domingo, 23 de maio de 2010

Albânia

tirana copy
Todo mundo sabe que nos anos 70 ser comunista no Brasil era muito perigoso. A vida em risco, o coração na mão, as famílias assustadas. Nos aparelhos – os esconderijos dos comunistas – planejávamos derrubar o governo. O problema é que nos quartéis o governo planejava acabar essa brincadeira na base da ignorância e muita gente dançou nessa época.

Nos finais dos anos 70, no entanto, a situação afrouxou um pouco e uma fatia da esquerda passou a defender quase publicamente a causa justa das liberdades democráticas. O PC do B era um dos partidos empenhados na defesa da democracia, sempre ao lado do MDB, a oposição consentida, que mais tarde viria a se transformar nessa coisa chamada de PMDB.

NO PC do B, havia a luta imediata pela volta do estado de direito e, nessa parte a turma meio intelectual, meio de esquerda (apud Antônio Prata) estava completamente engajada. O que nos distanciava um pouco do partido eram algumas preferências ideológicas e geográficas. Enquanto o PCB estava alinhado com a URSS, nosso modelo de socialismo era a China. Era. Porque um dia, sem que soubéssemos exatamente porque, o PC do B cismou que a Albânia e seu líder, Enver Hoxha, seriam a partir dali nossos guias rumo ao socialismo.

Minha primeira providência foi ir à Barsa. Embora não confiasse muito em enciclopédia burguesa, descobri que a Albânia era o país mais miserável da Europa e, a exemplo do Brasil, mantinham o povo sob a ditadura. De certa forma até mais feroz porque lá não havia nem MDB ou coisa parecida. Brigada com os países ocidentais, em seguida com a URRS e depois com a própria China, da qual havia herdado idéias maoístas, a Albânia era um país completamente isolado do mundo (como a Coréia do Norte é hoje). Justo nesse momento, o PC do B decidiu, é isso, vamos de Albânia.

Não dava para entender. Por que deveríamos mirar nosso futuro num país que vivia no passado? Como pode tanta gente legal – o pessoal do partido era muito solidário, gente boa mesmo – estar envolvida numa maluquice desse tamanho? Como seguir um líder que não aceitava contestação, matava gente e mantinha a Albânia à base da criação de cabras e de uma indústria atrasada – mais subcapitalista do que comunista?

Mas o pior estava por vir quando me deram para ler um livro chamado “Imperialismo e Revolução”, de Hoxha, que além de não ter pé nem cabeça era muito mal escrito. Também dizia que o capitalismo estava com seus dias contados, como se decretasse o fim da história, e que nada poderia salvá-lo da morte inevitável causada por suas próprias crises e contradições. Além disso, pregava “a vingança implacável do proletariado e dos povos”. O curioso é que a única rádio do país, a Tirana, tinha uma programação em português, recheada de pregação ideológica, culto à personalidade de Hoxha e músicas com jeito de hino religioso, embora a Albânia fosse declaradamente atéia. Para quem gostava de Caetano Veloso, Sex Pistols e The Doors aquilo era uma chatice.

Então resolvi sair. Foi como acabar um casamento. Senti que os camaradas ficaram sentidos. Mas tempos depois, o PC do B também deixou de lado essa coisa da Albânia e hoje têm até cargo no governo e uma deputada linda, a Manuela D’ Ávila.

Mas fui. A partir dai elaborei meu próprio programa de socialismo (com democracia, claro), que pode não dar certo nunca, mas pelo menos não envolve um monte de gente em torno das idéias de uma única pessoa.


_Lulafalcao

Um comentário:

Blog Antonio Magalhães disse...

Você fez o que muito gente não teve coragem de fazer. Naquele tempo podia valer o sonho. Hoje, nem isso. Seja bem vindo À Democracia.

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