segunda-feira, 31 de maio de 2010

O homem do PCPC

Iniciamos hoje uma série de entrevistas com pré-candidatos a presidência da República que não conseguiram registro no TSE. O primeiro deles é Ariosvaldo Santella, integrante de uma das mais radicais legendas do cenário político nacional – o PCPC (Partido Comunista Pra Caralho).

Por que o Sr. não conseguiu registrar sua candidatura?

A estrutura do PCPC ainda é pequena. Além da Kombi, temos uma quitinete no centro, onde realizamos as convenções partidárias. Outro problema são as dissidências internas. Uma das nossas alas mais à direita resolveu apoiar a candidatura do Partido da Causa Operária (PCO). Mas eleição não é tudo. O principal é o nosso projeto socialista, a ser implantado assim que as condições reais permitirem.

E quando as condições reais vão permitir?

Logo, logo. Há uma insatisfação generalizada contra os candidatos burgueses, a serviço do imperialismo, como aquela ex-ministra, o torcedor do Palmeiras e a moça da Natura. Não quero citar nomes para não dar colher de chá à burguesia, seja ela do Rio Grande do Sul – ou seria Minas? -, da Mooca ou de Xapuri. Sem contar que já respiramos aquele saudável clima de guerra fria. Queremos nosso mundo bipolar de volta, com o Brasil no lugar da antiga União Soviética.

Qual a plataforma de seu partido?

O fortalecimento do Estado. Não esse fortalecimento que está ai, misturado com neoliberalismo. Mas um de verdade, com o fim da iniciativa privada, dos meios de comunicação e do poder legislativo. Implantaremos o socialismo no primeiro dia de governo. A partir daí, tudo será feito pela democracia direta, com eleições para todos os cargos, inclusive a presidência do Banco Central, que será transformado em cooperativa sob o comando dos trabalhadores. Outra mudança, para marcar os novos tempos, será trocar o nome do Ministério da Defesa, que passará a ser chamar Ministério do Ataque.

Mas como chegar até lá?

O candidato do PSOL está divulgando nossa idéia como se fosse sua. Queremos usar o twitter e o facebook para conquistar militantes. São coisas da burguesia, eu sei, mas vamos operá-las contra seus criadores. E no primeiro dia de governo, transformaremos as redes sociais em redes socialistas. RTs e #FF só com autorização do comitê central.

@_lulafalcao

sábado, 29 de maio de 2010

Sorte, humor, anos 70 e Tié

Quando as coisas se complicam demais, a saída é fazer igual ao senador José Sarney, em sua coluna da Folha de S. Paulo – refugie-se num tema bem distante da realidade, especialmente bem longe da política nacional. É este o caso agora. Saindo pela tangente dos grandes hits da semana - acordo do Irã, Lula, Hillary, cocaína da Bolívia, Golfo do México, campanha eleitoral, Copa do Mundo e o Maranhão de Sarney (olha ele aqui de novo) – vamos a assuntos que não foram notícia nos últimos dias.

Sorte e humor – O historiador Paul Johnson afirma em “Os Heróis” (editora Campus) que a importância da sorte, como do humor, na política, não foi investigada. “Mas é crucial”, diz ele. Segundo Johnson, uma das pessoas que mais deram sorte nessa arena foi Margareth Thatcher. Além de gozar de excelente condição de saúde durante seu mandato, chegou à liderança do Partido Conservador graças ao fato de o candidato natural, Keith Joseph, ter amarelado na hora de concorrer. Como candidata de emergência, mesmo assim venceu fácil. Daí em diante, só golpes de sorte. Quanto ao humor, o historiador escolheu como personagem o homem que deu nome a uma era, Ronald Reagan. Qualquer outro político teria caído no ridículo com suas piadinhas, mas ele não. Pelo menos não nos EUA. Odiado por muitos mundo afora, deixou duas frases engraçadas que revelam seu método de fazer política a partir de um repertório baseado em metáforas e analogias, como o presidente Lula: “os economistas são pessoas que veem uma coisa funcionando na prática e se perguntam se funcionaria em teoria” e “não estou preocupado com o déficit público. Ele já está bem grandinho para cuidar de si mesmo”. Deu no que deu, mas Reagan conseguiu entrar para a história sem a aura patética que ele mesmo criou para si.

Anos 70 – Os anos 70 morreram, mas passam bem, como diz o ditado. Alguns dos que foram jovens naquela década hoje têm poder de influência política e cultural. É uma das explicações de uma amiga para o retorno dos rapazes e moças de hoje a um tempo já tão distante. Não sei se tal volta ao passado existe, mas na semana passada, numa festa quase juvenil, só se ouvia Pink Floyd e Novos Baianos. Não é só na música. Na moda também, dizem os especialistas. Pantalonas, estilo hippie, e o colorido do tié dye dos 70 fazem um tremando sucesso. A idéia é pegar esses elementos e modernizá-los, montando produções elegantes e glamorosas. Outros sinais: filmes pornô com história, o reencontro do Abba, o clima de guerra fria, Wilson Simonal e a discussão nuclear. Falta só a Rose Di Primo.

Uma cantora – a linda paulistana Tié, de 28 anos, ainda pouco conhecida do público. Vê-la cantando “Desculpe o Auê", de Rita Lee, com jeitinho folk, foi uma das experiências mais doces deste século.


@_lulafalcao

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Uma Copa estranha?

O antropólogo Roberto DaMatta enxerga a paixão pela seleção brasileira de forma bastante positiva. Para ele, a simbologia da bandeira e das camisas, além do orgulho justo de sermos os melhores do mundo nessa arte, ajudam a criar, durante o torneio, um clima em que se dissipam diferenças políticas e econômicas e até diferenças morais e de idade. DaMatta celebra o País do futebol, mas como está vendo atual da Copa do Mundo? Por suas recentes entrevistas e artigos, nada mudou.

Claro que a corrente pra frente permanece intacta, mas pela primeira vez em muitos anos notam-se mudanças de comportamento mesmo entre fiéis torcedores. É estranho observar, por exemplo, a quantidade de pessoas usando a camisa da Argentina, pelo menos em São Paulo. Num dos últimos treinos da seleção, na “concentração de segurança máxima de Dunga” (termo do Cassete&Planeta), a decisão de impedir a entrada dos torcedores provocou um coro de louvação ao nosso vizinho rival. Uma parte, obviamente, está apenas irada com a não convocação de Ganso e Neymar (garantia de futebol-arte?); outra pode estar descontente diante de uma recidiva da Era Dunga.

No twitter, muitos despejam desilusões sinceras contra a convocação feita por treinador. Alguns revelam claramente a decisão de não torcer pelo Brasil. Parece que existe, numa parcela da sociedade, um desejo mais importante do que o de vencer. Uma ânsia por vencer mostrando algo que tornava o futebol brasileiro diferente dos outros. Há um clamor que sai do esporte e chega ao espetáculo, pedindo mais show de bola do que eficiência tática.

Mas o pior está por vir: os brasileiros na Copa. Andarão em bandos, barulhentos e mal educados, como donos da África do Sul. Fosse a Copa realizada no deserto de Gobbi ou na Nova Zelândia, eles estariam do mesmo modo em casa. Claro que não se trata da maioria. Mas é o que a TV mostra – e a Globo não vai entrevistar alguém tomando calmamente seu vinho num pub de Johanesburgo enquanto espera o momento do jogo. A TV quer alegria, cornetas, barulho. Só que essas horas darão a alguns a sensação de que todos os nossos babacas viajaram e estão diante das câmeras, mostrando cartazes do tipo “filma nóis, Galvão”. As cenas se repetirão com o mesmo figurino das mulheres e suas calças jeans apertadas, salto alto e camisa customizadas à baby look.Os homens, exibindo barrigas de chope e bermudas com listrinhas do lado.

Há um clima esquisito. Para o bem ou para o mal, ainda não se sabe. A manifestação popular que, segundo DaMatta, tornou-se um elemento integrado na nossa paisagem social e mental, apresenta nesses dias uma cara mais fechada e mais crítica. Vamos conferir se tais sentimentos duram até a abertura da Copa ou se, como sempre, estaremos diante da TV, nos descabelando a cada 90 minutos de jogo.

_lulafalcao

domingo, 23 de maio de 2010

Albânia

tirana copy
Todo mundo sabe que nos anos 70 ser comunista no Brasil era muito perigoso. A vida em risco, o coração na mão, as famílias assustadas. Nos aparelhos – os esconderijos dos comunistas – planejávamos derrubar o governo. O problema é que nos quartéis o governo planejava acabar essa brincadeira na base da ignorância e muita gente dançou nessa época.

Nos finais dos anos 70, no entanto, a situação afrouxou um pouco e uma fatia da esquerda passou a defender quase publicamente a causa justa das liberdades democráticas. O PC do B era um dos partidos empenhados na defesa da democracia, sempre ao lado do MDB, a oposição consentida, que mais tarde viria a se transformar nessa coisa chamada de PMDB.

NO PC do B, havia a luta imediata pela volta do estado de direito e, nessa parte a turma meio intelectual, meio de esquerda (apud Antônio Prata) estava completamente engajada. O que nos distanciava um pouco do partido eram algumas preferências ideológicas e geográficas. Enquanto o PCB estava alinhado com a URSS, nosso modelo de socialismo era a China. Era. Porque um dia, sem que soubéssemos exatamente porque, o PC do B cismou que a Albânia e seu líder, Enver Hoxha, seriam a partir dali nossos guias rumo ao socialismo.

Minha primeira providência foi ir à Barsa. Embora não confiasse muito em enciclopédia burguesa, descobri que a Albânia era o país mais miserável da Europa e, a exemplo do Brasil, mantinham o povo sob a ditadura. De certa forma até mais feroz porque lá não havia nem MDB ou coisa parecida. Brigada com os países ocidentais, em seguida com a URRS e depois com a própria China, da qual havia herdado idéias maoístas, a Albânia era um país completamente isolado do mundo (como a Coréia do Norte é hoje). Justo nesse momento, o PC do B decidiu, é isso, vamos de Albânia.

Não dava para entender. Por que deveríamos mirar nosso futuro num país que vivia no passado? Como pode tanta gente legal – o pessoal do partido era muito solidário, gente boa mesmo – estar envolvida numa maluquice desse tamanho? Como seguir um líder que não aceitava contestação, matava gente e mantinha a Albânia à base da criação de cabras e de uma indústria atrasada – mais subcapitalista do que comunista?

Mas o pior estava por vir quando me deram para ler um livro chamado “Imperialismo e Revolução”, de Hoxha, que além de não ter pé nem cabeça era muito mal escrito. Também dizia que o capitalismo estava com seus dias contados, como se decretasse o fim da história, e que nada poderia salvá-lo da morte inevitável causada por suas próprias crises e contradições. Além disso, pregava “a vingança implacável do proletariado e dos povos”. O curioso é que a única rádio do país, a Tirana, tinha uma programação em português, recheada de pregação ideológica, culto à personalidade de Hoxha e músicas com jeito de hino religioso, embora a Albânia fosse declaradamente atéia. Para quem gostava de Caetano Veloso, Sex Pistols e The Doors aquilo era uma chatice.

Então resolvi sair. Foi como acabar um casamento. Senti que os camaradas ficaram sentidos. Mas tempos depois, o PC do B também deixou de lado essa coisa da Albânia e hoje têm até cargo no governo e uma deputada linda, a Manuela D’ Ávila.

Mas fui. A partir dai elaborei meu próprio programa de socialismo (com democracia, claro), que pode não dar certo nunca, mas pelo menos não envolve um monte de gente em torno das idéias de uma única pessoa.


_Lulafalcao

sexta-feira, 21 de maio de 2010

A chatice eleitoral no Twitter

Roda por ai um texto intitulado “Os sete pecados capitais” do twitter. Segue os mesmos itens do original da Igreja Católica – ira, Inveja, luxuria vaidade, avareza, preguiça, gula – para ensinar aos tuiteiros algumas regras essências de comportamento. Não sei em qual dessas categorias, ou em quais, se enquadraria um dos mais chatos vícios do micro blog nesta pré-campanha: a propaganda eleitoral. Em muitos casos criadas por marqueteiros, mas disfarçada de manifestações espontâneas, essas mensagens não dão espaço para o contraditório. Trata-se de uma comunicação entre militantes, cujo poder de convencimento é igual a zero. Se a pessoa concorda, pronto, já é eleitor do cara, então ela se torna desnecessária, como aquelas correntes de amigos deste ou daquele candidato. Em caso de discordância, compra-se uma briga. Normalmente tais mensagens passam ao largo do interesse geral e quase só aparecem na tela sob a forma de retweets. O problema é que aparecem muitas vezes. Jamais passaria pela cabeça de um publicitário com o mínimo de senso a idéia de empurrar um produto dessa forma.

Claro que o twitter pode ser um bom veículo para a campanha eleitoral. Só que não da maneira atual. O presidente Barack Obama, por exemplo, usou a novidade da Internet com um propósito – arrecadar dinheiro para seu comitê. Como o brasileiro não está acostumado a dar dinheiro a político – porque em muitos casos é mesmo uma temeridade -, é preciso encontrar outro caminho. Com mais notícia e menos proselitismo, talvez. O certo é que a política eleitoral ainda não acertou o passo com o twitter no Brasil.

Na linha da subjetividade, sugiro outra lista para os políticos, desta vez de virtudes, apresentadas pelo escritor Ítalo Calvino em seu livro “Seis Propostas para o Próximo Milênio”: Leveza, Rapidez, Exatidão, Visibilidade, Multiplicidade e Consistência.

_lulafalcao

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Perguntas inocentes

Pela primeira vez na história deste Planeta, o Brasil se meteu em um assunto que, para muitos analistas, não era de sua alçada: a questão nuclear do Irã. Nas redes sociais, o caso foi recebido de forma apaixonada: uns desancaram Lula por sair em defesa do ditador iraniano Mahmoud Ahmadinejad; outros entraram em delírio patriótico após a assinatura do acordo. No final, ao que tudo indica, deverá prevalecer o jogo pesado das potencias nucleares, com os Estados Unidos à frente, que decidiram impor mais sanções ao Irã ao invés de aceitar os termos do tratado.

Nesse campo minado, algumas pessoas ficaram no meio do caminho, sem opinião formada, mas cheias de perguntas. Inocentes, mas todas úteis. Vamos lá:

Se quem decide mesmo são os países com bomba atômica, o que farão países como o Brasil para influir na política externa? Só terá acesso ao clube no dia em que também tiver suas bombas? Se não permitem que o País as tenha, então ele estará condenado à eterna condição de coadjuvante no cenário internacional? Para que serve a diplomacia se, na hora H, quem dá as cartas são as potencias nucleares? Por que não se ouve o mesmo clamor em relação a Israel, país que não aderiu ao Tratado de Não-Proliferação de Armas nucleares e que, provavelmente, possui mais de 400 ogivas?

A confusão, para simplórios como eu, aumenta quando sabemos que os Estados Unidos receberam aplausos ao anunciar que reduzirão seu peso nuclear de 5.113 para “apenas” 1.550 ogivas prontas para lançamento até 2020. Diante disso, a proposta aceita pelo Irã (enviar 1,2 tonelada de urânio com baixo grau de enriquecimento para a Turquia em troca de 120 kg de combustível enriquecido a 20%) não seria uma merreca?

Claro que faltava a mais inocente de todas as perguntas: por que não acabar com todo o arsenal nuclear da Terra logo de uma vez?

_lulafalcao

sábado, 15 de maio de 2010

Em Guerra com os EUA

É claro que nada disso vai acontecer. Deus me livre. Mas é sempre bom ter em vista que um dos grandes perigos do antiamericanismo - pelo menos para a comunidade paranóica – não é ser chamado de antiquado pelo Reinaldo Azevedo. Para cidadãos assustados, o perigo dessa querela de Lula com Obama, por causa do Irã, é real e imediato, como nos filmes: uma guerra Brasil x EUA (coloco nosso País na frente porque provavelmente jogaremos em casa o que, nesse caso, é pior).

Pois pense bem. O orçamento da defesa dos Estados Unidos é estimado em US$ 786 bilhões (2009); o do Brasil, U$ 13,69 bilhões. Enquanto os americanos têm um contingente de 1, 454 milhões de homens e mulheres, quse não passamos dos 300 mil. Isso sem contar a superioridade assustadora dos gringos em termos de navios, porta-aviões, submarinos, bombas, mísseis e coisas atômicas capazes de destruir o mundo não sei quantas vezes. Nós, brasileiros, só usamos energia nuclear para gerar um pouco de energia e tirar raios-X.
Então, Lula, pense duas vezes antes de comprar uma briga desse tamanho. Aquele livro que todo político agora lê – “A Arte da Guerra”, de Sun Tzu, aconselha:

“Conhece-te a ti e o teu inimigo e, em cem batalhas que seja, nunca correrás perigo”
• Quando te conheces, mas desconheces o teu inimigo, as tuas hipóteses de perder e ganhar são iguais”
• Se te desconheces e ao teu inimigo também, é certo que, em qualquer batalha, correrás perigo”.

Nos três casos a coisa não pende para nosso lado. A primeira, para os paranóicos, está errada. Conhecemos nosso inimigo, mas ele também nos conhece, e melhor, pois estão equipados com satélites-espiões e um monte de outras tranqueiras secretas para saber até o que comemos no café da manhã.

O melhor então, Lula, é seguir outro conselho do mestre: não entre numa roubada, uma briga que você sabe que vai perder. O Mahmoud Ahmadinejad não merece esse sacrifício todo.

Bom, quem pensa dessa forma é alguém muito paranóico. Só estou aqui reproduzindo a preocupação de alguns desajustados.

_lulafalcao

quinta-feira, 13 de maio de 2010

O escritor e o mecenas misterioso

Encontro Alberto feliz como nunca. Agora consegue viver com o mínimo possível: quarto com banheiro, computador com Internet e alguma grana para comer na padaria e no boteco da esquina. Deixou o emprego de executivo numa grande empresa para tornar-se escritor. Mais precisamente para escrever em seu blog sem precisar prestar contas às normas da firma. Quer divulgar tudo que lhe venha à cabeça – um monte de reflexões, revoltas e intimidades represadas pelo cotidiano corporativo.

Para levar a vida que pediu a Deus, Alberto deixou de lado bons restaurantes, viagens, carro, cartão de crédito e até a TV a cabo. Viu que não dá para ser livre e, ao mesmo tempo, ter que prestar contas à sua organização. Qualquer organização, segundo ele, inibe o pensamento: empresas, partidos, repartições públicas, sindicatos, forças militares, ONGs, Gangues, igrejas, comunidades do Orkut, seitas, clubes sociais, ligas, alas, correntes estéticas, academias...

Alberto saltou da classe A para a classe C e nesse novo ambiente sente-se livre para escrever sobre tudo e todos. Pelo menos por enquanto. Um dia ele é contra; outro dia é a favor. Não importa se o assunto é o mesmo.

Quem paga a conta da sua liberdade? Um desconhecido que pensa como ele e, por razões profissionais ou políticas, não pode levar a mesma vida sem travas intelectuais. Não tem coragem de fazer o mesmo e vive, à distancia, a vida de Alberto. Todo mês, religiosamente, o mecenas misterioso deposita R$ 1.8 mil na conta do escritor.

_lulafalcao

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Ateísmo

Em entrevista à Folha de S.Paulo, na segunda-feira (10), o filósofo norte-americano Daniel Dennett, afirmou que se declarar ateu hoje em algumas regiões dos Estados Unidos é o equivalente a se declarar homossexual nos anos de 1950. Pode ser. Mas nunca neste planeta o ateísmo esteve tão em voga, especialmente por meio de livros que chegam às listas dos mais vendidos, especialmente nos EUA. Caso de “Deus, um Delírio”, de Richard Dawkins - eleito recentemente um dos três intelectuais mais importantes do mundo – e Sam Harris (O fim da Fé – Religião, Terror e o Futuro da Razão), publicado em 2004. Ambos professam o desejo de acabar com toda crença religiosa.

É aceitável que nos grotões dos Estados Unidos a postura do ateísmo não seja aceita. Afinal, como observa o próprio Harris, mais da metade da população daquelas bandas acredita que o cosmo inteiro foi criado há apenas seis mil anos e 53% dos americanos são criacionistas, segundo o Instituto Gallup. Na condição de ateu, acho perfeita a visão de um mundo mais racional. OK. O problema é quando o ateísmo se transforma também numa religião. Sem fé, os não-crentes devem se apegar à Ciência e ao que ela alcança, com a preocupação de explicar “como” são as coisas e não quais os propósitos das coisas. Se é que eles existem. Muito menos partir para uma cruzada em cima dos crentes.

Sei que não dá para fundir religião e Ciência, por serem essencialmente incompatíveis, mas dentro do âmbito cientifico há mistérios tão espetaculares que alguns preceitos religiosos, como a reencarnação, podem estar escondidos em outras dimensões. Deus, a figura, não deve mesmo existir, mas sabe-se lá o que o universo nos reserva. A Ciência, portanto, também tem seu mistério. Só que, ao contrário da religião, não é para ser cultuado e aceito sem reservas e sem provas. O papel do cientista é desvendá-lo a cada dia.

Sem querer – e sem poder – entrar em complexidades da Física Quântica, posso especular que a tal Teoria das Cordas e suas onze dimensões são tão inimagináveis para as nossas mentes leigas e limitadas quanto a Santíssima Trindade. Só que muitos crentes acham que o mundo foi criado em sete dias e isso basta para eles até o Juízo Final. Para Ciência não basta. Nada é suficiente e continuará não sendo, pois provavelmente não existirá um momento em que tudo estará explicado.

Nada disso, porém, explica a imposição do ateísmo como solução final, “é isso e pronto”, como têm pregado alguns poucos sites-seitas (como não devia haver imposição religiosa, é claro). Devemos, por outra parte, considerar a imensa contribuição religiosa para o conhecimento humano, apesar das guerras e outras mazelas provocadas por preceitos católicos, judeus, muçulmanos etc. E que a Ciência, mesmo sem querer, entrou com sua parte nessa conflagração, com suas catapultas e bombas atômicas.

Por isso, achei legal quando uma atriz assumidamente atéia – se não engano a Camila Pitanga – recusou-se a posar de musa de um desses grupos que pregam aos quatro cantos a não-existência de Deus e que querem transformar esse conceito como pensamento único.

Como essa peroração tem tudo para se descaminhar para “viagem”, vou tentar um fecho agora.

1 – Não cabe juntar religião e Ciência num só quadrado. Cada uma na sua, mas em saudável convivência. Dentro do possível;

2 – É o pluralismo que dá graça à vida. Mesmo ateu, não imagino um mundo sem São Jorge, sem Buda e sem os Dez Mandamentos (pode ser chute, mas creio que todo nosso ordenamento jurídico vem de lá).

3 – Essencialmente tudo isso é uma questão de fé ou ausência de fé. Um defeito ou uma qualidade que vai depender da existência ou não de Deus. Pode ser que você não descubra isso nem morto. Pode ser que Ele exista, mas seja do segundo escalão, sem poder de veto sobre partículas elementares, por exemplo. Trata-se, então, de um problema que não tem importância prática no cotidiano.

4 – A cada dia a Ciência vai mostrar coisas novas – como o acelerador de partículas -, mas vai ficar sempre em dívida. Sempre ficará faltando uma peça do quebra-cabeça – e talvez existam trilhões de quebra-cabeças;

4 – O debate é bom, a conversa é boa, mas quando o objetivo é a conversão do outro, aqui e agora, tudo vira uma chatice. A pessoa forma suas convicções ao longo da vida. Alguém pode convencê-lo a comprar determinado produto, mas não vai torná-lo católico ou ateu de uma hora para outra.

_lulafalcao

segunda-feira, 10 de maio de 2010

O fato inédito

O repórter gordo e pálido costumava freqüentar o baixo meretrício do Recife. Garantia, no entanto, nunca ter estado com uma puta. Ao que tudo indica também nunca namorou até por volta dos 40 anos. Parecia não se preocupar com a solidão naquele final dos anos 70, em que o sexo era praticado sem culpa ou grandes riscos. Vivia para o trabalho, embora fosse um daqueles repórteres esquecidos no canto da redação. Ganhava pouco, comia pouco, bebia muito. Cheirava a álcool, embora raramente fosse visto embriagado. Em 1976 seus hábitos eram tolerados. Mesmo porque ele parecia um ser quase invisível a levar uma vida sem graça. O repórter, porém, adorava viver e passou a adorar muito mais no dia que o diretor de redação, num gesto digno dos 70’, resolveu dar-lhe uma coluna de presente. Ganhou um espaço para falar das putas e do submundo da cidade. Também se arriscava em temas mais áridos, como o controle de preços feito por um órgão governamental chamado SUNAB. Sim, naquele tempo havia uma repartição do governo para tentar frear a inflação. Não deu certo, claro. Mas lá foi Mamão escrever sobre o assunto. O lead: “Pela terceira vez consecutiva aconteceu um fato inédito: a SUNAB perdeu a paciência”. Houve risos. Ele pensou que havia escrito algo muito engraçado. Era engraçado. Era trágico. Era triste. Mas chefe de redação gostou e manteve sua coluna, que só acabou no dia em que O Diário da Noite fechou suas portas para sempre.

Imagino o repórter trabalhando num desses sites de notícias de hoje.

sábado, 8 de maio de 2010

O analógico

Meu amigo analógico está irritado com o twitter. Pergunta: por que uma multidão ao redor do mundo passa horas à frente do computador digitando frases, contando suas vidas, reproduzindo e comentando notícias, pregando em nome de Deus e do diabo, divulgando ações e atos, reproduzindo pensamentos próprios e alheios ou simplesmente afirmando que existe? Qual o sentido de tudo isso? O que significam #FF, following, followers, retweets, hashtag ,migre-me, #botequimtuitajoaquim etc? Por que isso precisa existir

Acima de tudo, ele não entende por que as pessoas gostam dessa forma de comunicação. Por que não leem e conversam pessoalmente?

Dedicado aos livros (aqueles de papel), meu amigo analógico adora Umberto Eco. Cita um texto do pensador italiano, de 2003 (“Muito Além da Internet”). Adapta ao twitter uma preocupação de Eco em relação à Rede em geral e afirma que escrever no microblog reduz o poder do pensamento “ao fornecer aos seres humanos uma alma petrificada, uma caricatura da mente, uma memória mineral”.

Na época de Platão, o simples ato de escrever era uma inovação tecnológica, insisto, também recitando Eco. Não há acordo: ele continua analógico; eu continuo no twitter. Chegamos apenas a um ponto em comum (provisório) a respeito de um aspecto mencionado pelo autor de “O Nome da Rosa”. Segundo Umberto Eco “há numerosas criações tecnológicas que não tornaram obsoletas as anteriores. Carros correm mais do que bicicletas, mas não tornaram obsoletas as bicicletas...” Ou seja: livros e conversas no bar da esquina não serão extintas por enquanto.

Em tempo: Umberto Eco tem um perfil falso no twitter, sem uma linha escrita, mas mesmo assim com mais de mil seguidores.

_lulafalcao

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Minhocão

O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, pode terminar seu mandato com uma grande obra: a demolição do elevado Costa e Silva, mais apropriadamente conhecido como Minhocão. A queda dos 2,7 quilômetros do monstro de cimento teria muitos significados. É também a demolição do conceito urbanístico de políticos como Paulo Maluf, seu construtor, e o fim da idéia de cidade concebida nos anos 70, no auge da ditadura militar.

Idealizado pelo prefeito Faria Lima (1965-1969), mas tirado da gaveta por Maluf, o Minhocão é um monumento à crueldade. Para urbanistas de hoje – e muitos de ontem, também – aquilo não era um projeto de arquitetura, mas uma obra de engenharia bruta, que destruiu parte do centro de São Paulo, engolindo um pedaço da Praça Roosevelt, na Consolação, até o Largo Padre Péricles, em Perdizes. Pior: ao passar por cima da Rua Amaral Gurgel, o elevado torna-se a única paisagem para moradores de apartamentos do local. Abrir uma janela ali é dar de cara com um cenário de desolação, poluição e barulho constante. Não por acaso, o cineasta Fernando Meireles escolheu o Costa e Silva como uma das locações do lúgubre “Ensaio sobre a Cegueira”.

Seria bom para São Paulo, cidade em eterna construção, destruir de vez em quando alguma coisa - ou pelo menos parar de erguer novos equívocos. Aos poucos, também poderiam sumir da paisagem alguns daqueles prédios “neoclássicos” absurdamente tardios - alguns deste século. Não chegam a incomodar como o minhocão de Maluf, mas envergonham pela tentativa de reconstruir um passado que não nos pertence. Os “neoclássicos” remetem a uma “disneyficação” da cidade, como bem lembra o arquiteto Edson Mahfuz. Já o elevado Costa e Silva vai muito além da agressão estética. É agressão física.

OS: ao contrário do que muitos dizem, São Paulo é uma bela cidade. Mas pontuada por terríveis enganos arquitetônicos.

_lulafalcao

quarta-feira, 5 de maio de 2010

E-Vida

@O que nos espera num futuro próximo são ruas vazias. As pessoas quase não sairão de casa. Para a correspondência, e-mails, para as compras, e-commerce, para a leitura, e-books. Os amigos já são followers. Baixaremos filmes e músicas para os momentos de lazer. Trabalharemos em nossos escritórios remotos. Em breve, teremos e-bares para conversas movidas a e-cervejas. Baladas solitárias com e-drogas sem efeitos colaterais – como a Soma de Huxley - e sexo virtual. Basta um toque na tela e as coisas acontecem.

@Em caso de doença, acesse o site de seu plano de saúde. Corpo escaneado, diagnóstico, e-remédio. O maior risco: alguns vírus de computador poderão atacar seu sistema nervoso central.

@Votaremos pelo twitter. Ganha o candidato com mais seguidores. O concorrente com plataforma de alta resolução tem mais chances.

@A maioria dos crimes será virtual. Os criminosos serão castigados com temporadas sem senhas de acesso. Nos casos mais graves, condenados a vagar pelas ruas.

@Viajaremos ao exterior sem sair do quarto. Paris com 26 gigapixels já existe. Só que a definição será melhor. Bem melhor. Sentiremos o cheiro das cidades.


@Tudo isso é apenas o começo. Logo, logo estaremos conversando sobre nosso antigo e-planeta com certa dose de nostalgia. Mas ai já será possível voltar a ele de vez em quando. Nosso passado estará todo gravado.

_lulafalcao

terça-feira, 4 de maio de 2010

Teatro falado

Nunca tinha ido a uma leitura dramática de uma peça. Aliás, quase nunca vou ao teatro. Na segunda-feira (03) fui ao MASP ver “Dirké, Leane e Melampus”, do projeto “Letras em Cena”. Estavam lá Hamilton Vaz Pereira, o autor, e os atores Tuca Andrada, Ligia Cortez, Maria Manoela e Paula Cohen. O texto, recitado pelos cinco, sentados diante da plateia, causou um estranhamento inicial. Com o tempo, a leitura parecia tão natural a ponto de quase ninguém sentir a falta de cenários. Acho que a coisa poderia acabar ali. Não precisaria montar o espetáculo. Bastaria lê-lo.

Mas nesse caso não seria teatro; seria literatura. Tudo bem. Mesmo porque não sei como o Hamilton irá resolver cenograficamente a história de três mulheres devoradoras que encontram um homem em situações e locações complicadas: à beira de um precipício, no Shopping Higienópolis, em um bar paulistano, na floresta Amazônica e numa tribo de fêmeas canibais. Em todos os cenários, a nova condição feminina é destrinchada em detalhes muito crus: erotismo sem meias palavras, conflito cidade – mundo selvagem, gente virando bicho. A pontuação de Hamilton estava perfeita, com uma narração elegante e ao mesmo grandiloqüente.

O autor poderia desistir da peça e optar por um livro. Mas os atores fariam falta, especialmente a competente e bela Maria Manoela. Daria um filme, mas não é a praia de Hamilton. Por que então não ficar do jeito que está, como teatro falado ou literatura teatralizada?



_lulafalcao

segunda-feira, 3 de maio de 2010

O falso plano B de Lula

Em março publiquei neste blog um textinho sobre teorias da conspiração (o homem não foi a Lua, Leonardo da Vinci era um espião vindo do futuro, Paul Paul McCartney já morreu etc). Pedi então que me enviassem TCs mais recentes, de preferência relacionadas com a campanha eleitoral. Uma dessas chegou nesta segunda-feira, com jeito de coisa séria e tratada como verdade. É sobre um pretenso plano B de Lula e do PT para o caso de Dilma não emplacar. Convém salientar que não se trata de novidade e, pelo estilo, deve ter brotado em terreno adversário. A questão é outra.

Mas vamos lá. Segundo tal teoria Lula estaria preocupado com o desempenho de Dilma Rousseff na campanha e tinha em mente uma manobra salvadora para os petistas: ele renunciaria a seu cargo para se lançar candidato a vice da candidata petista e assim entrar na campanha com todo o gás de sua popularidade. O problema é que a história não acaba ai. Depois de eleita, Dilma cumpriria um breve mandato e, em seguida, renunciaria por motivo de saúde para Lula assumir por mais quatro ou oito anos.

Como toda TC tem uma explicação mais ou menos plausível, vejam os sinais que dariam veracidade a esta: “todas as peças se encaixam quando lembramos que Alencar desistiu de concorrer ao Senado e Meirelles aceitou permanecer no Banco Central, ambos abrindo mão de projetos pessoais e a troco de que? De nada? Agora confira: os artigos constitucionais que tratam da eleição não impedem que o presidente se candidate a vice, desde que se afaste do cargo seis meses antes do pleito. Pelo menos é isso que se entende da Constituição nos parágrafos 5 e 6 do Artigo 14, que trata dos direitos políticos”.

A constituição dá panos para as mangas da teoria: “para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito”. O grande porém é o prazo: para ser vice de Dilma, Lula já teria que ter renunciado no mês passado. Apesar disso, os spams com esta “informação” ainda continuaram sendo jogadas na rede.

_lulafalcao

sábado, 1 de maio de 2010

Sem ódio

Dilma vai acabar com a democracia. Serra vai privatizar tudo. Mentiras, às vezes, são baseadas em suposições, apimentadas pela ideologia de quem acredita nelas e trata de passá-las adiante. O que mais choca, no entanto, é a pregação do ódio. Nesta campanha, a Internet tem servido de depósito para blogs, sites, comunidades e posts que simplesmente parecem odiar por odiar. Vejam quantas mensagens do tipo “odeio Dilma” ou “Odeio Serra” circulam na rede. Em muitos casos, o texto é uma pregação ao “esfola e mata” como se a eleição brasileira estivesse sendo disputada por Hitler x Pol Pot. Não é o caso. O próprio presidente Lula já considerou “fantástico” o fato de não haver "trogloditas da direita" na eleição de 2010. Ah, sim, o Chico Buarque também foi mais ou menos na mesma linha.

Não se trata de pedir uma campanha apenas baseada em programas de governo. A imprensa, que tanto pede isso, seria a primeira a achá-la sem graça. Mas dá para esculhambar o concorrente - ridicularizá-lo até – sem caiar na tentação de um discurso baseado na pura e simples exclusão do outro. No ódio sem limites, como se considerasse que adversário bom é adversário morto. A eleição deve ser tratada como ela de fato é – uma escolha da maioria. No dia 3 de outubro o povo vai às urnas e resolve a questão.

_lulafalcao