quinta-feira, 30 de junho de 2011

A vida chata depois da morte

A vida depois da morte tem uma série de inconvenientes. O primeiro deles é o fato de muito provavelmente não existir. Então, a pessoa morre e pronto. Nada. Zero. Acabou. Não entendo porque os ateus não caem na maior esbórnia, não tomam todas e não promovem orgias diárias. Afinal, é agora ou nunca. Mas são até bem-comportados e não cobram dízimo.

Mas ai vem a questão mais complicada. Deus existe e depois do último suspiro a alma segue sua viagem para destinos que variam de acordo com as religiões. Os católicos, por exemplo, só dispõe de três: Céu, inferno e Purgatório, sendo que este último não é o terminal, mas um ponto de baldeação, uma escala. Deve ser o lugar mais caótico e congestionado do além, pois ali estão bilhões de mortos que não foram nem bons nem ruins em vida. Questões infindáveis devem passar pela cabeça dessa galera do além-túmulo: onde fica o balcão de informações? Que fila é essa? Onde compro uma cerveja? Pode fumar? Estou aqui há 70 anos e ninguém diz nada. Não por acaso a palavra purgatório está associada a sofrimento e castigo, mesmo durante a vida.

De acordo com os ritos latinos, no purgatório o espírito passa por julgamento particular em que o destino é especificado. Quem reclama da morosidade da Justiça brasileira nem imagina – ninguém imagina – o que é aquilo. Julga-se um a um ou há processos coletivos, como nos casos de formação de quadrilha ou bandas de Axé? Seja como for, uns vão para o Céu e outros para o Inferno. Mas o purgatório continua cheio, com novas almas chegando, completamente atordoadas, sem saber em que condução vão embarcar.

Sabe-se lá como, os processos são julgados e começa o check-in para o Inferno. A ordem é se livrar logo dos maus elementos. Pelo menos nessa ocasião, o nada é mais interessante. A descrição mais suave da nova morada é de um fogaréu descomunal, em que os mortos vão arder pela eternidade, mesmo aqueles que já foram cremados.

O contrário é o Céu. A maioria das religiões descreve o Céu como um lugar maravilhoso, um paraíso, embora cada crença tenha seu próprio portfólio a respeito. Segundo a Bíblia e a Wikipédia, o céu é onde se encontra o trono de Deus. Também moram lá Jesus, os anjos e as pessoas que vieram do purgatório. Alguns privilegiados podem ter chegado sem escala. É o caso dos santos. Ainda de acordo com a Bíblia (com informações do site www.gotquestions.org), o Céu é uma cidade cheia do brilho de pedras preciosas e jaspes claros como os cristais. “O céu tem 12 portas (Apocalipse 21:12) e 12 fundamentos (Apocalipse 21:14). O paraíso do Jardim do Éden é restaurado: o rio da água da vida corre livremente e a árvore da vida está disponível novamente, dando fruto mensalmente com folhas que são para “a cura dos povos” (Apocalipse 22:1-2).

Informações mais práticas, nenhuma. Como afirma Woody Allen, não se sabe nada a respeito do funcionamento do Céu, seus horários, como é a vida noturna, o sexo etc. O certo é que, para os católicos, o céu é como o sonho da casa própria. O lugar onde se vai morar para sempre. Para sempre mesmo. Quem não gostar dessa Alphaville da eternidade, dançou. De lá nunca mais sairá. O consolo é ser melhor do que o Inferno – é o que dizem.

Outra opção disponível na praça é voltar à Terra, encarnado em outra pessoa e, se não der sorte, numa lhama ou numa barata. Pode também vagar por ai, invisível, assustando as pessoas, mas essa hipótese tem mais amparo em Hollywood do que nas religiões ocidentais.

De qualquer maneira, morrer é sempre desagradável. Uma mudança muito brusca na sua rotina. Vai embora com a roupa do corpo, sem saber para onde e, pior, talvez para lugar nenhum.


Vale destacar que o texto acima é de um leigo, ou seja, de alguém que nunca morreu
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@_lulafalcao

terça-feira, 28 de junho de 2011

Blogs: os últimos suspiros

Blog. Eu tenho, tu tens, ele tem. Outros têm mais de um. Crianças, adultos e até algumas espécies animais – com ghost writer humano, claro - mantêm suas páginas na Internet para dizer uma variedade enorme de coisas que parece não caber mais em qualquer armazém de palavras, seja o cérebro humano ou o Google. Alimentar um blog tornou-se tão urgente e inexplicavelmente necessário quanto possuir um CPF ou um RG. Mas ai surge um problema: quem vai ler? Poucos. Em muitos casos, ninguém; e na maioria das vezes só por engano alguém acessa seu blog por uma conjunção de letras escritas em tal ordem que equivale, por exemplo, a acertar na megasena. Mas, nessas ocasiões, o “leitor” abre e fecha, sem ao menos olhar o conteúdo, e suas idéias vão navegar pelo éter, junto com partículas desconhecidas. Nenhuma repercussão e escritos frustrados, especialmente para aquelas pessoas que não escrevem apenas para elas próprias - num tipo de comportamento que, para um jornalista, soa como meio maluco.

Pois bem. Atualmente, segundo o Technorat, existem 55 milhões de blogs no mundo, num cálculo por baixo e defasado, pois a cada minuto ou segundo surgem novas páginas, numa velocidade tão impressionante quando a reprodução de bactérias e de alguns insetos mais férteis. Com a blogosfera engarrafada, alguns eleitos conseguem cair no gosto do público, seja por qualidade, acaso, milagre e, obviamente, por pesados investimentos em marketing. A maioria, no entanto, continua navegando no mar escuro. Seus posts são como mensagens dentro de garrafas jogadas na água.

O tema do anonimato dos blogs pessoais é recorrente aqui. Mas a volta ao assunto tem a ver não apenas com a visível saturação da blogolândia, mas com a pregação de alguns teóricos sobre o esgotamento deste meio de comunicação e a perda da sua razão de existência. Alguns até decretam seu fim, apostando que o futuro da escrita na Internet é incerto, mas que obviamente o blog independente não é o caminho.

Para Marcelo Träsel, ex-colaborador do CardosoOnline, os blogs terminaram. Acabaram. Foram comer capim pela raiz. “São um ex-formato de mídia alternativa na Web”, afirma. “E o motivo principal dessa desaparição é justamente o sucesso que o formato blog obteve, tornando-se onipresente”. O futuro, segundo ele, está um modelo, em um killer app ainda não inventado.

Já o jornalista Paul Boutin, em matéria publicada na revista Widered, vai mais longe: "Está pensando em criar um blog? Aqui vai um conselho de amigo: não faça isso. E, se você já tem um, tire ele do ar". Em seu texto, ele acrescenta que a blogosfera se profissionalizou tanto que as chances de um blogueiro independente construir relevância caíram imensamente nos últimos quatro anos.

Quer dizer 1: se você não tem um esquema empresarial por trás, desista.

Quer dizer 2: o imenso sucesso dos blogs é o motivo de seu o fracasso.

Quer dizer 3: a ideia de que cada pessoa seria uma espécie de jornal de si próprio e de suas idéias pode ter sido mera ilusão.

Mesmo assim alguns vão continuar existindo, cambaleando por ai, almas penadas, com poucos leitores, como este aqui. Até o dia do Juízo final da blogosfera. Que ainda não chegou, mas vai chegar. Tudo nasce, cresce e morre. É assim que funciona.

@_lulafalcão

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Celebridades 2 - Emanuel

O problema de Emanuel, escritor independente, é que sempre mistura as coisas. Vida real e literatura num mesmo pacote. Então para ter o material do próximo capítulo, é preciso de um algum desregramento – ou melhor, muito. Nada contra a farra. O problema é o livro. O risco é enorme, pois grandes impressões de si próprio podem ter pouco interesse para o leitor – ou pior, até para o bêbado da esquina.

Emanuel, no entanto, se acha o máximo nas festas, um Scott Fitzgerald. Mas expõe aquilo, no livro, em frases pretensamente espirituosas, que tinham a ver como o momento em que foram ditas. Depois se perderam para sempre.

Na vida festeira, Emanuel repara muito nas pessoas, no que elas falam, para depois reproduzir neologismos e gírias como se fosse íntimo delas. Soa falso – Emanuel prefere fake – porque aquilo, nos seus escritos, não sai da boca de uma personagem, mas da sua própria, numa situação que fica entre o voyeurismo e o plágio. O defeito dele, porém, não é só esse, antes fosse. O escritor piora o que as pessoas disseram e até mesmo o que ele disse. Trata-se, na prática, de uma reprodução medíocre da vida real.

Mas Emanuel nasceu para ser primeira pessoa. Autocentrado, sempre está apegado ao “fiz e aconteci”, em grande parte porque ele tem, sim, alguns poucos leitores. Leitores tão fiéis que se transformam no seu restrito grupo de amigos. São amigos-personagens. Todos estão em seus livros, todos sabem quem é quem, não ligam em serem maltratados em algumas linhas, porque acham legal viver duas vezes: no real e no imaginário do amigo escritor.

Claro que Emanuel assume, no grupo, uma posição implicitamente superior, que é respeitada. Não escreve em jornais, não aparece na TV, não está nas redes sociais e mesmo assim seu pessoal não arreda o pé, achando que toda essa falta de evidência não é defeito, mas qualidade.

Um dia Emanuel tentou colocar um crítico contra a parede. Um dos raros que se interessaram por sua obra. Perguntou, com toda solenidade e quase soberba: “por que a literatura tem que ser melhor do que a realidade?”. O cara reagiu no suplemento de domingo, dizendo, em suma, que sim. A literatura tem que ser superior à vida. O jornalista citou até Gilles Deleuze: “Não se escreve com as neuroses. A neurose, a psicose, não são passagens de vida, mas estados nos quais se cai quando o processo se interrompe, quando está impedido, preenchido”. Emanuel reagiu com uma carta à redação mais ou menos afirmando que a literatura é uma forma de loucura, mas não houve a esperada repercussão e o caso morreu por ai.

Nenhum abalo. A vida e a literatura de Emanuel seguem seu curso. Sempre juntinhas.

@_lulafalcao

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Celebridades

Nilza queria ser atriz pornô. Mas era mais culta do que gostosa. Seu primeiro vídeo amador, Ass cream, era uma tentativa de trocadilho com uma frase do filme de Jim Jarmusch. Tinha trilha de Karlheinz Stockhausen. Foi pouco visto nos cinemas do centro e não despertou tesão em ninguém. O segundo tratava de sodomia e mitologia grega. Confuso e brochante. Outro fracasso. Casou-se com um professor de Literatura Inglesa de uma universidade americana. Fez doutorado, tem dois filhos e três netos.

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Apolônio escrevia críticas devastadoras contra seu próprio livro. Assinava com pseudônimo. Queria criar polêmica. Mas até seus poucos conhecidos concordavam com ele. Virou blogueiro. Seus comentários contra o governo não deram resultado. Mudou de lado. Também não funcionou. Pedia a palavra em encontros de escritores. A platéia dormia e roncava. Apolônio enviava cartas à redação. Nunca foram publicadas. No final da vida pensou em se vender ao capitalismo, mas o capitalismo não quis comprá-lo. Apolônio morreu. Nenhuma notinha no jornal.

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Antônio, 32 anos, desempregado, teve duas idéias para sair da miséria: criar uma igreja evangélica ou uma ONG. Ficou com a primeira opção. Proclamou-se pastor, arrebanhou 20 fiéis e consegue sobreviver com uma renda mensal equivalente a dois salários mínimos.

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O sonho de Aderaldo era ser corrupto. Lia tudo sobre propinas, desvio de verbas e licitações fraudadas. Mas não tinha jeito pra coisa. Conseguiu o que parecia impossível: foi preso.

@_lulafalcao

terça-feira, 21 de junho de 2011

O fim da privacidade na privada

Um cara chamado Mark Holden, citado pelo @Bluebus, está prevendo que em pouco tempo mundo será ainda mais integrado em termos de tecnologia digital, com consequências espetaculares na vida das pessoas, especialmente em relação à privacidade. “Viveremos em uma sociedade em tempo real, orientada para a socialização virtual”, diz ele. Mais adiante, o sujeito cita um monte de inovações, como a realidade aumentada, para afirmar que cairemos numa “gameficação” das nossas relações, ou seja, levaremos nosso dia a dia dentro da lógica dos jogos, como personagens de uma second life. Pelo menos é o que entendi.

Pode ser exagero de leigo assustado, mas o mundo dessa forma, cheio de vigias virtuais em todo canto, acabará totalmente com aqueles momentos mais íntimos, como a ida ao banheiro com o jornal do dia. Basta fazer isso e em questão de segundos, assim imagino, o Departamento de Estado dos EUA, o IBGE e as agências de publicidade já terão todos os dados referentes, por exemplo, à composição de sua urina e fezes, que serão repassados por dispositivos instalados na bacia da privada. Em pouco tempo, todo mundo saberá o que você comeu naquele dia e qual a procedência dos alimentos, bebidas e outras substâncias, formando assim um perfil do consumidor a partir do mais privativo ambiente doméstico. Sem contar que tais informações podem dizer muito mais sobre você: por onde andou e o que aprontou, histórico de consumo de drogas e doenças, e se de alguma forma representa um perigo para o mundo ocidental.

Do mesmo modo, a pessoa não poderá dar qualquer tipo de escapadinha. Tudo registrado. Uma ida ao bar da esquina será filmada, escaneada e analisada não apenas para saber a marca da cerveja que você toma e o quanto gastou na farra. Também vão estar de olhos e ouvidos no conteúdo de sua conversa, nos seus gestos e tiques, nos olhares para a mulher da mesa ao lado e na roupa que está vestindo. Serão informações de interesse para a indústria em geral, o Ministério da saúde, a Receita Federal, a CIA e, eventualmente, maridos traídos.

O 1984 de Orwell chegando atrasado, mas chegando com tudo, poderá jogar o cidadão numa rede social de grandes dimensões, mesmo que ele não queria. O pior desse admirável mundo novo é que, pelo menos segundo Holden, boa parte de nós estará viva para presenciá-lo. Será daqui a cinco anos.

@_lulafalcao

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Consultoria para minúsculos empresários

Faça as coisas de improviso e, dentro dele, você terminará descobrindo detalhes ainda mais improvisados, que precisam de uma gambiarra aqui e acolá, e a coisa termina andando da pior forma possível, mas andando, de modo que no final das contas tudo termina mais ou menos. Quer dizer: não deu certo nem errado, mas surtiu algum efeito sem a precisão de grandes planejamentos, planilhas, reuniões e principalmente de muito dinheiro. Para os grandes teóricos corporativos, o improviso é a pior dos mundos, e eles estão certos, mas em se tratando de uma pessoa que tem apenas uma idéia e nenhuma estrutura é melhor tentar um drible do que passar a bola de acordo com a jogada ensaiada.


A vantagem desse esquema meio destrambelhado é que se der merda, você faz tudo de novo, insiste no erro, porque alguns erros não são eternos. Um dia dá certo. Certo, certo, não. Dá pro gasto e é assim que funciona o mundo de grande parte dos minúsculos empresários que tentam sobreviver a partir de um ponto, mas sem estudo de viabilidade, cenários, análises de mercado, essas complicações todas.


Então, meu microscópico empreendedor, a idéia é ir levando como Deus quer e se Ele não quiser você leva do mesmo jeito porque em muitos casos não tem outra saída pra quem começou assim, na base da intuição, sem pensar nas conseqüências, atirando no escuro. O grande mérito desse negócio – se é que assim pode ser chamado – é o baixo investimento. Tem tudo para não funcionar, mas em caso contrário, pode, lotericamente falando, resultar numa grana extra, ou seja, numa espécie de milagre.


Enquanto isso, vejam o caso de grandes corporações que colocam milhões em consultorias e marketing, calculam tudo direitinho, mas na hora agá o resultado é um desastre completo. Não vou citar nomes para não incorrer em problemas legais, porque além de tudo essas empresas ainda gastam com departamentos jurídicos e assessorias de imprensa. Ocorre que grandes transações não têm espaço para gambiarra, um jeitinho, um arranjo, nada disso. Foram feitas para seguir os conformes e fora deles seja o que for se torna um peixe fora d’água, um beco sem saída, um poço sem fundo.


Em nosso mercado, não. Sempre tem um jeito. Você dá outro nome ao projeto, se desvia completamente da idéia inicial, se vira com o agiota, vende a geladeira ou simplesmente muda de ramo ou de cidade, nos casos mais graves.



@_lulafalcao

segunda-feira, 13 de junho de 2011

A morte do senador

O velho político estava na cama do hospital, agonizando, clamando por todos os santos, pedindo perdão pelos pecados, chorando diante da morte, agarrado à existência de forma meio obscena, pois perdeu um pouco daquele catolicismo que apregoava em plenário. Em todo caso, cedeu ao arrependimento. Lamentou as propinas - especialmente as de menor porte -, o tráfico de influência, o desvio de verbas públicas, as mentiras ao eleitorado. A família saiu, ele chamou o assessor, cuja tarefa era lustrar da imagem do parlamentar, mesmo nesse momento de moribundez. “Senador, morra com elegância”, disse o conselheiro. “Não terá mais jornais daqui uns dias, mas restam os livros de história”. O doente terminal revirou-se no leito, pensou em acolher a idéia, mas recordou que suas relações com o mundo acadêmico sempre foram inamistosas. Fez a última proposta: “cuide da minha memória só no meu Estado, no meu Estado, entendeu?”.

O parlamentar tinha deixado um livro de memórias. Valia pouco para historiadores se contemplado com documentos oficiais. Edição esmerada, capa dura, foto de estadista. Só não se podia determinar se ele viveu aqueles fatos, se foram contados por terceiros ou se eram pura lenda. Pior: a parte mais saborosa de sua biografia estava em mãos do Ministério Público. Sobre isso, nenhuma referência.

Sabe-se que o senador deixou este mundo a pulso. Talvez gostasse mais do mandato do que da vida ou considerasse os dois indissociáveis. Áulicos, discursos cheios de citações, jogadas políticas manhosas, carros oficiais, solenidades, prostitutas de luxo, viagens internacionais, dinheiro, poder e ternos bem cortados. Tudo isso acabou. No monitor de batimentos cardíacos, uma linha reta e aquele tradicional apitinho contínuo.

O passamento, porém, saiu a contento. O País fez piadinhas de mau gosto sobre a morte do senador (algumas de bom gosto, também), mas seu Estado chorou. Enterro de primeira, promessas de mais avenidas com o nome do filho ilustre, discursos inspirados em poetas da província e um cargo no Arquivo Público para o fiel assessor. Muitos disseram: “morreu como um passarinho”. Um correligionário, mais afeito às letras, lembrou a frase atribuída ao filósofo Caio Souza Leão: “A vida é uma questão local”.

@_lulafalcao


O post acima é ficção. Qualquer semelhança com vivos, mortos ou mortos-vivos terá sido mera coincidência

domingo, 12 de junho de 2011

Essências

Há frases que ganham o gosto popular, perduram no tempo, se transformam em oração religiosa e agora são repetidas ad nauseam nas redes sociais. Uma delas: “O essencial é invisível aos olhos”, de Saint-Exupéry. Meu pai, que não enxerga, discorda. E Goethe: "Pensar é mais interessante do que saber, mas menos interessante do que olhar." E William Blake: “As alterações do olhar alteram tudo." Já o Super Homem poderia dizer, a propósito de sua visão de Raios-X: “O invisível é essencial aos olhos”. Em todo caso, pode ser mais uma opinião de torcedor do Bonsucesso (apud Nelson Rodrigues). Nunca li “O Pequeno Príncipe”.

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Latinha

Na latinha que já foi de biscoitos importados, havia um baseado pela metade e uma pequena faca de cozinha, que servia para dichavar o fumo. À noite, ela sonhou com a manchete: “Presa com armas e drogas”.

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Namorados

Para alguns homens, o segredo é fazer que presta atenção em tudo o que ela fala. Na verdade, ele está pensando em outra coisa e só dá uma atençãozinha ao tema da história. Ao final, com as mãos encenando certa condescendência, explica que não é exatamente isso, minha querida.


@_lulafalcao

terça-feira, 7 de junho de 2011

Cinema sonhado

O homem sonhava da forma mais cinematográfica possível. Eram sonhos editados e com legendas em português no caso de histórias formadas por lembranças estrangeiras. No final, descia o letreiro, com nomes dos participantes - atores e técnicos, além dos patrocinadores. Sonhos independentes, cenas soltas, trailers, grandes produções, curtas metragens. Alguns traziam logos da Lei Rouanet, da Petrobras e do BNDES.

Uma noite veio Brasília, o Congresso Nacional. Coisa triste. Gabinetes transformados em clínicas de aborto, lugares que vendem ouro, consultórios dentários, lotéricas, bingos clandestinos, camelôs, produtos chineses, sex shops, bancas de revistas usadas e homens-sanduíche circulando pelos corredores outrora legislativos. Cheiro de urina.

Em outra noite, acordou suando frio. O sonho-filme era sobre ele mesmo, o velho e sua vida amorosa. Aparecia a mulher de meia idade, sua companheira imaginária. Eles não faziam sexo, mas ficavam juntos, abraçados, para aplacar a carência. Com as outras, mais jovens, não. Era obrigado a um esforço sobre-humano, principalmente com Júlia, 26 anos, que sempre aparecia nas horas mais esquisitas, como às três da manhã. Dar conta do recado era um suplício: dor no peito, orgasmo com sintomas de enfarte, morte rondando o quarto abafado.

Quanto mais velho o sonhador de filmes ficava, mais dolorosos eram os roteiros. Finais infelizes, entre a inação e o desespero. A história de um homem cuja velhice ninguém mais agüentava. Nem ele mesmo. A vida numa ilha, a solidão e alguns diálogos internos bem sofridos. Ao retomar o sono, a custa de comprimidos, finalmente o tempo clareava num ponto perdido do Atlântico, com brilhante fotografia de Jean Manzon. Ai as musas desciam de árvores ao som de “La Engañadora”, trilha de Enrique Jorrín e sua Orquestra América.

@_lulafalcao

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Caios e clarices

Puro exercício de adivinhação é especular sobre os motivos que levam centenas de tuiteiros a encher suas timelines com frases e mais frases de Clarice Lispector e Caio Fernando Abreu. Que os dois escritores merecem, não há dúvida. O que intriga é: por que eles? Talvez o gosto por textos curtos que encerram imagens reflexivas, típico dos dois, tenha encontrado boa pousada no mundo dos 140 caracteres. Mas ainda não é uma boa explicação. De qualquer forma, é estranho não ler com tanta freqüência no twitter escritores como Paulo Leminski. A prosa de Catatau (Ed. do Autor, 1975, e Sulina, 1989) daria um ano de boas tuitagens para os apreciadores das citações.

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Lampião no inferno


O Nordeste é cenário para a novela das seis, enquanto o enredo das nove se passa habitualmente no Leblon, com seus personagens urbanos e cheios de negócios a tratar. Homens e mulheres da Zona Sul carioca – e às vezes dos Jardins, em São Paulo – povoam o horário principal entre amores, angustias, intrigas empresariais e bons restaurantes É o momento da vida real. Já a matinê traz figuras farsescas e o indefectível sotaque criado pela TV Globo. É tudo meio circense, armorial, cômico, pitoresco, medieval, lúdico, longe da realidade. Seja de época ou não, quase sempre essas novelas trazem coronéis, capatazes, cangaceiros, curandeiros e uma versão agreste de Romeu e Julieta. Dois mundos.


@_lulafalcao