei do sex shop, à quisa de indenização, entra no balaio. Pensei em botar a loja na Justiça, mas o dono, meu ex-amigo, fez um acordo: no lugar do FGTS, me deu um hand finger, dois “I Rub my Duckie” e um micro vibrador Byzz Pleaser com 7 velocidades e à prova d’água. Equipamento útil. Meu diretor sempre chega cansado em casa.

@ Enfim, me estabeleci. Até quando, não sei.


@_lulafalcao

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

A tuiteira arruma um emprego. Num sex shop

@ Estava no muquifo suburbano, sem eira nem beira, matando cachorro a grito, comendo o miojo que o diabo amassou, quando o celular deu sinal de vida. Boa notícia: trampo. Um amigo perdido no espaço e no tempo virou empresário e me chamou para o único trabalho que, de fato, sei fazer: tuitar. Em nome de um sex shop, no centro. Minha função será divulgar os produtos com certo molho erótico-filosófico. A grana não é lá essas coisas, mas o importante é fazer o que se gosta, não é mesmo? Só tenho que não misturar diversão e trabalho, pois pesquisei o portfólio do estabelecimento e descobri uma série de utensílios que merecem um test-drive. Conheço razoavelmente o ramo de vibradores e afins. Então não fui chamada só porque sou amiga do cara. Tenho currículo.

@ No primeiro dia de trabalho, travei. O que escrever sobre uma vagina artificial, sem mulher em volta, e ainda por cima feita com material de segunda linha? Quem em sã consciência faria sexo com aquilo sem perder o respeito próprio ou o senso de ridículo? Depois pensei com calma, revirei meu passado, lembrei que já tinha feito coisa pior, e passei a ver o negócio com outros olhos. O mercado, meus lindos, não é chegado a dramas morais.

@ Preciso de uma estratégia vendedora, como se diz no mundo corporativo. Então, nessa perspectiva, tenho que agregar valor à xota de borracha dando-lhe significados mais nobres e salientando suas vantagens em relação ao similar humano. Quais? Ora, as de verdade costumam ter donas que reinam sobre seu funcionamento, nem sempre preciso. Aqui, não. O entra-e-sai ocorre sem preocupações com o dia seguinte. Prazer garantido ou o seu dinheiro de volta.

@ Para pensar assim, preciso abstrair um bocado de coisas, mas nesse momento o mais importante é vestir a camisa da empresa, pagar o aluguel atrasado e cair fora do muquifo. Como disse o Jarbas Passarinho (cito cada um), "às favas todos os escrúpulos de consciência”.


@_lulafalcao