segunda-feira, 25 de julho de 2011

TEI

Vai funcionar assim. À moda dos seriados. No capítulo anterior ele estava deitado na sala imunda, nu, sem saída para a falta de dinheiro. Não conseguiu vender o rim. O desespero virou calma absoluta. Tinha que tomar uma decisão, tomou: entregar os pontos. Permaneceria ali, inerte, até fundir-se com a sujeira da casa. Os vizinhos iriam notar, um dia, pelo cheiro de cadáver e de restos de pizza. A vigilância sanitária e o serviço funerário cuidariam da cena. Para isso servem os impostos.

No escuro da luz cortada, ainda assim fechou os olhos, deslocando o pensamento para outras paisagens. As pedras lisas de sua pequena cidade, noites de chuva, velhos amigos sumidos. O último emprego apareceu num canto da mente, pois fora demitido – desse e de outros – por uma doença, ainda pouca estudada, que deixa as pessoas com o pavio curto, briguentas, os nervos a flor da pele por qualquer coisinha. O nome é TEI (Transtorno Explosivo Intermitente). Disso, agora, ele estava curado. O pavio apagou. A bomba interna foi se concentrando num ponto até sumir. Big Crunch.

No trabalho, anos antes, era assim. A simples existência de um chefe soava inadmissível para ele. Chamado ao aquário do escritório, para ouvir algum tipo de reclamação, tentava seguir as instruções do médico. Contar até dez para não explodir. Não funcionava sempre. Quando conseguia, descia as escadas até a garagem do prédio, engolia dois ansiolíticos e subiu para ouvir novas broncas quase em estado de catatonia em sua fase passiva. O jeito nervoso não passou despercebido e, pior ainda, em se tratando de um escritório, o uso de remédios logo ficou muito na cara.

Em casa, a mesma coisa. Morava só, mas tinha vizinhos, e eles faziam os barulhos de sempre. Numa escala de 1 a 10, estavam no topo de sua irritação móveis arrastados, barulho talheres no prato, aspirador de pó e, ocupando o primeiro lugar, música. Os vizinhos repisavam o senso comum das FMs até seu cérebro começar a zunir. A solução era a rua, também barulhenta, mas se estivesse no campo, como esteve algumas vezes, a estridulação dos grilos igualmente mexiam no limite de sua paciência. (continua – ou não)

Lula Falcão

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