quinta-feira, 7 de julho de 2011

O velho sem literatura

Depois de determinada idade, a literatura passa a ter mais importância do que a vida. Derrida já disse coisa parecida, sem entrar na questão etária. Mas são os mais velhos, com certeza, que se apegam a essa perspectiva. Os mais velhos que gostam de ler, obviamente. E aqueles que não gostam ou não tiveram oportunidade de aprender a gostar? Como é o mundo deles, desprovido de histórias que compensam a falta de movimentos do corpo. O velho simples, aquele da esquina, cada dia mais ensimesmado, absorto, olhando o tempo passar quase literalmente. Sem se dar conta das coisas escritas, sem apegar-se a nenhuma história que não seja a sua própria. Às vezes, tenho mais curiosidade em saber o que se passa em sua cabeça do que teria em relação ao senhor que é rato de livraria, devorador de Proust e que sabe de cor quem estará na próxima Flip.

O velho sem livros passa suas manhãs sentando numa cadeira, certamente pensando em alguma coisa que já ocorreu há muito tempo e que agora lhe vem, subitamente, como um filme sem legendas.

A velhice, já tratada por um monte de escritores, especialmente os de idade avançada, pode ser mesmo o período da vida em que só a literatura tem condições de fornecer algum consolo diante da fragilidade física, do desejo sexual dissimulado, das dores da alma. Mas o velho da esquina não tem essa compensação. Só o olhar perdido.

- o -

Durante algum tempo as companhias aéreas chamava as pessoas da “melhor idade” para ocupar os primeiros lugares da fila. Acho que pararam com essa besteira. Não era politicamente correto, não era eufemismo. Era um escárnio. Certamente o povinho do marketing não leu Philip Roth: “A velhice não é uma batalha; a velhice é um massacre”.

@_lulafalcao

Nenhum comentário:

Postar um comentário